RESUMO
Este trabalho tem como tema as alterações promovidas pela nova lei de lavagem de dinheiro, bem como suas implicações. Com a edição da Lei 12.683/12, que alterou parte da Lei 9.613/98, consideráveis mudanças devem ser analisadas de forma cuidadosa e especulativa. A amplitude trazida com a revogação dos incisos do primeiro artigo da antiga lei preocupa estudiosos no ponto em que amplia demais as possibilidades de sua aplicação. Ainda, a criação de um novo capítulo referente ao tratamento dos servidores públicos indiciados causa grande receio, já que pode afrontar princípios constitucionais.
Também, novos prêmios previstos para o caso de delação, sem objetividade normativa, talvez não consigam atender à finalidade e alcance almejados. O presente estudo se justifica em razão da aplicabilidade e atualidade do tema, uma vez que toda a sociedade padece com os problemas de lavagem de dinheiro por facções criminosas.
Palavras Chave: Lavagem de dinheiro. Delação premiada.
ABSTRACT
This work has as its theme the changes introduced by the new law of money laundering, as well as its implications. With the edition of Law 12.683/12, which changed part of the Law 9.613/98, considerable changes must be analyzed carefully and speculative. The amplitude brought with the suppression of sections of the first chapter of the old law may concern studious at the point where too widens the possibilities of its application. Still, the creation of a new chapter for the treatment of public servants indicted may cause a great preoccupation, as it can affront constitutional principles.
Also, new rewards in case of plea bargaining, without normative objectivity, may not get the purpose and scope desired. This study is justified because of the applicability and relevance of the topic, since the whole society suffers from the problems of money laundering by criminal factions.
Key Words: Money laudering. Plea bargaining.
INTRODUÇÃO
Embora não haja, na doutrina, um conceito uníssono do que seria “lavar dinheiro”, todas as definições apontam para um final convergente, de que lavagem de dinheiro é o processo que tem por objetivo disfarçar a origem criminosa dos proveitos do crime. Este conceito foi adotado pelo GAFI (Grupo de Ação Financeira, ou Financial Action Task Force – FATF), órgão criado pela ONU após as considerações feitas na Convenção de Viena, em 1988, acerca da necessidade de combate a essa prática ilegal.
Esclarece Carla Veríssimo de Carli[1] que a importância da lavagem é capital, porque permite ao delinquente usufruir desses lucros sem pôr em perigo a sua fonte (o delito antecedente), além de protegê-lo contra o bloqueio e o confisco.
No Brasil, o primeiro normativo sobre o tema foi a Lei nº 9.613 de 03 de março de 1998. Esta lei previa a punição do ato ilícito de ocultar valores provenientes de alguns dos crimes listados nos diversos incisos de seu art. 1º, como o tráfico de drogas, o terrorismo e seu financiamento, o tráfico de armas, a extorsão mediante sequestro e os crimes contra a administração pública e o sistema financeiro nacional.
A lei acima também criou, em seu Capítulo IX, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, com a função de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas.
É ainda atribuição do COAF coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores.
Em 09 de julho de 2012 foi publicada uma nova lei sobre lavagem de dinheiro, a de nº 12.683, com mudanças consideráveis. Esta lei não revogou a anterior, mas apenas a alterou e trouxe novos dispositivos.
A Lei nº 9.613/98 já trazia uma lista de sujeitos obrigados ao chamado mecanismo de controle, que consiste na identificação dos clientes e manutenção de registros, além da comunicação de operações financeiras. O novo ordenamento elasteceu o rol de obrigados, que agora conta também com as juntas comerciais, registros públicos, e agências de negociação de direitos de transferência de atletas e artistas, dentre outros.
Houve, ainda, uma ampliação do conjunto das condutas puníveis. Pela lei anterior, apenas bens provenientes de alguns crimes graves descritos no art. 1º, como tráfico de drogas e terrorismo, eram passíveis de punição. Com a nova lei, a ocultação do produto de qualquer delito ou contravenção penal, por menor que seja, constitui lavagem de dinheiro.
Em contrapartida, a nova lei é alvo de críticas em alguns pontos. Destacamos o disposto do art. 17-D, que determina o afastamento automático do servidor público, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, caso haja seu indiciamento, até que o juiz competente autorize o seu retorno.
Verifica-se que esse dispositivo, ao contrário do disposto no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal, antecipa a culpa do investigado, fato que vai de encontro ao princípio da presunção de inocência, podendo ser entendido, quando aplicado, como contrário aos direitos humanos.
