O Superior Tribunal Federal (STF), órgão máximo de nosso ordenamento jurídico, está julgando os réus do “esquema” político conhecido como “mensalão”, e pode de forma inédita condenar à prisão vários políticos influentes, até então vistos como intocáveis pela justiça brasileira.
Assim, por se tratar o STF do órgão máximo do ordenamento jurídico brasileiro, uma vez condenados por este, a esses políticos não mais haveria a possibilidade de manejar recursos ou continuarem em liberdade. Correto? Tal afirmação estaria correta caso o Brasil não se obrigasse perante órgãos internacionais, como é o caso da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Então a decisão condenatória proferida pelo STF no “caso mensalão” pode ser revista? Afirmo que sim.
O Brasil, em 25 de setembro de 1992 ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, um tratado internacional entre os países-membros da Organização dos Estados Americanos e que foi subscrito durante a Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, sendo uma das bases do sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos.
Mas o Brasil precisa observar normas e determinações de uma Corte Internacional? A princípio não, desde que não assuma nenhum dever de sua observância. Mas uma vez que o País se compromete a cumprir determinado “acordo” internacional, obriga-se perante toda essa comunidade. Assim como você não é obrigado a assinar uma promissória, mas uma vez assinada, se compromete ao pagamento dos valores nela descritos. Tudo isso em função do princípio pacta sunt servanda (os pactos devem ser cumpridos), um dos pilares do direito, responsável pela segurança jurídica dos ordenamentos.
Mas esse Tratado Internacional sobrepõe-se às leis internas do País? Sim, referindo-se a tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, a nossa Constituição Federal os põe em hierarquia superior às leis ordinárias. Esse foi o entendimento do próprio STF, quando aplicou dispositivos do mesmo Tratado, contrariando Lei interna, para afastar a aplicação em nosso ordenamento jurídico da prisão do depositário infiel.
Sendo assim, é indene de dúvidas a aplicabilidade da Convenção Americana de Direitos Humanos no ordenamento jurídico pátrio.
Essa Convenção, em seu artigo 8º, quando cuida das garantias judiciais, preconiza que “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”, dentre os quais, em sua alínea “h”, encontra-se o “direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior”.
No julgamento do mensalão, temos que, em função do foro privilegiado dos políticos envolvidos, ou em função do fenômeno jurídico da conexão, todos os réus estão sendo julgados pelo STF em única instância, de forma que não lhes serão assegurado o direito de recorrer da decisão prolatada a um tribunal superior.
Mas é possível então que o julgamento do mensalão seja revisto pela Corte Interamericana de Direitos Humanos? Entendo seguramente que sim, levando-se em consideração todo o conteúdo já exposto, bem como a existência de precedente em caso semelhante.
Na Venezuela, país também signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, o político Oscar Enrique Barreto Leiva, foi condenado a um ano e 2 meses de prisão por delitos contra o patrimônio público, como consequência de sua gestão no ano de 1989, quando ocupava o cargo de Diretor Geral Setorial de Administração e Serviços do Ministério da Secretaria da Presidência da República. A exemplo do que acontece com o mensalão no STF, Barreto Leiva foi julgado e condenado por uma única e última instância em seu País.
O caso foi então encaminhado por seus advogados à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que ao reexamina-lo, decidiu que “Barreto Leiva poderia ter impugnado a sentença condenatória emitida pelo julgador que tinha conhecido de sua causa se não houvesse operado a conexão que levou a acusação de várias pessoas no mesmo tribunal. Neste caso a aplicação da regra de conexão traz consigo a inadmissível consequência de privar o sentenciado do recurso a que alude o artigo 8.2.h da convenção”. E complementando a decisão, “jogou a pá de cal” sobre a necessidade de observância ao direito de recorrer das sentenças condenatórias, afastando inclusive as hipóteses dos réus que gozem de foro especial, como é o caso do mensalão, ao firmar o entendimento de que “o Tribunal entende oportuno ordenar ao Estado que, dentro de um prazo razoável, proceda a adequação de seu ordenamento jurídico interno, de tal forma que garanta o direito a recorrer das sentenças condenatórias, conforme artigo 8.2.h da Convenção, a toda pessoa julgada por um ilícito penal, inclusive aquelas que gozem de foro especial”.
Diante de tal precedente, parece-me possível, com grandes chances de lograr êxito, que os advogados dos réus condenados no julgamento do mensalão recorram à Corte Interamericana de Direitos Humanos, conseguindo efeito suspensivo à aplicação das penas impostas, levando a maior parte dos crimes (senão todos) à prescrição (o que afasta o direito de punibilidade do Estado), ofuscando o brilho de uma histórica decisão política e principalmente ética para o País. Seria para o nosso País o mesmo que “ganhar e não levar”.
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