Resumo: O presente trabalho, a par de examinar a natureza jurídica do arrendamento portuário, enquanto espécie de subconcessão de serviço público, tem por desiderato analisar a legitimidade de alterações subjetiva e objetiva do contrato administrativo, instrumento jurídico que regula a relação jurídica subjacente. Ou seja, inobstante a sujeição do administrador público ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório, que condiciona a relação jurídica aos parâmetros estabelecidos pelo edital de licitação, e respectivo contrato, evidencia-se no trabalho a existência de situações especialíssimas, de perplexidade para o poder público, que legitimam alterações da espécie. Assim, pois caracterizadas como mecanismo insuperável para o desenvolvimento da atividade, de forma a garantir a realização dos princípios da atualidade e adequação do serviço público.
PALAVRAS-CHAVE: arrendamento – portuário – alterações – contrato administrativo.
Title: The subjective and objective changes on the lease port contract.
ABSTRACT: This review, as well as examining the legal nature of the lease port contract, like a subconcession kind of public service, has the purpose of analyze the legitimacy of the subjective and objective changes of the administrative contract, the legal instrument that regulates the subjacent legal relationship. In other words, despite the subjecting of the public administrator to the principle of the obligatory linking to the calling instrument, which determines the legal relationship to the parameters set by the bidding documents and the contract, this study shows that there are very special circumstances, of perplexity to the public administration, that legitimate changes of the species. Thus, they are characterized as unsurpassed mechanism for the development of the activity, to ensure the realization of the principles of timeliness and adequacy of public service.
Key words: lease – port – changings – administrative contract.
Introdução
É competência da União a exploração dos portos marítimos, lacustres e fluviais, conforme dispõe o art. 21, XII “f”, da Constituição Federal/88. Ou seja, a exploração da atividade portuária como serviço público federal[1], pelo menos naquilo que toca a exploração de instalações portuárias voltadas para o atendimento das necessidades da coletividade geral (instalações públicas).
Serviço público: Diz-se da atividade, subtraída do domínio econômico – conjunto de atividades exercidas em ambiente livre e aberta competição, com ampla disponibilidade ao particular – para ser titularizada pelo Estado, a quem é conferido o poder-dever de fornecê-lo à coletividade geral, valendo-se de prerrogativas próprias do poder de imperii, o que qualifica o regime jurídico como prevalecente direito público.
Inobstante tratar-se de fenômeno sócio-jurídico, por meio do qual se reconhece como serviço de relevante utilidade pública, historicamente não se divisou um regime jurídico claro para a atividade. Com o Decreto Imperial nº 1.746, de 13 de outubro de 1869, ficou evidente que a atividade somente poderia ser desenvolvida com a constituição de “concessão”, cujo prazo máximo fora inicialmente fixado em noventa anos.
Por sua vez, a Lei nº 8.630/93 trouxe nova configuração para a exploração dos portos públicos (portos organizados), rompendo com o antigo modelo de centralização da titularidade da atividade e seu exercício na própria Administração Pública, além de permitir a utilização de terminais de uso privativo, para a movimentação preponderante de carga própria (do titular da outorga). Ante a inexistência de recursos públicos para garantir a atualidade da prestação do serviço portuário, o legislador estabeleceu, além do regime de tradicional de concessões, a possibilidade de destacar parcela do serviço (inclusive da área física necessária para o seu desenvolvimento) para o fim de arrendar a particulares, encarregados de fornecer o serviço à coletividade. Este instituto foi denominado “arrendamento portuário”, art. 4º, I, da Lei nº 8.630/93.
Como se verá adiante, o arrendamento portuário constitui-se em espécie de subconcessão de serviço público, razão pela qual atrai a incidência do prevalecente regime jurídico de direito público, cujo trespasse ao particular demanda a realização de licitação, conforme disciplina do art. 175, da CF/88. Do regime jurídico, atrai-se o dever da prestação do serviço, com subordinação dos princípios da segurança, da universalidade, da regularidade, da continuidade, da atualidade, da eficiência, impessoalidade, como sói ocorrer na prestação de serviço público.
