RESUMO: O Direito Penal e sua instrumentalização, através do processo, foram criados para prevenir e reprimir condutas criminosas em meio social. A garantia ao infrator de ressocialização e a repressão aos atos ilícitos de forma justa sempre foram as bandeiras que deveriam ser perquiridas pelo Direito Penal e Processual Penal, e mais precisamente pela pena de prisão. No entanto, a sociedade vem passando por uma mudança drástica em seu comportamento e os objetivos da medida penalizadora restritiva de liberdade não vem alcançando êxito em seus objetivos. Para tentar vislumbrar parte desse problema, especialmente no sentido de uma possível solução com justiça em meio à aplicação da pena de prisão é que surge o presente trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: penal; processo; justiça; prisão; ressocialização; repressão.
1 – INTRODUÇÃO
As discussões sobre as alternativas penais cresceram muito, e hoje, o tema da substituição da prisão ocupa espaço preponderante no Direito Penal e Processual Penal e na própria sociedade, tanto como tendência de aceitação quanto de negação.
O desenvolvimento do ser humano sempre foi marcado pelos seus interesses que guiaram a sociedade, mas que nunca foram e nunca serão iguais. Nesse contexto, as penas nasceram da necessidade de punir aqueles que lá no início das sociedades primitivas eram contrários ao rei, ou seja, surgiram como vingança particular. Porém, a “evolução social” transformou as antigas civilizações nas atuais sociedades capitalistas, e aliadas a essas, passaram a existir as desigualdades sociais, a pobreza, a fome, a marginalização e principalmente, a consequente criminalização. Junto com a sociedade, as penas foram evoluindo e deixando de serem os suplícios e as penas de morte (as chamadas penas cruéis) e de serem espécie de vingança privada para se tornarem as penas restritivas de liberdade ou pena de prisão e serem aplicadas pelo Estado, ou seja, pelo poder público e não mais por iniciativa particular. No entanto, apesar de ter surgido como meio não cruel de punição, mas que tinha o objetivo de mostrar ao transgressor da lei que poderia ser punido efetivamente, a pena de prisão não tem logrado êxito no cumprimento de seus objetivos e muitas discussões a respeito do tema vêm crescendo no cenário jurídico atual.
2 – A DISFUNÇÃO DA PENA DE PRISÃO E A POSSÍVEL SOLUÇÃO
O Professor Geder Luiz Rocha Gomes ensina de forma brilhante que “a pena de prisão surgiu como uma grande e nova idéia capaz de renovar a crença na punição como instrumento de redenção do criminoso, com a vantagem de não incidir de forma cruel sobre o seu próprio corpo ou sua vida” (GOMES, 2008). O nascimento da pena de prisão trouxe novas perspectivas para as sociedades e isso é evidente quando se compara às penas cruéis. Porém, hoje, a pena de prisão não tem mais a capacidade de cumprir com seus objetivos primordiais que são a ressocialização e a repressão aos atos ilícitos, tendo em vista o caos em que se transformou a sociedade devido aos problemas sociais que afetam o cidadão e o estimulam a praticar atos ilícitos, bem como diante de um sistema prisional carente e das falhas do Poder Judiciário. Como assevera Fernando Braga Viggiano:
Alguns séculos após o acolhimento da pena de prisão como forma de humanização do sistema penal repressivo, em substituição às penas de morte e cruéis, constatou-se a falência completa desse sistema no sentido de prevenção (geral e especial) e de tratamento do delinqüente (VIGGIANO, 2002).
Nesse cenário de problemas na aplicação e efetivação da pena privativa de liberdade que surge de maneira mais expressiva o instituto das penas alternativas incisivas nos crimes de menor e médio potencial ofensivo, expressas no artigo 5º, incisos XLVI e XLVII, da Constituição da República Federativa do Brasil.
O Código Penal nacional adota a teoria eclética sobre a função da pena, tendo em vista que ela deve punir o infrator pelo que cometeu e gerar no meio social a desestimulação da prática de crimes, e é partindo desse viés que se analisa um primeiro ponto importante sobre as alternativas penais, qual seja a adequação. Toda pena deve ser proporcional ao crime visado e consequentemente deve cumprir o seu fim, mas, na realidade isso não acontece em se tratando de prisão nos casos de crimes de menor e médio potencial ofensivo. Nesses casos, são mais adequadas as penas alternativas porque possibilitarão o fim que almejam, pois, como leciona Geder Luiz Rocha Gomes: “A idéia da previsão da pena privativa de liberdade como regra ultrapassa, para estas infrações, os limites da necessidade e suficiência punitiva, fragmentando suas finalidades, comprometendo seus aspectos retributivos e preventivos” (GOMES, 2008).
Importante, também, é a realidade da superlotação do sistema carcerário atrelado ao suposto fim da ressocialização da pena de prisão, pois, as condições dos presídios são absurdamente desumanas e dentro de cada presídio, há regras distintas das regras sociais que vão fazendo com que o recluso nunca mude a forma de agir e pensar. Os pensamentos positivos como o da ressocialização e o de não mais delinquir abrem espaço para os sentimentos de vingança social e de ódio transformando ainda para pior o presidiário com a convivência nesse meio. Importante deixar claro que quanto aos crimes de grande potencial ofensivo, é unânime a idéia de que merecem a prisão.
A cominação da pena privativa de liberdade sem um sistema penitenciário adequado gera a superpopulação carcerária, de gravíssimas conseqüências, como temos visto nas sucessivas rebeliões. O sistema prisional brasileiro necessita de uma ampla reforma, já que os presos não são separados por idade, natureza da infração, condições processuais, não têm assistência médica, odontológica e jurídica (VIGGIANO, 2002).