Ainda assim, mesmo com alguns dispositivos que possam ser questionados futuramente, a nova roupagem trazida pela Lei 12.683/2012 – que retirou o engessamento do chamado crime antecedente, revogando todos os incisos do artigo 1º da lei anterior (Lei 9.613/98) - é, sem dúvidas, um avanço a ser comemorado, já que durante anos o que se viu foram práticas de lavagem de dinheiro seguirem impunes por falta de previsão legal, tendo em vista o enxuto rol do art. 1º da lei anterior.
Deste modo, ressaltando algumas revisões principiológicas necessárias, a nova lei merece ser vista com bons e atentos olhos, e com grata carga de esperança acerca da punição de grandes quadrilhas que compõe as altas castas da sociedade e governo.
CAPÍTULO I – PRINCIPAIS MUDANÇAS TRAZIDAS PELA LEI 12.693/2012
Podemos afirmar que a principal mudança trazida pela nova lei foi a revogação dos incisos I a VIII do artigo 1º da Lei nº 9.613/98. Com a alteração do caput do artigo 1º, toda e qualquer infração penal preexistente pode resultar no crime de lavagem de dinheiro. Assim, o antigo rol restritivo foi substituído por uma redação de máxima amplitude, vejamos:
Art. 1º - Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.
Cabe ressaltar, também, a nova redação do art. 1º, § 2º, inciso I, que pune com a mesma pena do caput quem “utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal”. Assim, a ciência da origem desses bens, direitos ou valores não mais tem importância, o que condiciona a sociedade civil a se preocupar mais com essa prática ilegal, e buscar, conjuntamente ao poder público, impedir o seu exercício.
Outra mudança bastante pertinente foi a revogação expressa do art. 3º da lei anterior, que tratava o delito de lavagem de capital como insuscetível de fiança e liberdade provisória, e ainda, que o direito de apelar em liberdade deveria ser autorizado de forma expressa e fundamentada pelo juiz na sentença. Essas mudanças se alinham com a jurisprudência pacífica do STF, que reputa inconstitucional a lei que afaste ou restrinja tais direitos. Nesse sentido, o seguinte informativo:
Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, indeferiu habeas corpus em que pleiteada a revogação de prisão cautelar decretada em desfavor de servidor público condenado pela prática de crimes contra a Administração Pública e de lavagem de dinheiro, em decorrência de integrar quadrilha estruturada para fraudar normas regentes da Zona Franca de Manaus mediante o cometimento de vários delitos (artigos 288, 317, 318 e 299, c/c o art. 304, do CP e art. 1º, V, da Lei 9.613/98). Na espécie, a sentença determinara a imediata custódia do paciente com fundamento nas circunstâncias judiciais e no art. 3º da Lei 9.613/98 (“Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.”). A impetração sustentava que a segregação do paciente decorreria da aplicação imediata do art. 3º da Lei 9.613/98, dispositivo este que reputava inconstitucional. Requeria, ainda, a extensão dos efeitos de ordem concedida a co-réus pela Corte de origem. Na sessão de 14.4.2004, o Tribunal, vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Cezar Peluso, recusou o pleito de extensão previsto no art. 580 do CPP, tendo deferido, também por votação majoritária, cautelar, em virtude da pendência de outra causa de pedir, para que o paciente aguardasse em liberdade o julgamento final do writ. Na ocasião, ficaram vencidos, no ponto, os Ministros Carlos Velloso e Celso de Mello. Na mesma assentada, o Min. Marco Aurélio proferiu voto no sentido de conceder a ordem para afastar o recolhimento imediato do paciente e declarar a inconstitucionalidade do mencionado art. 3º da Lei 9.613/98.
HC 83868/AM, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Ellen Gracie, 5.3.2009. (HC-83868)
Ressalta-se, ainda, o disposto no artigo 4º e seus parágrafos, que consiste na possibilidade de decretação de medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos na lei de lavagem ou nas infrações penais antecedentes. A novidade fica por conta da alienação antecipada, que pode ser realizada na modalidade de leilão ou pregão.
Já o art. 5º traz a clara possibilidade de nomeação de pessoa física ou jurídica para a administração dos bens ou valores sujeitos a medidas assecuratórias, haja vista que o mesmo artigo com redação da lei anterior apenas fazia menção à nomeação de “pessoa”, sem especificar a natureza.