Neste trabalho, em face na natureza especial das leis que disciplinam a matéria, busca-se examinar com acuidade as repercussões do regime jurídico, inclusive no que tange aos princípios vetores da licitação pública, obrigatória para o arrendamento portuário, e as possíveis alterações subjetivas e objetivas do contrato, sem sofrer qualquer abalo de sua juridicidade, condição essencial para a segurança jurídica, tão necessária à atuação da administração pública, quanto para a atração de capitais particulares, indispensáveis para a atualidade do serviço.
I. Da natureza jurídica do arrendamento portuário
Com o advento da Lei nº 8.630/93, a exploração de instalações portuárias públicas – voltadas para atendimento do público em geral; da coletividade – ficou restrita aos denominados “portos organizados[2]”, ex-vi § 3º, do art. 4º, daquele Estatuto.
Tal restrição parece superada, com a edição da recente Medida Provisória nº 595, de 6 de dezembro de 2012, que revogou a indigitada lei. Porém, no art. 4º, a MP manteve o instituto do arrendamento, verbis “A concessão e o arrendamento de bem público destinado à atividade portuária serão realizados mediante a celebração de contrato, sempre precedida de licitação, em conformidade com o disposto nesta Medida Provisória e no seu regulamento”.
Um exame aprofundado das cláusulas consideradas essenciais para o contrato de arrendamento portuário (art. 5º, da MP 595) permite inferir que se trata, em última análise de modo jurídico de trespasse de determinada atividade, de titularidade da União para o particular, para que esta a execute, por sua conta e risco, porém com a supremacia do interesse público. Não só. As partes signatárias deverão respeitar: os parâmetros estabelecidos pelo titular do serviço[3]; ao valor do contrato, às tarifas praticadas e aos critérios e procedimentos de revisão e reajuste (inciso IV); garantir os direitos dos usuários (inciso VI); reversão dos bens ao final do arrendamento (inciso VIII); as condições para alteração e expansão da atividade e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação das instalações (inciso IX); as garantias de execução do contrato e fiscalização do poder concedente (incisos X e XI).
Demais, as obrigações imputadas às partes do contrato de arrendamento dão conta da natureza do instituto, de espécie de subconcessão, notadamente pelo poder de direção do poder concedente, a ser implementada pela autoridade portuária, cabendo-lhe fiscalizar as obras de construção, reforma e ampliação, bem assim a realização das atividades com regularidade, eficiência, segurança, adstrito a uma política tarifária de conta do titular do serviço.
Ou seja, em tudo, e por tudo, o contrato de arrendamento guarda as características determinadas pelo legislador constitucional, quando à possibilidade de transferência ao particular o desempenho de atividade eleita como serviço público, na forma do art. 175, da Constituição Federal/88. A classificação como espécie de subconcessão funda-se na ideia de que o arrendamento é apenas parte da atividade antes delegada à autoridade portuária, que recebe o porto organizado como um todo, e, depois, aparta desse continente o conteúdo do arrendamento (parte da área do porto organizado e parcela da atividade do porto organizado). O todo é a concessão do porto organizado. A parte (subconcessão) o arrendamento portuário. Assim, a transferência parcial da posição do delegatário para um terceiro, que, sub-rogando-se nos direitos e deveres daquele, passa a realizar a exploração da área, vinculada ao desempenho de atividade classificada como serviço público, na qual também incidirá o regime prevalecente de direito público.
Ainda sobre a natureza jurídica do arrendamento portuário, Floriano de Azevedo Marques Neto destaca in verbis:
O arrendamento, portanto, caminha-se a caracterizar, a partir do novo regime estabelecido pela Lei dos Portos, uma subconcessão sui generis de serviço público, guardando traços da concessão de uso de bem público que está em sua origem. Nisso, vai a consideração das pesadas exigências relativas ao desempenho de serviço com quantidades, padrões e metas mínimos. Fosse o arrendamento uma mera concessão de uso de bem público ou ainda um contrato regido estritamente pelo direito civil, a exploração dos serviços pelo particular e a percepção dos frutos decorrentes desse serviço não seriam obrigação, mas sim mera faculdade oferecida ao arrendatário. Caberia a ele escolher como melhor aproveitar-se da exploração do bem que lhe fora concedido[4].
