I- INTRODUÇÃO:
O descarte de resíduos é um problema antigo, que ganhou ênfase com a velocidade do crescimento mundial. Pode-se dizer que a historia dos resíduos se confunde com a própria história do homem, já que são totalmente dependentes.
Como ressaltado os problemas começaram a acontecer com o grande crescimento da população mundial, e por consequência indústrias e afins. Mas precisamente os resíduos começaram a aparecer como um problema com a revolução industrial, onde se começou a ter meios de aperfeiçoar a produção, aumentando-a e por consequência o lucro também. Sendo tal trato de bom grado aos industriais, que tinham margens de lucros altíssimos e não possuíam nenhum ônus em contra partida.
Não se pode, culpar somente o grande “bum” populacional, mas também o modo de consumo, que passa a cada dia sendo mais exigente e com patamar mais alto de qualidade. Á respeito disso ressalta BAUDRILLARD, Jean:
“À nossa volta, existe hoje uma espécie de evidência fantástica do consumo e da abundância, criada pela multiplicação dos objectos dos serviços, dos bens materiais, originando como que uma categoria de mutação fundamental na ecologia da espécie humana.
Para falar com propriedade, os homens da opulência não se encontram rodeados, como sempre acontecera, por outros homens, mas mais por objectos.”[1]
Somente o estado do Rio de Janeiro produz mais da metade do que os outros estados produzem, uma média de cada carioca jogando fora 1,861 Kg de detritos. Só no ano passado a produção de lixo urbano cresceu 6,8% de 2009 para 2010, o que representa seis vezes mais do que o crescimento populacional no período revela o "Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil”.[2]
Ressalta-se ainda que o Brasil possui um dos maiores índices de produção de lixo por empresas, exemplo disso é a posição que o Brasil ocupa entre os produtores de resíduos eletrônicos, pois depois do México e da China (0.4 kg/cap·ano), o Brasil (0.5 kg/cap.ano) é o maior produtor per capita desses resíduos entre os países emergentes, segundo o mais recente estudo da ONU sobre o tema.[3]
Assim o desafio passa a ser a destinação final desses resíduos, que só fazem aumentar e por óbvio necessitam “parar” em algum lugar que não ofereça danos nem as pessoas nem ao meio ambiente. Porém alarmante é o descarte de resíduos no Brasil:
“E, no caso do Brasil, o desafio é ainda maior, pois poucos são os casos de destinação final correta dos resíduos sólidos, estimando-se que 64% dos municípios brasileiros depositem os seus resíduos urbanos em lixões a céu aberto.”[4]
Percebe-se que há um embate entre poder público e empresário, sobre de quem deva ser a responsabilidade pelo descarte de tais resíduos. Onde por maioria quase que maciça defende-se a responsabilidade por quem gerou seus próprios resíduos, ou seja, o empresário.
II DA RESPONSABILIDADE PENAL:
Quando há o cometimento de um crime, por consequência pelo menos para o mundo jurídico, uma das descobertas mais importantes é sobre a autoria do fato. Isto porque, a responsabilidade penal tem que ser aferida, para aplicação ou não da sanção penal pelo Estado-juiz.
Assim segundo Paulo José Da Rocha Soares:
“Devemos ter em mente que responsabilidade penal significa a obrigação ou o direito de responder perante a Lei por um fato cometido, fato este considerado pela lei vigente como um crime ou uma contravenção, é um atributo jurídico. Não se trata de uma qualidade, mas de uma consequência, quem tem capacidade de imputação e sofreu legitimamente a imputação de um ato, dá contas deste.” [5]
Ainda acerca de definição da responsabilidade penal:
“No caso da responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público. Neste caso, o interesse lesado é a sociedade.” [6]
III DA RESPONSABILIDADE PENAL PELO DESCARTE DE RESÍDUOS DA EMPRESA:
Após a verificação do dano ocasionado pela empresa, com o descarte irregular de resíduos, relevante é analisar a punição, a responsabilidade de quem o produz e não o descarte adequadamente.
Dentro da empresa, após a produção do resíduo, importante é manter o processo sobre vigilância, assim como o Professor André Araújo destacou: “necessita-se de um monitoramento do nascimento até o túmulo desse resíduo”. Portanto resíduo da empresa, é problema da empresa.
Com o advento da Lei nº 9.605/98 lei de Crimes Ambientais, esta trouxe novidades acerca da responsabilidade penal ambiental das pessoas jurídicas, como a possibilidade de atribuição de responsabilidade penal a empresa, responsabilidade solidaria entre pessoa jurídica e seus integrantes e desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
A empresa em caso de descarte inadequado poderá ser punida nas três esferas distintas, sendo a administrativa, civil e como mencionado na penal.