O art. 9º lista novas pessoas sujeitas ao mecanismo de controle da Lei, o que as obriga a comunicar às autoridades públicas qualquer operação suspeita de lavagem de dinheiro, dificultando as atividades criminosas. O destaque fica para as juntas comerciais, registros públicos, e agências de negociação de direitos de transferência de atletas e artistas.
Há ainda um outro aspecto processual que deve ser mencionado. Como se trata de lei penal que piora, em alguns aspectos, a situação anteriormente verificada, a Lei não retroagirá na sua totalidade, em respeito ao princípio da não reformatio in pejus, onde lei posterior não retroagirá para prejudicar a situação do réu.
Todavia, como o crime de “lavagem de dinheiro” é conceituado na doutrina como sendo de natureza permanente, que segundo o professor Leonardo Marcondes Machado[2] é aquele cuja consumação se protrai (ou prolonga) no tempo, algumas situações podem ser alcançadas pela nova lei.
Nos termos da Súmula 711 do STF, é possível que a nova lei seja aplicada a crimes de lavagem de capitais que, antes de sua publicação, não eram por ela atingidos.
Súmula 711: A LEI PENAL MAIS GRAVE APLICA-SE AO CRIME CONTINUADO OU AO CRIME PERMANENTE, SE A SUA VIGÊNCIA É ANTERIOR À CESSAÇÃO DA CONTINUIDADE OU DA PERMANÊNCIA.
Destacamos, por fim, a criação do Capítulo X, que em seu art. 17-D determina o afastamento do servidor público indiciado por crime de lavagem, sem prejuízo de remuneração com possibilidade de retorno autorizado por juiz; e também a nova redação do art. 1º, § 5º, que prevê novos prêmios para o caso de delação premiada. Tais assuntos, que merecem um maior aprofundamento, serão analisados adiante, em capítulo próprio.
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CAPÍTULO II – DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E O ART. 17-D
A Lei nº 12.683/12 inovou com a criação do “Capítulo X”, tratando de disposições gerais e causando divisão entre juristas no que se refere ao art. 17-D, que trata do afastamento do servidor público de suas atividades em caso de indiciamento.
O artigo tem a seguinte redação:
Art. 17-D. Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.
A primeira discussão que se abre acerca do assunto é o afastamento compulsório – haja vista o verbo usado no artigo (“será” e não “poderá ser”) – do servidor público de suas atividades se for indiciado.
Convém destacar, nessa oportunidade, o significado de indicio, que, segundo o melhor dicionário[3] é sinal, vestigio.
Percebe-se que o “indício” leva à investigação, que nem sempre conclui pela culpa do indiciado, ou seja, o indiciado não será necessariamente culpado do delito investigado.
Deste modo, é latente que, não sendo regra a culpabilidade do indiciado, deverá o mesmo ser considerado inocente até que provas contundentes sejam apresentadas em seu desfavor.
Chega-se a tal conclusão ao se aplicar um dos princípios basilares do direito, que é, segundo o advogado Adriano Fonseca[4], o princípio da presunção de inocência, como garantia processual penal visando à tutela da liberdade pessoal. Tal princípio é desdobramento do princípio do devido processo legal, que está previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, dispondo que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória".
Observa o advogado e professor Pierpaollo Bottini[5] que qualquer medida cautelar que restrinja direitos deve ser fundamentada e motivada por um juiz de Direito. Completa, ainda, alertado:
O indiciamento é um ato do delegado de Polícia, sem qualquer controle judicial. É preocupante que alguém sem poderes jurisdicionais possa afastar um servidor do exercício das suas funções. Aliás, afastá-lo do exercício de qualquer função porque o funcionário público afastado não pode desempenhar qualquer outra atividade.
Verifica-se, portanto, que o artigo aqui analisado afronta, diretamente, o princípio da presunção de inocência e, consequentemente, o princípio Constitucional do devido processo legal.
A segunda parte do artigo também gera inconformismo, sobretudo entre os Magistrados e Advogados criminalistas, pois, para afastar o servidor de suas atividades, basta que o mesmo seja indiciado e seu afastamento seja determinado pelo delegado responsável pelas investigações.
Todavia, para que este mesmo servidor retorne ao seu trabalho, é necessário que haja decisão judicial fundamentada, ou seja, para afrontar o direito de liberdade do cidadão não é necessária análise judicial, mas para determinar o retorno às suas funções até que haja provas em seu desfavor é necessária a instauração de processo judicial e análise criteriosa, seguida de decisão fundamentada do juiz.
