Introdução
A ação rescisória, nas lições do Professor Alexandre Freitas Câmara, pode ser conceituada como a “demanda autônoma de impugnação de provimentos de mérito transitados em julgado, com eventual rejulgamento da matéria neles apreciada”.
Em outras palavras, é a ação que pode ser ajuizada com a finalidade de desconstituir uma sentença já transitada em julgado.
O artigo 485 do Código de Processo Civil elenca as possibilidades de cabimento. Vejamos:
Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:
I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar literal disposição de lei;
Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa;
Sobre a competência para processar e julgar a rescisória, o Código de Processo Civil não traz regras delimitadoras. Mas a Constituição Federal dá o caminho:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;
(...)
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;
(...)
Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I - processar e julgar, originariamente:
b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região;
Assim, a regra é que os Tribunais possuem competência para processar e julgar as ações rescisórias ajuizadas contra suas próprias decisões. No caso de sentença de proferida em primeira instância, será competente para a rescisória o Tribunal competente para julgar os eventuais recursos cabíveis da sentença impugnada.
Há que se destacar ainda que o direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão, nos exatos termos do artigo 495 do Diploma Processual.
Passemos então à análise do inciso VII do artigo 485 do CPC, já que o presente estudo se limitará apenas a esta hipótese de cabimento.
Da Prova Documental
No que se refere aos critérios de formação do convencimento do juiz, a doutrina brasileira afirma que vigora em nossa legislação o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional.
Sobre o assunto, o ilustre professor Cândido Rangel Dinamarco ensina:
“O convencimento do juiz precisa ser motivado, porque sem o dever de motivar as decisões de nada valeriam as exigências de nacionalidade e atenção ao que consta dos autos. Aos leitores de suas decisões (partes, órgãos judiciários superiores, opinião pública) o juiz é devedor da explicação dos porquês de suas conclusões, inclusive quanto aos fatos. Ele tem o dever de desenvolver, na motivação das decisões, o iter de raciocínio que, à luz dos autos, o leva a concluir que tal fato aconteceu ou não, que tal situação existe ou deixa de existir, que os fatos se deram de determinado modo e não de outro, que dado bem, serviço ou dano tem tal valor e não mais nem menos etc.”
Mas ainda que a doutrina defenda que no Brasil não é adotado o sistema da prova lega ou tarifada, o fato é que a prova documental, não raras vezes, assume um papel inconteste de protagonismo, o que dispensa a produção de qualquer outra prova.
Pela leitura dos artigos 366 e 400 do Código de Processo Penal, fica claro que, em algumas situações, existe uma verdadeira hierarquia entre as provas:
Art. 366 - Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta.”
(...)
Art. 400. A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos:
I - já provados por documento ou confissão da parte;
II - que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados. (sem grifos no original)
Diante dessa robustez probatória de que se reveste a prova documental, o Código de Processo Civil, nos termos do inciso VII do artigo 485, permite que “o documento novo” seja apto a rescindir uma sentença de mérito transitada em julgado.
Do Inciso VII do Artigo 485 do Código de Processo Civil
A redação do Art. 485, inc. VII do CPC é a seguinte: “A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando, depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de Ihe assegurar pronunciamento favorável;”
Dessa forma, podemos sintetizar da seguinte maneira:
a) Durante o trâmite do processo original, esse documento já existia;
a.1) ainda assim, o autor não teve como utiliza-lo, ou
a.2) o autor desconhecia sua existência.
b) O documento, sem que se precise de quaisquer outros elementos, deve ser apto o suficiente para comprovar que a sentença rescindenda deve ser reformada.
Conforme preleciona Câmara (2007) “documento novo, registre-se, não é documento superveniente. Pelo contrário, o documento novo a que se refere o dispositivo legal é, necessária e inevitavelmente, um documento velho. Facilmente se conclui assim quando se verifica que a fala a lei de um “documento novo” cuja existência se ignorava. Ora, só se pode ignorar a existência – passe o truísmo – do que existe. Assim, só se pode admitir a apresentação de documento novo quando este já existia e, portanto, não é tão novo assim. A novidade do documento diz respeito ao processo, já que é inédito, não tendo sido produzido no processo original, onde se proferiu a sentença rescindenda”.
O Superior Tribunal de Justiça reforça a ideia:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 485, VII E IX, DO CPC. ANÁLISE DE FATOS E PROVAS.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A orientação desta Corte é pacífica no sentido de que "documento novo", para o fim previsto no art. 485, VII, do CPC, é aquele que já existe quando da prolação da decisão rescindenda, cuja existência era ignorada ou dele não pode fazer uso o autor da rescisória, sendo que tal documento deve ser capaz, por si só, de lhe assegurar o pronunciamento favorável.