Vale lembrar que a empresa só será punida penalmente, se tal ato estiver expressamente previsto em lei, pois mesmo em âmbito ambiental, prevalece os princípios penais referentes, a condição de ré da empresa.
Assim os crimes ambientais não se encontram estipulados no Código Penal, mas sim em várias leis esparsas, onde o meio ambiente tem por principal proteção a lei n.º 9.605/1998.
Considerando o crime em estudo (descarte inadequado de resíduos) este está estipulado no artigo 54, §2º, inciso V da referida Lei:
“Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
(...)
§ 2º Se o crime:
(...)
V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.”
Deste modo, quando a lei retrata agente, além da pessoa física encaixa-se nessa interpretação a pessoa jurídica, que conforme já mencionado e ainda por determinação constitucional pode ser responsabilizada penalmente conforme art. 225, §3.º da Constituição Federal:
"As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados"
Com a previsão constitucional, a regulamentação se deu pelo artigo 3º da lei n.º 9.605/1998, que prevê:
“Art.3.º- As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei,nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade”.
A responsabilidade penal da empresa foi um grande avanço não somente no ordenamento jurídico brasileiro, mas também no mundial, uma vez que a legislação ambiental brasileira é tida como uma das mais inovadoras acerca da proteção e punição de seus agentes. Inova ainda mais, quando o assunto remete a agente sendo pessoa jurídica, que por muito tempo passaram quase que impunes pela responsabilidade penal e hoje sofrem com consequências dos resíduos que produzem.
Assim afirma Figueiredo Dias que: “as maiores e mais graves ofensas à integridade do ambiente provêm atualmente, sem dúvida, não da pessoa individual, mas da pessoa coletiva”.[7]
Mesmo com divergências acerca do tema, fato é que a pessoa jurídica pode e deve ser condenada em todas as esferas e principalmente na penal, desde que comprovada à devida culpa, até mesmo como forma de inibição por parte de outras empresas que ao avistarem o enorme ônus que se decorre de tal crime, criarão meios e mecanismos de se precaver e fiscalizar o descarte de seus resíduos de forma legal.
III DA MULTA COMO SANÇÃO PENAL APLICADA À PESSOA JURÍDICA:
Em decorrência de uma possível condenação penal, a empresa como pessoa jurídica não pode sofrer com as mesmas penas de reclusão e detenção, isto é prisão aplicada a uma pessoa física, uma vez que as mesmas se tornam impossíveis no mundo fático.
Ocorre que a empresa que for condenada por sentença penal transitada em julgado pode sofrer outras sanções divergentes da prisão, como a multa que é vista como uma das penas mais aplicadas e mais eficientes pela doutrina.
A pena de multa deve ser aplicada à luz do principio da razoabilidade, uma vez que não é intenção do Estado que com o pagamento da multa a empresa venha a sofrer com falência ou deixe de arcar com outros encargos como por exemplo trabalhistas.
Tendo a multa caráter penal, deve esta ser aplicada conforme as regras estabelecidas pelo código penal, como se tal sanção fosse imposta a qualquer outro tipo de pessoa, não devendo nem podendo a pessoa jurídica ser beneficiada por tal condição.
Para tanto, a multa deve ser aplicada para atingir o seu fim, que é a repreensão, no sentido do agente entender o caráter ilícito do ato cometido, assim se verificado que o valor da multa passou a ser insignificante para a empresa, a título de se utilizar o jargão “o crime compensa”, pode e deve o legislador aumentar em até três vezes o seu valor, sempre levando em consideração valor da vantagem econômica auferida.
Como multa é tipo de pena, esta não é revertida para reparação do dano efetivamente dito, mas sim ao fundo penitenciário, e a esse respeito leciona Paulo Afonso de Leme Machado:
(...) “a pena de multa aplicada à pessoa jurídica não terá efeito direto na reparação do dano cometido contra o meio ambiente, sendo que o dinheiro será destinado ao fundo penitenciário. Desta forma, é uma sanção penal que deve merecer prioridade no combate à delinquência ambiental praticada pelas empresas.”[8]
Ainda foram previstos outros tipos de sanções para as pessoas jurídicas, podendo ocorrer além da multa ou juntamente com ela a aplicação de penas restritivas de direitos, e ainda ocorrer a suspensão parcial ou total de suas atividades.
Conforme a gravidade do fato típico praticado maior é a sanção aplicada, assim para crimes mais gravosos pode a empresa sofrer ainda a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, e, a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações (art. 22, incisos I, II e III respectivamente).
Interessante ressaltar como pena restritiva de direito a prestação de serviços a comunidade, prevista no artigo 23, onde a pessoa jurídica a executará pelo custeio de programas e de projetos ambientais ( inciso I); execução de obras de recuperação de áreas degradadas (inciso II); manutenção de espaços públicos (inciso III) e, contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas (inciso IV).
