A Constituição Federal e o Estatuto da Criança do Adolescente – ECA - dispõem que toda criança tem direito à convivência familiar e comunitária. No entanto, esse direito, repetidamente é negado, especialmente as crianças e adolescentes negros, maiores de três anos e com problemas de saúde, que aguardam por adoção nos abrigos espalhados pelo país.
É cediço que em um processo de adoção, dá-se preferência aos bebês recém-nascidos, com saúde, perfeitos e brancos. Todavia, as crianças maiores, negras, pardas, com algum problema de saúde ou deficiência acabam sendo esquecidas e consequentemente discriminadas. Sem falar então nos adolescentes, os quais restam cada vez mais esquecidos em orfanatos. De acordo com uma matéria veiculada em um jornal do Nordeste, em Fortaleza apenas oito por cento dos habilitados à adoção aceitam uma criança maior de dois anos:
O número de inscritos no Cadastro de Crianças e Adolescentes Adotáveis do Juizado da Infância e da Juventude de Fortaleza é quase três vezes menor do que o de pessoas habilitadas à adoção. Se não fossem as exigências dos 176 candidatos a pais, essas 59 crianças e adolescentes poderiam hoje estar inseridas em um núcleo familiar. Mas por já terem mais de dois anos, serem do sexo masculino ou possuírem alguma necessidade especial, permanecem por anos em abrigos. Por isso, o melhor resultado de uma campanha de sensibilização à adoção não é o número de candidatos a pais inscritos na Justiça, mas o efeito dela na desmistificação do mito de que existe um modelo ideal de filho. “Não precisamos de mais cadastros, e sim de pais com novas mentalidades” (FRANÇA, 2007, texto digital).
Consoante o artigo mencionado chega a ser cruel a forma como os “futuros pais” se comportam ao se habilitarem à adoção. Ora, dar preferência a crianças sadias e bebês recém-nascidos, nada mais é do que preconceito puro com os que não gozam de tais qualidades.
O que ninguém pensa ao agir de tal maneira, é que aquela criança que não é mais um recém-nascido, que não tem a pele tão clarinha, ou que não é tão perfeita, já foi abandonada uma vez, ou, senão abandonada, já passou por dolorosas experiências de vida, e agora, pode estar esperando ansiosamente por alguém que a queira bem e a ame de verdade, livrando-a do preconceito e do estigma a que ela de nenhuma forma deu causa.
Os futuros pais deveriam se conscientizar que não o processo de adoção não é a busca de um filho perfeito, mas sim, a satisfação de dar uma família e afeto a uma criança que necessita, independentemente de raça, idade, ou qualquer outro tipo de discriminação. Tentar compreender os sentimentos da criança que foi rejeitada pelos seus defeitos, compartilhar as dores físicas e emocionais e ter o apoio de amigos e familiares.
É desanimador os dados obtidos junto a Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal:
Dados coletados no site da Vara da Infância e da Juventude do Distrito Federal relativos ao ano de 2007, atualizados em outubro do mesmo ano, revelam que o perfil dos requerentes cadastrados para a adoção tanto dos residentes do Distrito Federal como fora do Estado, demonstram que a preferência no momento da escolha para adoção é por crianças brancas. À medida que a cor das crianças se aproxima do perfil da população negra, a tendência a escolher essas crianças e adolescentes vai decrescendo, chegando à “freqüência” zero exatamente a partir do momento em que a categoria “morena escura” entra no cenário.
No Brasil, cerca de 80 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos, pelos cálculos do Instituto de Pesquisa Econômicas e Aplicadas (Ipea). Boa parte delas a espera de adoção. Entre os abrigados, segundo o Ipea, mais de 63% são negros (21% deles pretos e 42% pardos). (NUNES, Elizabeth Cezar, 2008, texto digital).
É imperioso mencionar que a criança pode ser dividida em quatro grupos, tendo cada um suas especificidades e desafios:
Crianças de 02 à 06 anos: Ainda são crianças pequenas e sua capacidade e prontidão para receber amor é imensa, podendo se adaptar com bastante facilidade, uma vez enfrentadas as sombras e feridas, se houver.
Crianças de 07 à 10 anos: Essas crianças que já construíram e, às vezes, já desconstruíram a esperança; estão na fase de encontrar o esboço de suas identidades. Sua adaptação depende, não só de muito amor, mas de muita disponibilidade para enfrentar a revolta e refazer caminhos que se perderam ou foram truncados.
Dos 11 aos 14 anos: Este grupo é dos que têm até sonhos, mas não têm mais esperanças e suas fantasias são fora da realidade pois a realidade é doida demais.
Se estiverem na rua, muitas vezes já foram capturados pela prostituição e pelo delito; se estão num orfanato, com certeza já se acostumaram pela rejeição, pois viram outras crianças menores, mais brancas, ou meninas, (perfil mais buscado em caso de adoção) serem levadas por uma família e eles, não.
Sua adaptação, numa família adotiva, depende de amor, de um profundo senso de responsabilidade dos pais, de uma lucidez capaz de compreender os problemas e demandas dessa criança, quase adolescente, de forma a fazê-las elaborar e superar o passado para se tornar um adulto feliz.
Dos 14 aos 18 anos: Estes já são adolescentes e geralmente possuem um psicológico marcado pelas dificuldades de uma infância abandonada e pelas ambigüidades desta. Nos dois últimos grupos o acompanhamento especializado de assistentes sociais e psicólogos, antes, durante e depois (principalmente, depois) de concretizado o ato da adoção é de extrema importância (note e adote, 2009, texto digital).
Por fim, cabe mencionar que é cômodo acreditar que as crianças que estão em orfanatos estão protegidas, têm abrigo e alimentação e estão bem cuidadas. Existem muitos tipos de instituições, algumas mais e outras menos eficazes, mas em nenhuma delas se oferece o que é fundamental para a criança e adolescente que é viver com uma família, criar laços afetivos, sentir-se seguro, protegido e afetivamente nutrido. O ser humano só aprende a amar o outro se for amado.
Referências:
NOTE E ADOTE. Texto digital, 2009. Disponível em www.noteadote.zip.net Acessado em 16 nov. 2010.
NUNES, Elizabeth Cezar. A discriminação da Criança Negra no Processo de Adoção. Brasília, 2008. Disponível em www.meionorte.com/edilsonnascimento/a-discriminacao-da-crianca-negra-no-processo-de-adocao – 68904.html Acessado em 16 nov. 2010.
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