2. No caso sub examine, o Tribunal a quo julgou improcedente a ação rescisória à vista de que o documento apresentado não seria preexistente ao decisum rescindendo mas, ao contrário, fora produzido ou provocado posteriormente pela parte Autora após a sua prolação e esta apontara a ocorrência de erro de fato com base em documento que só veio a integrar o processo na Ação Rescisória. A desconstituição da conclusão a que chegou a instância ordinária, tal como propugnado, ensejaria nova incursão no acervo fático-probatório da causa, medida vedada na via estreita do Recurso Especial, a teor da Súmula 7 desta Corte. Precedentes: REsp 914.465/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 24/11/2008; EDcl no REsp 1.104.196/RN, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe 2/9/2010.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp
65.309/AL, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/10/2012, DJe 23/10/2012) (sem grifos no original)
Além da contemporaneidade da prova, a impossibilidade de utilização por parte do autor é outro requisito para fundamentar essa ação excepcional. A desídia, por exemplo, não permite o cabimento da rescisória. O Superior Tribunal de Justiça é pacífico nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO INFIRMADO NAS RAZÕES DO APELO NOBRE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AÇÃO RESCISÓRIA. DOCUMENTO NOVO.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA 07 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
1. Não insurgência contra todos os fundamentos que levaram a Corte de origem negar provimento aos embargos infringentes, incidência da Súmula 283/STF. Precedentes.
2. Não configura "documento novo", nos termos do inciso VII do art. 485 do Código de Processo Civil, aquele que a parte deixou de levar a juízo por desídia ou negligência, na medida em que poderia ter sido produzido no curso do processo originário. Precedentes.
3. A pretendida inversão do julgado, de modo a aferir se os documentos atendem a todos os requisitos contidos no 485, inciso VII, do Código de Processo Civil, demandaria, necessariamente, o reexame do conjunto fático-probatório, o que é inviável por força da Súmula n.º 07/STJ.
4. Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp 705.796/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2007, DJ 25/02/2008, p. 354) (sem grifos no original)
O último requisito diz respeito à capacidade do documento de, por si só, garantir o julgamento favorável. Em outras palavras, deve ser uma prova contundente, suficiente, indiscutível. Se houver a necessidade de se produzir um novo acervo probatório em juízo, a demanda rescisória não está apta a se embasar no inciso VII do artigo 485 do CPC.
Mais uma vez o Superior Tribunal de Justiça nos socorre:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. DOCUMENTO APRESENTADO A POSTERIORI. INVIABILIDADE DE PROVOCAR A MODIFICAÇÃO DOS TERMOS DA DECISÃO RESCINDENDA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA COM AS HIPÓTESES DESCRITAS NO ART. 485 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Nos termos da Súmula 7/STJ, em sede de recurso especial, inviável a apreciação de alegação que exige, pela autoridade julgadora, o revolvimento do contexto fático probatório presente nos autos
2. No caso em concreto, o Tribunal a quo, a partir da análise do contexto fático-probatório presente nos autos, o documento apresentado não é capaz de se encaixar nos incisos VI e VII do art.485 do CPC, visto que que considerou que referido documento não é capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento judicial favorável. Assim, patente a incidência da Súmula 7/STJ, razão pela qual fica obstada a análise pretendida.
3. No que tange à falta de interesse processual, o acórdão recorrido concluiu que a pretensão rescisória da parte recorrente não se encaixa em nenhuma das hipóteses do rol taxativo previsto no art.
485 do Código de Processo Civil. Assim o sendo, de fato, não há necessidade nem utilidade no manejo deste instrumento processual, razão pela qual carece interesse processual à parte recorrente.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 183.385/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 14/08/2012)
Conclusão
Em linhas conclusivas, não basta o mero inconformismo da parte com a decisão. Para que a rescisória tenha êxito, é necessário que fique provado que a sentença não deveria ter sido proferida naquele sentido.
No caso específico do “documento novo”, as exigências vão ao encontro dessa premissa. Não basta um documento que tenha informações já discutidas no processo originário. É necessário que contenha uma informação tão relevante que, se tivesse sido apresentado originalmente, o resultado do processo certamente teria outro desfecho.
Como a ação rescisória constitui uma demanda de natureza excepcional, seus pressupostos devem ser observados com rigor, sob pena de se transformar em outra espécie recursal ordinária para tentar reverter decisão acobertada pela coisa julgada.
Assim, a "ação rescisória é de absoluto tecnicismo, sendo observado no seu julgamento, com acuidade, a causa de pedir, sempre atrelada a um dos incisos do art. 485 do CPC." [1]
Referências Bibliográficas
BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm> Acesso em 17 nov. 2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> Acesso em 17 nov. 2012.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1.
[1] AR 717/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 17.6.2002, DJ 31.3.2003, p. 137.
Procurador Federal - Pós-graduação em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOULART, Henrique Gouveia de Melo. O conceito de documento novo para o cabimento de ação rescisória Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2012, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32765/o-conceito-de-documento-novo-para-o-cabimento-de-acao-rescisoria. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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