A sanção mais grave para a pessoa jurídica é a liquidação forçada, prevista no artigo 24, sendo tal sanção aplicada quando a razão de existir da pessoa jurídica, se baseia unicamente ou preponderantemente, para permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido na lei ambiental. Assim, segundo o próprio artigo mencionado a empresa será considerada instrumento do crime e, portanto poderá ser perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
IV CONCLUSÃO:
Percebe-se assim que o desenvolvimento é inevitável, para tanto é dever de todos a busca do equilíbrio entre o progresso e a preservação ambiental, que só poderá ser alcançada se houver equilíbrio baseado na ampla e irrestrita adoção da responsabilidade pós-consumo.
Ocorre que, um negativismo exagerado a respeito de soluções ambientais em nada ajudará, a esse respeito leciona brilhantemente Paulo Affonso Leme Machado:
“Não podemos estar imbuídos de otimismo inveterado, acreditando que a natureza se arranjará por si mesma, frente a todas as degradações que lhe impomos. De outro, não podemos nos abater pelo pessimismo. A luta contra a poluição é perfeitamente exequível, não sendo necessário para isso amarrar o progresso da indústrias, pois a poluição da miséria é uma de suas piores formas.” (MACHADO, Paulo A. Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: RT, 1989, 3 ed. 2)
Deste modo, a ênfase do econômico por consequência ocasiona a busca de estratégias, de novos caminhos que visem à sustentabilidade do sistema econômico. Isto é, manter o lucro econômico, mantendo a consciência ambiental, sendo que cada vez mais a sociedade e principalmente o ordenamento jurídico tem por objetivo primordial o equilíbrio entre esses dois panoramas tão relevantes.
BIBLIOGRAFIA:
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 1094 p.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 3. ed. São Paulo: RT, 1989.
SABOYA, Jorge. Legislação Ambiental Descomplicada. 1ª ed. Rio de Janeiro: Auriverde, 2004. 41p.
http://jus.com.br/revista/texto/1688/penas-atribuidas-as-pessoas-juridicas-pela-lei-ambiental#ixzz2AVSLkmSp. Acesso em: 27 de outubro de 2012, ás 9:06 horas.
http://jus.com.br/revista/texto/1688/penas-atribuidas-as-pessoas-juridicas-pela-lei-ambiental#ixzz2AVOPwPjB. Acesso em: 27 de outubro de 2012, ás 9:30 horas.
http://lixoeletronico.org/blog/onu-brasil-tem-maior-producao-capita-de-lixo-eletronico-e-baixa-prioridade-da-industria-e-gover. Acesso em: 27 de outubro de 2012, ás 10:16 horas.
http://www.prsp.mpf.gov.br/prmmarilia/sala-de-imprensa/livro_pos_consumo_2ed.pdf. Acesso em: 27 de outubro de 2012, ás 11:08 horas.
http://oglobo.globo.com/rio/rio-produz-maior-quantidade-de-lixo-do-brasil-2791123#ixzz2AUn5bh2L. Acesso em: 27 de outubro de 2012, ás 11:36 horas.
http://www.robertexto.com/archivo14/resp_penal_pessoa.htm
http://jus.com.br/revista/texto/1688/penas-atribuidas-as-pessoas-juridicas-pela-lei-ambiental#ixzz2AVOPwPjB. Acesso em: 27 de outubro de 2012, ás 11:49 horas.
[1] BAUDRILLARD, Jean. (A sociedade de consumo, p. 15).
[2]Informação retirada do endereço eletrônico: http://oglobo.globo.com/rio/rio-produz-maior-quantidade-de-lixo-do-brasil-2791123#ixzz2AUn5bh2L)
[3] Informação retirada do endereço eletrônico: http://oglobo.globo.com/rio/rio-produz-maior-quantidade-de-lixo-do-brasil-2791123#ixzz2AUn5bh2L
[4] Informação retirada do endereço eletrônico: http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias/noticias-do-site/copy_of_meio-ambiente-e-patrimonio-cultural/mpf-sp-lanca-livro-digital-para-discutir-o-problema-do-lixo-no-brasil
[5] Informação retirada do endereço eletrônico; http://www.polbr.med.br/ano09/for0109.php)
[6]Informação retirada do endereço eletrônico:http://www.meuadvogado.com.br/entenda/ responsabilidade-civil-responsabilidade-penal.html
[7] Informação retirada do endereço eletrônico:http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos /26720-26722-1-PB.html
Acadêmica de Direito no Centro Universitário São Camilo - ES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIOSI, Pâmela Amélia da Silva. A responsabilidade penal da empresa no descarte de resíduos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2012, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32449/a-responsabilidade-penal-da-empresa-no-descarte-de-residuos. Acesso em: 22 nov 2024.
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