Dessa forma, a aplicação da prisão aos crimes médios e menores considerados só irá dar continuidade a esse ciclo de criminalidade que piora cada vez mais. As alternativas penais podem ressocializar os infratores porque eles cumprem a pena no meio social, ajudando a população, como na pena de prestação de serviço à comunidade, não os inserindo no universo paralelo do sistema carcerário. Essa discussão dá ensejo à outra, relacionada aos direitos fundamentais que estão garantidos na Constituição Federal e em especial no seu artigo 5º e incisos e na legitimidade da pena. Isso acontece devido ao poder de punir do Estado que torna ilegítima a aplicação da prisão, pois viola os direitos fundamentais do infrator, inclusive e principalmente o princípio da dignidade da pessoa humana, e consequentemente, viola os dizeres constitucionais, afinal, as condições do apenado não condizem com seus direitos que são violados até na própria tramitação do processo que é lento.
As penas alternativas possuem outra característica positiva, que é a celeridade processual devido à criação dos Juizados Especiais pela Lei nº. 9.099/95, através da permissão constitucional do artigo 98, inciso I da Carta Magna, que possibilitarão a rapidez devido a objetividade e especificidade para com esses crimes, tendo como base as distorções e deficiências estruturais do sistema penal desequipado.
É claro que atreladas a essas idéias das alternativas penais surgiram algumas reflexões de modo negativo a respeito do tema e dentre elas, destaca-se a que trata da impunidade. Para a sociedade, enraizada nas diferenças sociais, o medo está ganhando espaço no cenário de relações interpessoais e diante de tanta criminalização, criou-se uma falsa idéia de segurança aliada à repressão prisional do infrator, visto que para a sociedade do medo, quanto mais distante está o deliquente, é melhor. Atendendo a essas necessidades, o Estado tenta ficar cada vez mais ligado a pena de prisão, o que gera a ausência de investimento nas medidas alternativas e consequentemente a sua inefetividade.
A constatação, em face da inexistência de estrutura que pudesse tornar a execução das alternativas penais, principalmente das penas restritivas de direito, algo efetivo, ao revés, acabou por disseminar a idéia de que as alternativas penais eram sinônimo de impunidade (GOMES, 2008).
Nesse sentido, se observa uma falha que é o investimento em severidade por parte do Estado, estimulado pela sociedade iludida pelo medo e pela repressão. Daí cria-se leis especiais para reprimir ainda mais, como é o caso da Lei nº. 8.072/90 dos crimes hediondos, que não serve para diminuir o grau de criminalidade no país. “A disciplina constitucional da tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, do terrorismo e dos crimes hediondos contempla um tratamento diferenciado e mais severo do que as demais infrações” (BECHARA, 2009).
Outra reflexão interessante é a de que sem a fiscalização e sem o monitoramento do cumprimento das penas alternativas a sua efetividade é comprometida, como observa Geder Luiz Rocha Gomes:
[...] diante da nova sistemática, ressentem-se da falta de estrutura inerente aos órgãos do sistema jurídico penal, mormente o Judiciário e o Ministério Público, para fazer frente ao monitoramento e à fiscalização do cumprimento das penas restritivas de direito (GOMES, 2008).
Aliada a essas teorias, a característica de indefinição dos crimes concebidos como de médio potencial ofensivo também surge como fator relevante na desconsideração das alternativas penais, pois, os de menor potencial ofensivo são definidos no artigo 61 da lei 9.099/95 e os de médio potencial ofensivo se quer são mencionados, apesar da tentativa reiterada de definição e conceituação por parte da doutrina.
3 – CONCLUSÃO
Dessa forma, verifica-se ser ideal a possibilidade de substituição da prisão pelas penas alternativas nos casos de crimes de menor e médio potencial ofensivo, visto que a sociedade já caminha para a destruição das relações interpessoais positivas que promovem o desenvolvimento dos seres humanos e a prisão no cenário atual é uma das forças motrizes mais fortes nesse passo de destruição. Nesse liame, é preciso analisar a aplicação da pena de prisão ou restritiva de liberdade com mais cautela no cenário moderno, bem como repensar os valores sociais e lutar pelo próximo, começando por não insistir numa sociedade mais violenta e reprimida que baseie suas regras jurídicas, ainda que implicitamente, na vingança privada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOMES, Geder Luiz Rocha. A substituição da prisão: alternativas penais: legitimidade e adequação. São Paulo: JusPodivm, 2008.
BECHARA, Fábio Ramazzini. Curso & concurso: legislação penal especial. Coord. Edílson Mougenot Bonfim. São Paulo: Saraiva, 2009.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel com a organização de Marcos Antônio Oliveira Fernandes. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.
PENAL, Código Penal: Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. Obra coletiva de autoria da Editora Rideel com a organização de Marcos Antônio Oliveira Fernandes. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.
VIGGIANO, Fernando Braga. Endurecimento das penas e da execução penal: retrocesso inigualável. Disponível em: <http://www.buscalegis.ccj.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/13153/12717>. Acesso em 20 de maio de 2012.
Graduando em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANDES, Hyran Ferreira. As alternativas penais como uma possível solução em meio à disfunção da pena de prisão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 set 2012, 07:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31023/as-alternativas-penais-como-uma-possivel-solucao-em-meio-a-disfuncao-da-pena-de-prisao. Acesso em: 22 nov 2024.
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