O professor Bottini[6], acrescenta que o afastamento “é uma decisão que relega o servidor ao ostracismo, lhe retira o direito ao trabalho, em suma, uma decisão grave, que merece controle judicial”. Explica, ainda, que:
É evidente que um funcionário sobre o qual pesam fundadas suspeitas de lavagem de dinheiro deve ser afastado quando existam elementos que demonstrem que sua permanência no cargo gera o risco de continuidade delitiva. Mas cabe ao juiz tomar tal decisão, existindo previsão legal no próprio Código de Processo Penal.
Acerca da discussão de violação constitucional, cumpre informar que a Lei 8.112, em seu artigo 147, versa que:
Art. 147. Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregularidade, a autoridade instauradora do processo disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício do cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração.
Em defesa da constitucionalidade da lei, o Delegado de Polícia Federal Marcos Leôncio Sousa Ribeiro [7], salienta que “o inquérito policial não deixa de ser um procedimento administrativo”. E aduz que “guardadas as devidas proporções, o afastamento previsto na Lei de Lavagem nada mais é que o afastamento previsto na lei do servidor cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade nunca foi questionada por ninguém. A inconstitucionalidade haveria se o servidor fosse prejudicado em sua remuneração, aí sim implicaria em uma antecipação da pena, em violação da presunção de inocência”.
O fato é que, embora nunca antes questionado, o artigo 147 da Lei nº 8.112/90 pode também padecer dos mesmos vícios de inconstitucionalidade do novel artigo 17-D da nova lei de lavagem de dinheiro.
Isso porque, conforme se verifica na leitura do art. 147, supra, o afastamento tratado na Lei dos servidores públicos é uma possibilidade (poderá determinar), e o texto do artigo exige fundamentação da decisão, além do requisito da cautelaridade presente na possibilidade do servidor influir na apuração da irregularidade. Ainda, existe prazo máximo de afastamento de 60 dias.
Nesse sentido o seguinte julgado da sexta turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região:
ADMINISTRATIVO - APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA - PROFESSOR DA UFRRJ - AFASTAMENTO PROVISÓRIO - ART. 147 DA LEI Nº 8112/90 - ATO ADMINISTRATIVO DISSOCIADO DO DISPOSITIVO LEGAL - REINTEGRAÇÃO - DEFRIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA - ART. 273, I, DO CPC.1 - O afastamento preventivo se justifica apenas quando o servidor possa influir na apuração de irregularidade. A necessidade de serviço não pode ser usada para afastar preventivamente o servidor por absoluta falta de previsão legal. 2 - O afastamento preventivo é uma medida cautelar que pode ser aplicada pela autoridade administrativa, porém apenas na hipótese e na forma previstas no art. 147 da Lei nº 8.112/90. 3- A antecipação de tutela somente poderá ser concedida, de acordo com as regras do artigo 273 do CPC, quando existir prova inequívoca e o juiz se convencer da verossimilhança da alegação do autor, quando houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. 4 -A concessão ou denegação de providências liminares é prerrogativa inerente ao poder geral de cautela do Juiz, só devendo ser cassada se for ilegal ou houver sido proferida na hipótese de abuso de poder. 5 - Apelação e remessa necessária desprovidas. Sentença confirmada. (processo: APELREEX 200651010232746 RJ 2006.51.01.023274-6) (Original não grifado)
Portanto, percebe-se que o artigo 147 da Lei 8.112/90 é sobremaneira mais cauteloso que o artigo 17-D da lei aqui tratada.
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Conclui-se, deste modo, que o artigo 17-D criado pela lei 12.683/12 representará grande dificuldade de aplicação prática, pois gerará inúmeras ações judiciais visando discutir determinações administrativas de afastamento. O Advogado Maurício Silva Leite[8] fecha perfeitamente o raciocínio aqui desenvolvido quando reitera que “esta nova previsão, sem sombra de dúvidas, viola a presunção da inocência e, além disso, permitirá que direitos do acusado sejam afastados sem o devido controle jurisdicional”.
CAPÍTULO III – DOS NOVOS PRÊMIOS PARA A DELAÇÃO PREMIADA
Historicamente, ensina o renomado professor Luiz Flávio Gomes[9] que a origem da “delação premiada” remonta ao Estado Italiano no período de comando da máfia:
O Estado italiano, ao perder sua capacidade de reação contra a máfia, passou a fazer acordo com os mafiosos arrependidos (“pentitismo”), que se transformaram em colaboradores da Justiça. Em troca eles começaram a ganhar prêmios penais. Nasceu, assim, a Justiça colaborativa, que abarca tanto a colaboração premiada (o criminoso confessa, mas não delata ninguém) como a delação premiada (o criminoso confessa e delata terceiras pessoas).
