O ambicioso projeto de novo código penal brasileiro (PLS 236/2012) cria um capítulo específico para os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional dentro de seu Título XIII, “Crimes contra a ordem econômico-financeira”.
Na realidade, intentou-se conciliar todos aqueles microssistemas criados por leis penais extravagantes através da codificação, o que não foi diferente em relação à lei nº 7.492/86. Esta tarefa implicava averiguar se os delitos continuavam necessários e atuais, se havia figuras assemelhadas em outras normas e se as penas eram adequadas à gravidade das infrações. Neste aspeto, conquanto o resultado tenha sido a descriminalização natural de diversas condutas, não houve grande avanço em relação à evasão de divisas, cujos interesses políticos e econômicos ainda prevaleceram para determinar sua incriminação.
O argumento utilizado para sua manutenção é de que a tutela penal da confiança e do patrimônio de poupadores, investidores e aplicadores no mercado de capitais se ressentia das insuficiências da atual lei nº 7.492/86. A doutrina e a jurisprudência pouco teriam avançado no sentido de uniformizar sua interpretação, já que problemas técnicos da redação dos tipos penais o dificultavam. Desta forma, a lei dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional oferecia ensejos a “responsabilizações indevidas” ou “absolvições inesperadas”.
A comissão de juristas encarregada do anteprojeto entendeu que a higidez do sistema financeiro de um país mostrar-se-ia como ativo de enorme importância na moderna e internacionalizada Economia, digna de tratamento penal moderno e protetivo. Foi o que se procurou fazer na proposta de novo código penal, mantendo-se tipos penais “essenciais”, como a gestão fraudulenta e temerária de instituição financeira, os empréstimos vedados e a evasão de divisas, todos em versão “renovada” e “sequiosa de proporcionalidade”.
Ciente de que as sanções destas condutas deveriam guardar referência com a possibilidade de que os crimes atinjam grande número de pessoas, ou abalem fortemente a confiança dos investidores, as penas de todo o capítulo mencionado poderão ser aumentadas da metade até o dobro.
A nova redação do tipo penal de “evasão de divisas”, previsto no art. 366 do projeto, traz a seguinte redação em seu caput: Fazer sair do País moeda, nacional ou estrangeira, ou qualquer outro meio de pagamento ou instrumento de giro de crédito, em desacordo com a legislação aplicável. A pena cominada é de prisão[2], de dois a seis anos, tendo sido suprimida a pena acessória de multa[3]. No parágrafo único, mantem-se a punição da conduta de quem, fora da hipótese do caput, mantiver depósitos no exterior não declarados ao órgão federal competente.
Ao que se percebe, a nova redação dos limites objetivos do tipo trará maior clareza na interpretação das condutas incriminadas. Agora, haverá apenas duas modalidades de evasão de divisas: a evasão propriamente dita, entendida como aquela operação de envio de quaisquer ativos ao exterior em desacordo com as normativas editadas pelo BACEN; e a evasão na forma de manutenção de depósitos não declarados ao BACEN no exterior. Elimina-se, pois, toda a discussão envolvendo o conceito de “operação de câmbio não autorizada”.
Como se nota, ainda estamos tratando de uma norma penal em branco, a ser complementada pela legislação de regência, quando exige informação, formalidades ou documentação para a saída de moeda do país. O mesmo em relação a depósitos no exterior, que são lícitos, desde que atendidas as exigências de informação trazidas pela legislação ou regulamentação do sistema financeiro.
Obviamente, o crime continuará a exigir o dolo específico de “promover a evasão de divisas do País” ou de manter recursos não declarados no exterior e preservará sua característica de norma penal em branco, a ser complementadas por legislação específica.
Ponto a ser destacado é que o projeto traz em seu art. 369, sob a rubrica de “cláusula geral”, uma majorante que faculta ao juiz, considerando a magnitude dos prejuízos causados, o grau de abalo da confiança depositada no sistema financeiro nacional e a pluralidade de vítimas, aumentar as penas previstas no capítulo de metade até o dobro.
Além disso, o projeto de novo código prevê um dispositivo específico (art. 370) acerca da competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento de todos os crimes contra o sistema financeiro nacional, reportando-se aos termos do art. 109, inciso VI, da Constituição da República.
Da análise preliminar das reformas intentadas, nota-se que talvez não se tenham amadurecido suficientemente os parâmetros ideológicos estabelecidos pela Comissão de Reforma, a fim de determinar se essa conduta é concretamente ofensiva[4] ao(s) bem(ns) jurídico(s) ao(s) qual(is) se propõe a tutela penal[5], se a intervenção de natureza penal permanece adequada por parte do Estado e se a sua seleção é efetivamente imprescindível à paz social e está em harmonia com a Constituição.
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