Conforme assentado alhures, em que pese tratar-se de transferência parcial do objeto da delegação (o todo porto organizado), tal aspecto não tem o condão de desnaturar o serviço executado no âmbito do arrendamento (subconcessão). Induvidoso que o simples ato de delegação do serviço não altera a sua natureza. Se era serviço público antes da delegação, continuará a sê-lo depois da descentralização (arrendamento). Dai porque razão não assiste àqueles que sustentam que o arrendamento não seria concessão (nem espécie desta), mas instituto diverso. O curioso é que tal argumento é sempre apresentado para o fim de se desvincular dos princípios e regras que determinam a supremacia do interesse público.
A propósito do assunto, base observar que, no caso do arrendamento, tem-se num único instrumento (contrato) a atribuição a terceiros do direito de exploração de um bem público (da União), acrescido de ato administrativo que confere o direito da exploração do serviço público “portos”, na forma prescrita pela Constituição Federal (art. 21, XII “f”). Sequer pode alegar-se que a atuação do operador portuário, conforme disciplina da MP 595/2012 (antes, Lei de Portos), teria tornado o próprio serviço em mera atividade econômica. Não pode, dado que aquele (operador portuário não explora a atividade portuária, mas apenas presta o serviço ao verdadeiro subconcessionário, arrendatário, no caso).
Sobre o assunto, é de todo pertinente trazer à baila a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem “A exploração da atividade na área do porto organizado tem a natureza de serviço público de titularidade da União, a ser explorado, em regra mediante contrato de arrendamento, que bem poderia ser chamado de concessão de serviço público; tal contrato não é regido pelo direito privado, mas pelo direito administrativo”.[5]
A seu turno, Marçal Justen Filho aponta defeito técnico na redação do art. 4º, da Lei nº 8.630, “na identificação de duas questões juridicamente distintas e inconfundíveis, que são (a) a atribuição do direito de um particular usar bens públicos e (b) a delegação ao particular da prestação de serviço público”[6].
A MP 595/2012 mantém a natureza complexa do contrato de arrendamento, par açambarcar também essas duas “figuras jurídicas”.
No caso de destinação da área para a prestação de serviço público, do contrato de arrendamento resultará, segundo aquele jurista, em duas relações jurídicas distintas. Ou seja, existirá o arrendamento dos bens e a delegação da prestação do serviço público. Então “uma mesma pessoa será concessionária de serviço público e arrendatária de bens públicos”[7]
Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[8], de ver que na espécie a concessão deve ser entendida como uma relação jurídica complexa (ato condição: por meio do qual o administrado escolhe se irá submeter à regulamentação do poder público; ou seja, somente surte efeito caso determinada condição se cumpra). Desse modo, a concessão pode ser vista como ato por meio do qual o concessionário voluntariamente se insere debaixo da situação jurídica objetiva estabelecida pelo Poder Público, de um lado; e de outro, natureza de contrato, por meio do qual se garante o equilíbrio econômico-financeiro.
O mesmo ocorre com o arrendamento, enquanto espécie de subconcessão, caracterizado como instrumento de trespasse ao particular (de parcela) do serviço público portuário, sob o regime prevalecente de direito público.
II. Da alteração subjetiva do contrato de arrendamento portuário
A Medida Provisória 595/2012 estabelece a aplicação subsidiária ao contrato de arrendamento portuário o disposto na Lei 8.987/95; ou seja, a lei que regulamenta o regime de concessão e permissão de serviços públicos. No que toca a exploração de instalações portuárias públicas, a MP manteve a estrutura lógico-jurídica que amparava a matéria, na disciplina da Lei de Portos (Lei nº 8.630/93), regulamentada pelo Decreto nº 6.620/2008, em relação aos portos marítimos, vinculados à Secretaria Especial de Portos. Isto porque, em relação aos portos marítimos, o regulamento incidente continua na forma do Decreto nº 4.391/2002, sob a tutela do Ministério dos Transportes.
