De acordo com o art. 58 da Constituição Federal, o Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. As comissões podem ser técnicas (Comissão de Constituição e Justiça, de Orçamento), de inquérito ou representativas do Congresso Nacional (durante os recessos).
As Comissões Parlamentares de Inquérito são instituídas para a apuração de fato determinado, por prazo certo, e para execução de seu mister, contam com poderes próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas casas, consoante preconiza o parágrafo terceiro do art. 58 da Carta Magna. Interessante questão diz respeito ao alcance da expressão “poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias”, notadamente em saber se é possível à Comissão Parlamentar de Inquérito decretar a prisão preventiva de um investigado.
Em nosso desenho constitucional de separação de poderes, ao Poder Legislativo, além da elaboração de leis, compete também a investigação de fatos relevantes ao interesse público, através das CPIs, as quais não têm a atribuição de responsabilizar criminal, civil ou administrativamente os investigados, mas somente apurar os fatos e remeter suas conclusões às autoridades competentes. Nesse sentido:
São investigações que atendem a razões inerentes ao poder de representação parlamentar, não haurindo sua legitimidade da pertinência com futuras medidas processuais ou legislativas. O preço, entretanto, dessa prerrogativa, é que não possuem as CPIs qualquer instrumental jurídico que lhes permita fazer valer, por seus próprios meios, suas conclusões. Não podem elas acusar, processar, desfazer atos, responsabilizar ou julgar. Podem tão somente investigar e enviar suas conclusões para que outras instituições, aí sim, com diversa finalidade, adotem as providências cabíveis (GONÇALVES, 2011, p. 4).
Embora as CPIs tenham poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, sua natureza e finalidades são distintas do Poder Judiciário, restando saber qual o alcance desses poderes.
Frise-se que os poderes investigatórios das CPIs são os mais amplos possíveis, e podem determinar a quebra de sigilo bancário, financeiro e fiscal, ouvir testemunhas, inclusive determinar seu comparecimento coercitivo em caso de recusa de comparecimento, acaso notificado para tanto, bem como determinar a realização de exames periciais, inspeções e requisição de documentos.
Por outro lado, esses poderes das CPIs encontram limites, notadamente à chamada reserva constitucional da jurisdição, ou seja, determinados atos, por se referirem a direitos e garantias fundamentais, bem como por expressa estipulação constitucional, só podem emanar da autoridade judiciária.
Em primeiro lugar convém lembrar que a Constituição Federal atribui às CPIs poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias e não os de jurisdição. Investigar é necessário para instruir um processo. Poderes de investigação, visam, portanto, à instrução processual e jamais a qualquer julgamento, que somente pode resultar de atribuições jurisdicionais que são conferidas aos juízes (KLEIN, 1999, p. 32).
A doutrina elenca alguns desses atos que estão submetidos à reserva de jurisdição: busca domiciliar, interceptação telefônica, cautelares judiciais (bloqueio de bens, seqüestro, arresto, e outras).
Cumpre examinar se a ordem de prisão está ou não inserta nessa cláusula de reserva de jurisdição.
No caso da prisão em flagrante, essa análise é bastante fácil. É que a legislação permite que qualquer pessoa efetue esse ato, ante a patente autoria e materialidade do crime. Logo, é plenamente possível à CPI determinar a prisão em flagrante.
Já o tratamento da prisão preventiva dever ser diferente. A prisão preventiva é modalidade de prisão cautelar, e tem seus requisitos prescritos no art. 312 do Código de Processo Penal, podendo ser decretado para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (e também no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares).
Da descrição desse ato processual percebe-se nitidamente sua finalidade cautelar, não se tratando de mera cautelar investigativa, mas de cautelar com reflexo invasivo da liberdade do investigado, medida essa extrema e excepcional, típica da função judiciária do Estado.
Para dirimir qualquer questionamento, a própria Constituição Federal dispõe, no inciso LXI do art. 5º da Constituição Federal que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Trata-se, indubitavelmente, de reserva de jurisdição.
Dessa feita, podemos tirar as seguintes conclusões:
a)as Comissões Parlamentares de Inquérito, espécie de comissão parlamentar, exercem atividade típica do Legislativo no desenho constitucional pátrio, destinando-se à investigação de fatos determinados, relevantes ao interesse público, por prazo determinado;
b) na execução de sua atividade investigativa, contam com poderes próprios de investigação das autoridades judiciais, salvo aqueles submetidos à chamada reserva de jurisdição;
c) dentre esses poderes exclusivos do judiciário (reserva de jurisdição), encontra-se à decretação de prisão preventiva, a qual possui natureza cautelar e, por expressa disposição constitucional deve ser decretada tão somente no exercício da atividade judiciária, mediante ordem escrita e fundamentada, não sendo possível, em nossa lógica constitucional, a sua decretação por Comissão Parlamentar de Inquérito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Obra: Comissões parlamentares de inquérito. Texto: As comissões parlamentares de inquérito na Constituição Federal de 1988, pág. 37 a 54. São Paulo, Editora Juarez de Oliveira. Material da 3ª aula da Disciplina Poderes do Estado: Poder Legislativo e Poder Executivo, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Constitucional – Anhanguera-UNIDERP | REDE LFG.
KLEIN, Odacir. Comissões Parlamentares de Inquérito. A sociedade e o cidadão. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris , 1999 (pp.39/68). Material da 3ª aula da Disciplina Poderes do Estado: Poder Legislativo e Poder Executivo, ministrada no Curso de Pós- Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito Constitucional – Anhanguera-UNIDERP | REDE LFG.
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