Conforme ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci[10], a delação premiada é um benefício legal condedido a um criminoso delator, que aceite colaborar na investigação ou entregar seus companheiros.
O benefício é previsto em diversas leis brasileiras, como: na Lei n° 8.072/90 (Crimes Hediondos e equiparados), Lei n° 9.034/95 (Organizações Criminosas), Lei n° 7.492/86 (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional), Lei n° 8.137/90 (Crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo), Lei n° 9.807/99 (Proteção a Testemunhas), Lei n° 8.884/94 (Infrações contra a Ordem econômica) e Lei n° 11.343/06 – Drogas e Afins.
De uma maneira geral, a delação premiada beneficia o acusado com: a) diminuição da pena de 1/3 a 2/3; b) cumprimento da pena em regime semiaberto; c) extinção da pena; e d) perdão judicial.
Nesse sentido, o seguinte julgado proferido pela primeira Turma criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
PENAL. QUADRILHA. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE AMPARA A CONDENAÇÃO. APLICAÇÃO DO BENEFÍCIO DE DELAÇÃO PREMIADA. INCABÍVEL O RECONHECIMENTO DE CRIME CONTINUADO. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE AMPARA A CONDENAÇÃO. O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA CONTEMPLA O INDICIADO OU ACUSADO QUE COLABORA VOLUNTARIAMENTE NA IDENTIFICAÇÃO DOS DEMAIS COAUTORES OU PARTÍCIPES DO CRIME, INDIQUE A LOCALIZAÇÃO DA VÍTIMA E COLABORE COM A RECUPERAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO PRODUTO DO CRIME. NO CASO, DEVE-SE APLICAR O BENEFÍCIO DA DELAÇÃO PREMIADA, A FIM DE REDUZIR A PENA DE DOIS DOS APELANTES, POIS SEUS DEPOIMENTOS FORAM ESSENCIAIS PARA A SOLUÇÃO DOS CRIMES. NÃO HÁ DE SE FALAR EM CONTINUIDADE DELITIVA QUANTO A FATOS RELATIVOS A CRIMES DE ESPÉCIES DISTINTAS. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS, PARA APLICAR O BENEFÍCIO DE DELAÇÃO PREMIADA E REDUZIR A PENA DE DOIS APELANTES. (Processo: APR 474262920068070001 DF 0047426-29.2006.807.0001) (original sem grifo)
Ressalta Aníbal Bruno[11] que:
A delação premiada é constantemente criticada, uma vez que fica a critério de avaliação do Juiz da causa e de parecer do membro do MP a utilidade das informaçoes prestadas pelo réu. Ainda se exige uma contribuição demasiadamente grande para que se considere efetiva a delação, razão pela qual muitos a chamam de "extorsão premiada".
A Lei 9.613/98 já previa em seu § 5º do art. 1º possibilidades de delação premiada. Com a edição da nova Lei (Lei 12.683/12), o rol de premiações para o criminoso que colabora com a Justiça foi um pouco alargado. A redação restou assim consolidada:
Art. 1º, § 5º - A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
As implicações foram as seguintes:
a) O regime inicial era apenas o aberto. Com a nova lei, pode ser aberto ou semiaberto. Como a nova redação é prejudicial (pois antes só havia o regime aberto – mais benéfico), esta não retroage;
b) Na lei anterior, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ocorria na fase da fixação da pena. Com a lei nova, essa substituição ocorre em qualquer tempo. Podemos pensar em caso de delação na fase de cumprimento de pena, onde o juiz da execução poderia conceder o benefício. Neste ponto, por ser mais benéfica, a lei retroage.
c) Na lei anterior, haviam duas possibiildades de colaboração espontânea: a primeira era prestar esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria; e a segunda era prestar esclarecimentos que conduzam à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. Com a nova redação, são agora 03 possibilidades de delação premiada: prestar esclarecimentos que conduzam 1) à apuração das infrações penais; 2) à identificação dos autores, coautores e partícipes; ou 3) à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. Também, neste ponto, a lei é mais benefíca. Portanto, pode retroagir.
A delação premiada é medida que deixa refém e mostra uma falha no sistema investigativo do Estado, vez que este fica a mercê de indicações ou delações de outro criminoso que contribuiu, conclusivamente ou não, para o crime investigado.