A referida Lei de Concessões de Serviços, para a garantia da supremacia do interesse público e a realização dos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade pública, determina que a concessão do serviço público (inclui-se o arrendamento portuário) deverá ser obrigatoriamente precedida de licitação, mediante a modalidade de concorrência, sendo admitido o leilão[9], no caso vertente.
E é exatamente por tais princípios vetores da licitação que o contrato decorrente (diga-se, contrato administrativo) toma em consideração especial o contratado (ato intuito personae). Importa para a Administração Pública a pessoa do contratado, que não pode ser substituído por outrem, salvo casos especiais.
Daí a existência de regra geral que determina a necessidade de licitação para os casos de substituição do concessionário, e, pela mesma razão, do subconcessionário, que se sub-rogará em todos os direitos e obrigações concedente, dentro dos limites da subconcessão. Veja:
Art. 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente.
§ 1º A outorga de subconcessão será sempre precedida de concorrência.
§ 2º O subconcessionário se sub-rogará todos os direitos e obrigações da subconcedente dentro dos limites da subconcessão.
Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão. (Lei 8.987)
A regra geral, então, é pela vedação da substituição do contratado. E, nos casos em que ela for necessária para a continuidade da prestação do serviço (supremacia do interesse público) haverá a possibilidade da sua adoção, todavia sujeitando-se ao mesmo procedimento licitatório que orientou a contratação originária.
Nesse sentido, o inciso VI, do art. 78, da Lei 8.666/93, estabelece que é motivo para a rescisão do contrato a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato. Ou seja, mesmo em relação a tais alterações societárias, em que não se verifica a substituição integral da parte contratada, a sua ocorrência é suficiente para determinar a rescisão do contrato. Com mais razão para a rescisão nos demais casos de substituição da parte contratada (cessão).
Implica dizer que a condição para ser parte do contrato administrativo é a sujeição do particular ao procedimento licitatório (obrigatoriedade da licitação). Aquele que não percorreu esse iter procedimental, não pode, em princípio, contratar com o poder público.
A propósito do Assunto, o Tribunal de Contas da União (TCU), a par de reconhecer a natureza personalíssima do contrato, reforçam os efeitos do inciso VI, do art. 78, da Lei nº 8.666/93. Veja:
“...ressalte-se que o caráter intuitu personae imperante nos contratos administrativos decorre do fato de haver o contratado, ao menos em tese, demonstrado estar em condições de melhor atender aos interesses da Administração Pública, após regular procedimento licitatório. A substituição da figura deste, no polo passivo da relação jurídico-contratual, operada pela subcontratação total ou parcial de seu objeto e pelas demais movimentações contratuais a que se refere o inciso VI, do art. 78, da Lei nº 8.666/93, ensejam a rescisão contratual.
10. Acerca do alcance do dispositivo legal mencionado, o Tribunal já firmou entendimento segundo o qual ‘é legal e inconstitucional a sub-rogação da figura da contratada ou a divisão das responsabilidades por ela assumidas, ainda que de forma solidária, por contrariar princípios constitucionais da moralidade e da eficiência, o princípio da supremacia do interesse público, o dever geral de licitar e os arts. 2º, 72 e 78, inciso VI, da Lei nº 8.666/93’ (Decisão nº 420/2002 – Plenário –TCU).”
No caso dos arrendamentos portuários prevalece esse entendimento, que impede a substituição subjetiva do contrato?
A resposta é, de pronto, negativa, uma vez que a legislação especial estabelece uma disciplina diversa para os contratos de concessão e de arrendamento portuário. Nesse caso, há um microssistema composto pela Lei nº 8.630/93 (agora substituída pela MP 595/2012), pela Lei nº 10.233/2001, que promoveu várias alterações na Lei de Portos, e, subsidiariamente, aplica-se a Lei nº 8.987/95.
Desse modo, a Lei nº 10.233/2001 estabeleceu regra diversa para as concessões e arrendamentos portuários, nos seguintes termos:
Art. 30. É permitida a transferência da titularidade das outorgas de concessão ou permissão, preservando-se seu objeto e as condições contratuais, desde que o novo titular atenda aos requisitos a que se refere o art. 29.
