RESUMO: A redução da maioridade penal tem sido alvo de muita discussão no Brasil. Apesar do reconhecido valor do ordenamento jurídico pátrio no que se refere às garantias previstas à criança e ao adolescente, a discussão sobre a temática se difunde cada vez mais como uma medida urgente de se tentar oprimir o elevado índice de violência e marginalidade. Todavia, diante da realidade do sistema prisional brasileiro torna-se evidente que essa medida é totalmente inviável, sendo mais cabível aplicar efetivamente os institutos jurídicos já existentes e implementar políticas públicas que viabilizem a estagnação e diminuição dos índices de atos infracionais.
PALAVRAS-CHAVE: maioridade penal; Estatuto da Criança e do Adolescente; políticas públicas.
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, muito se tem discutido sobre a viabilidade de se reduzir a maioridade penal no Brasil. Casos diários de violência e marginalidade mostram que grande parte dos infratores são menores de idade, fato que tem gerado dúvidas quanto a efetividade das previsões punitivas vigentes.
Ocorre que, o Brasil mostra-se incapaz de arcar com as conseqüências jurídicas e sociais dessa possível alteração legislativa, uma vez que não possui estrutura prisional adequada e suficiente para arcar com o ônus de tal mudança.
Assim, no sentido de se tentar reduzir os altos índices de marginalidade, deve-se prioritariamente visar a aplicação efetiva das leis já existentes, bem como a implementação de políticas públicas que tornem possível a estagnação e diminuição dos índices de atos infracionais.
2 DA IMPUTABILIDADE
A Carta Magna de 1988 teve a preocupação de expressar em seu artigo 228 que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Tal imputabilidade “é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente”.[1]
Entendeu o legislador que por mais grave que seja o ato que o menor venha a praticar, a punição criminal é um castigo enorme para alguém nessa faixa etária, independentemente do seu grau de conscientização ou maturidade. Pois, “é preciso que o agente tenha condições de avaliar o valor do motivo que o impede à ação e, do outro lado, o valor inibitório da ameaça penal”.[2] Adotou-se, portanto, o critério puramente biológico.
A inimputabilidade por imaturidade natural ocorre em virtude de uma presunção legal, a qual “por questões de política criminal, entendeu o legislador brasileiro que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito”.[3]
Apesar da previsão constitucional referente à maioridade penal ora comentada, não se trata de caso impeditivo de revisão, pois o artigo 228 não é cláusula pétrea.
Logo, caso haja vontade política poderá ser proposta Emenda Constitucional no sentido de alterar tal previsão, e por conseguinte, poder-se-á diminuir a maioridade penal atual.
3 A INVIABILIDADE DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
A sociedade brasileira evoluiu, e, atualmente, uma pessoa com 16 anos de idade é considerada consciente para alguns atos, tanto é assim que pode exercer direitos de cidadania como propor ação popular e votar.
Nesse sentido, muitos são aqueles que criticam essa disparidade do sistema jurídico brasileiro, visto que “timbra o texto, no art. 228, em consagrar a inimputabilidade penal do menor de dezoito anos. É incoerente esta previsão se se recordar que o direito de votar – a maioridade política – pode ser alcançado aos dezesseis anos...”.[4]
Ocorre que essa discussão surge muito mais como uma forma imediata de se tentar coibir os altos índices de violência e marginalidade do que uma tentativa de se preservar os direitos e garantias constitucionais.
É evidente que o menor marginalizado não surge por acaso, na verdade, ele é fruto de um estado de injustiça social causado pela falta ou ineficiência de políticas públicas destinadas a criança e o adolescente. Na medida em que a desigualdade econômica e a decadência moral crescem, aumenta-se o número de menores em situação de risco de marginalização.
Ademais, admite-se que o Brasil já conta com uma legislação extremamente rica, reconhecida por diversos países como uma das mais evoluídas do mundo. Entretanto, falta-lhe efetividade na sua aplicação. A Lei 8.069/1990 que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo, constitui “uma nova forma de pensar, com o escopo de efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente”.[5] Essa lei dispõe sobre medidas de caráter protetivo, mas que jamais foram devidamente implementadas pelo Estado Brasileiro.