O professor Luiz Flávio Gomes[12] ressalta que:
Há uma série de cuidados e providências que devem cercar a delação, porque ela pode dar ensejo a abusos ou incriminações gratuitas ou infundadas. Urgentemente necessitamos de uma regulamentação que cuide da veracidade das informações prestadas, da exigência de checagem minuciosa dessa veracidade, da eficácia prática da delação, segurança e proteção para o delator e, eventualmente, sua família, possibilidade da delação inclusive após a sentença de primeiro grau, aliás, até mesmo após o trânsito em julgado, prêmios proporcionais, envolvimento do Ministério Público e da Magistratura, transformação do instituto da delação em espécie de acordo criminal (plea bargaining) etc.
O ideal seria um melhor aparelhamento e reforço na inteligência do Estado, de modo a ser suficiente para concluir as investigações sem auxílio das premiações oferecidas pela delação.
CONCLUSÃO
Na ementa da Lei nº 12.683/2012, consta que seu objeto é o de alterar a Lei nº 9.613/1998 visando a eficiência na persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.
Contudo, a amplitude dada ao art. 1º, que antes limitava a aplicação da lei a alguns crimes taxativamente especificados, poderá causar grande alvoroço no meio processual penal, haja vista que qualquer crime que envolva a destinação dos valores dele provenientes poderá passar pelo crivo de avaliação de enquadramento, ou não, no crime de lavagem de dinheiro.
A própria exposição de motivos da redação original da lei 9.613/98 explica a taxatividade do art. 1º, expondo que a opção por um rol de crimes antecedentes tinha por fim evitar situações curiosas como a do “autor do furto de pequeno valor estaria realizando um dos tipos previstos no projeto se ocultasse o valor ou o convertesse em outro bem, como a compra de um relógio, por exemplo”[13].
Grandes discussões também serão travadas no que se refere ao afastamento compulsório do servidor público indiciado, que, como visto, pode afrontar diretamente o princípio da presunção de inocência e, por óbvio, o próprio princípio Constitucional do devido processo legal.
Ainda, discutiu-se aqui os meandros da delação premiada e os novos prêmios e mudanças trazidas pela nova lei. Embora aumente as possibilidades de prêmios, amplia o poder de análise do juiz, o que, segundo a doutrina, tem causado desconforto jurídico ao sistema processual penal – afronta ao princípio da inércia da jurisdição, e ao próprio sistema acusatório.
Deste modo, percebe-se que muitas foram as mudanças trazidas pela nova lei, mas seguramente algumas dessas mudanças carecem (ou irão se ressentir) de aplicabilidade prática, o que tende a gerar insegurança jurídica. O fato é que, para se tentar buscar a mensagem do legislador, o ordenamento jurídico mais uma vez terá que lançar mão da melhor hermenêutica.
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[5] BOTTINI, Pierpaollo. Nova lei da lavagem de dinheiro divide juristas e delegados. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,nova-lei-da-lavagem-de-dinheiro-divide-juristas-e-delegados-,898486,0.htm> Acesso em 15 out. 2012.
[6] Idem 5.
[7] RIBEIRO, Marcos Leôncio Sousa. Nova lei da lavagem de dinheiro divide juristas e delegados. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,nova-lei-da-lavagem-de-dinheiro-divide-juristas-e-delegados-,898486,0.htm> Acesso em 15 out. 2012
[8] LEITE, Maurício Silva. Nova lei da lavagem de dinheiro divide juristas e delegados. Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,nova-lei-da-lavagem-de-dinheiro-divide-juristas-e-delegados-,898486,0.htm> Acesso em 15 out. 2012
[9] GOMES, Luiz Flávio. Lavagem de dinheiro sujo e delação premiada. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3305, 19 jul.2012 . Disponível em: . Acesso em: 30 out. 2012.
[10] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
[11] BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003.
[12] Idem 09
[13] Exposição de Motivos à Lei nº Lei nº 9.613/1998 - EM no 692 / MJ – disponível em https://www.coaf.fazenda.gov.br/conteudo/sobre-lavagem-de-dinheiro-1/exposicao-de-motivos-da-lei-9.613. Acesso em 16 out. 2012.
Procurador Federal - Pós-graduação em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOULART, Henrique Gouveia de Melo. A nova lei de lavagem de dinheiro e suas implicações práticas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2012, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32782/a-nova-lei-de-lavagem-de-dinheiro-e-suas-implicacoes-praticas. Acesso em: 22 nov 2024.
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