§ 1o A transferência da titularidade da outorga só poderá ocorrer mediante prévia e expressa autorização da respectiva Agência de Regulação, observado o disposto na alínea b do inciso II do art. 20.
§ 2o Para o cumprimento do disposto no caput e no § 1º, serão também consideradas como transferência de titularidade as transformações societárias decorrentes de cisão, fusão, incorporação e formação de consórcio de empresas concessionárias ou permissionárias.
Conforme acentuado alhures, cumpre observar que o contrato de arrendamento portuário, em face de suas características e efeitos efetivamente produzidos, constitui-se em espécie de “subconcessão”, razão pela qual o dispositivo a ele se aplica, inexistindo razão de direito que determine em sentido contrário.
Em rápida digressão, cabe advertir que o conflito entre a Lei nº 8.987/95 (art. 26) e a Lei 10.233/2001, que não exigiu maiores requisitos para a transferência das concessões e arrendamento portuário, é apenas aparente, já que se resolve pela incidência do princípio da especialidade.
A propósito do assunto, cumpre invocar a doutrina de Carlos Maximiliano, verbis “A disposição especial afeta a geral, apenas com restringir o campo de sua aplicabilidade; porque introduz uma exceção ao alcance do preceito amplo, exclui da ingerência deste algumas hipóteses. Portanto, derroga só nos pontos em que lhe é contrária”[10]
De fato, tratando-se de lei especial, na espécie, é a Lei 10.233, que disciplina o transporte aquaviário e, em específico, as formas de outorgas de autorização, concessão e permissão para o serviço portuário (arts. 13 e 14). Nesse sentido, promove a restrição do campo de atuação da norma geral (Lei nº 8.987/95), para dispor que em relação às concessões e arrendamento portuário não se aplica a proibição de transferência da outorga, nem se exige a realização de procedimento licitatório na espécie. Tem-se, pois, um regime especial a disciplinar as transferências das outorgas, embora mantidas certas garantias para a supremacia do interesse coletivo, como se verá.
Tratando-se de contratos administrativos em geral (e não particularmente dos arrendamentos portuários), julgado recente estar a indicar uma alteração de posição do próprio Tribunal de Contas da União, para revisitar sua reiterada jurisprudência, na forma do Acórdão 634/2007 –TCU- Plenário. No julgado, a Corte de Contas decidiu pela exigência de requisitos básicos para admitir a continuidade de contrato. Decidiu que, se não houver expressa regulamentação no edital ou no termo de contrato dispondo de modo diferente, é possível manter vigentes os contratos cujas contratadas tenham passado por processo de cisão, incorporação ou fusão, uma vez feitas as alterações subjetivas pertinentes, bem como celebrar contrato com licitantes que tenham passado pelo mesmo processo, desde que, em qualquer caso, sejam atendidas cumulativamente as seguintes condições: (i) observância pela nova empresa dos requisitos de habilitação de que trata o art. 27, da Lei 8.666/93, segundo as condições originalmente previstas na licitação; (ii) manutenção de todas as condições estabelecidas no contrato original; (iii) inexistência de prejuízo para a execução do objeto pactuado causado pela modificação da estrutura da empresa; e (iv) anuência expressa da Administração, após a verificação dos requisitos apontados anteriormente, como condição para a continuidade do contrato.
Ocorre que o disposto no art. 30, da Lei nº 10.233/2001, não se encontra adstrito aos casos de cisão, fusão e incorporação, mas abrange qualquer espécie de transferência de titularidade do contratado, ainda que completamente desvinculado do titular originário. Todavia, cabe observar que os mesmos requisitos esposados pelo indigitado acórdão incidem também nos casos em testilha (arrendamento portuários), pois dizem respeito à vinculação ao instrumento convocatório, que deve conter exigências relacionadas com a realização da supremacia do interesse público. Quer dizer, sobre os requisitos de habilitação e de plena capacidade para manter a prestação do serviço público, de forma segura, contínua, universal e geral, com a mesma eficiência do contratado original.