A partir disso, percebe-se também o cunho omisso por parte da sociedade, que deveria exigir do Estado pelo primar da lei existente através da sua efetiva aplicação. Como destaca o artigo 4.° do ECA, in verbis:
Art. 4° É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar; com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
O texto legal em tela relata os direitos básicos da criança e do adolescente, impondo-os ao administrador público como dever, não como mera faculdade.
Ainda assim, há aqueles que defendem a redução da maioridade penal, os quais se esquecem da presente situação do sistema penitenciário brasileiro, que não corresponde aos fins esperados da reeducação e reinserção do preso no corpo social.
Dessa forma, defender a redução da maioridade penal no Brasil é, sem dúvida, algo terminantemente inviável. E não é preciso ser especialista em política criminal para perceber que implementar a redução da maioridade penal no Brasil representa atualmente um ato de retrocesso. Essa possível alteração constitucional precisa de todo um amadurecimento discursivo antes de se pensar em colocar em prática. Faz-se necessário debater mais amplamente a questão, pois:
[...] um tema tão importante como a redução da maioridade penal não pode ser tratado no campo das emoções e das paixões humanas e não podemos crer, também, que encarcerar menores de dezoitos anos irá solucionar o problema da criminalidade nesta faixa etária. Portanto, é preciso considerar todos os determinantes sociais que se desenvolvem no cotidiano das relações que os seres humanos estabelecem com a natureza e, principalmente, com a produção da vida material, ou seja, é preciso considerar as mediações e expressões históricas presentes no convívio em sociedade.[6]
Os que defendem a prisão de menores de dezoito anos de idade propõem consequentemente à resolução do problema da violência a partir de uma readequação às normas em razão da criminalidade praticada por estes; desconsideram o fato de que o menor que executou o delito é formado socialmente a partir da falha do próprio estado no desempenho de suas funções primordiais.
Não se pode permitir que o discurso em favor da redução da maioridade penal assuma um teor eminentemente modista, sob pena de promovermos mudanças que não venham de encontro aos interesses da justiça social.
Faz-se necessário a efetivação de políticas públicas que permita a real inserção do jovem na sociedade, tendo em vista que a marginalidade não se dá por falta de medidas repressivas, mas por falta de políticas de inclusão que possam dar uma perspectiva social digna à população desfavorecida.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, fica nítido que a redução da maioridade penal é definitivamente inviável no cenário brasileiro atual, visto que a realidade é dura ao demonstrar a ineficiência das previsões legais existentes em nosso país, as quais tal mudança só acarretaria mais problemas.
Assim, deve o Poder Público como mantedor da ordem social fazer valer a sua responsabilidade na estagnação e diminuição dos índices de atos infracionais sem que para isso precise reduzir a maioridade penal; e cabe a sociedade brasileira primar pela efetividade das leis existentes e das políticas públicas, cobrando quando necessário dos órgãos competentes sua inteira efetividade.
REFERÊNCIAS
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
GRECO, Rogério. Código penal: comentado. 4. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010.
ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
PONTES. R. N. Mediação e Serviço Social: um estudo preliminar sobre a categoria teórica e sua apropriação pelo Serviço Social. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
SANZO BRODT, Luís Augusto. Da consciência da ilicitude no direito penal brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
[1] GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 11. ed., p. 395.
[2] SANZO BRODT, Luís Augusto. Da consciência da ilicitude no direito penal brasileiro, p. 46.
[3] GRECO, Rogério. Código penal: comentado, p. 76.
[4] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 26. ed., p. 373.
[5] ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 12. ed., p. 02.
[6] PONTES. Reinaldo Nobre. Mediação e Serviço Social: um estudo preliminar sobre a categoria teórica e sua apropriação pelo Serviço Social. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
Acadêmico da: Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - AGES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CURVELO, Hercílio Denisson Alves. A redução da maioridade penal e sua inviabilidade no cenário brasileiro atual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 out 2012, 08:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31686/a-reducao-da-maioridade-penal-e-sua-inviabilidade-no-cenario-brasileiro-atual. Acesso em: 22 nov 2024.
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