A propósito do assunto, cabe observar que a Agência Nacional de Transportes Aquaviários, no exercício da competência prevista no inciso IV, do art. 27, da Lei nº 10.233/2001, regulamentou a matéria por meio da edição da Resolução nº 2.240, de 4 de outubro de 2011. Ocorre que, numa redação truncada, o § 2º, do art. 20, deste Estatuto, deixa entrevê que os casos de transferência restariam confinados à ocorrência de cisão, fusão ou incorporação. Talvez, guiado pela jurisprudência do Tribunal de Contas da União, em relação ao contratos administrativos em geral, incidiu o Ente Regulador numa restrição ao disposto no art. 30, da Lei nº 10.233. Isto porque o legislador ordinário foi expresso na redação daquele dispositivo, quando enumera os casos de cisão, fusão ou incorporação entre aqueles passíveis de fundamentar a atuação do poder público. Assim, os casos citados consubstanciam-se em mero rol enumerativo, suficiente para contemplar as demais formas de transferência das outorgas que especifica.
Sabido e consabido que norma secundária (resolução) não pode restringir o alcance determinado pela norma primária (lei ordinária). Assim, se a Lei 10.233/2001 estabelece ser permitida a transferência da titularidade das outorgas (art. 30, caput) e que “serão também consideradas como transferência de titularidade as transformações societárias decorrentes de cisão, fusão e incorporação” (§ 2º), falece ao legislador regulamentar dispor que somente se admite as transferências de titularidade das outorgas os casos de cisão, fusão e incorporação. É o que se verifica com disposto no art. 20, e §§, da Resolução nº 2.240/ANTAQ.
III. Da possibilidade de alteração objetiva do contrato arrendamento portuário.
Como visto, a atividade portuária é serviço público federal. E, segundo comando constitucional, o seu trespasse para a exploração pelo particular, resta admitida, nos moldes do art. 175, CF/88, todavia sempre por meio de licitação. Antes pela Lei nº 8.630/93, e agora pela recente Medida Provisória 595/2012, vem o legislador ordinário alterar o marco legal da atividade regulada, com o desiderato de promover a modernização do setor portuário, par ao fim de garantir o aumento da competitividade do serviço e a elevação da eficiência dos terminais portuários, públicos e privados.
Nesse sentido, tem-se a constituição de arrendamento portuário como mecanismo para implementar a colaboração do particular, na prestação do serviço público, segundo prevalecente regime jurídico de direito público. Em paralelo, restou admitida a exploração de terminais privados – não há mais falar-se em terminais de uso privativo –, cuja exploração encontra-se condicionada à obtenção de prévia autorização do poder público (art. 8º, da MP 595).
A atividade desempenhada pelo arrendatário, desenvolvida na área pública obtida em regular procedimento licitatório, por força da previsão constitucional, constitui serviço público; daí porque o titular do terminal guarda a obrigação de colocar o serviço à disposição da coletividade de forma regular, contínua e universal, com remuneração por tarifa estabelecida pelo Poder Público e com sujeição à fiscalização e regulação do Poder Concedente.
Destarte, quer pelo princípio da legalidade, quer pelo princípio da vinculação ao instrumento convocatório, o objeto do arrendamento portuário é aquele regularmente previsto no edital e respectivo contrato do certame, vinculando as partes signatárias, durante a vigência da contratação. Estão, pois adstritas ao objeto previamente licitado, não podendo ser fruto de cogitações subjetivas.
Lado outro, não há como desconsiderar a possibilidade de alterações do contrato, no curso de sua longa vigência, dado que contratações da espécie são firmadas pelo prazo de até vinte e cinco anos, com possibilidade de prorrogação uma única vez (§ 1º, do art. 5º, da MP 595).
No campo das alterações objetivas do contrato de arrendamento portuário, enquanto espécie de subconcessão de serviço público federal, a ampliação da área física (adensamento) das instalações portuárias emerge com especial relevo para a atuação da Administração, em face dos interesses ostentados pelo contratado, o arrendatário de instalação portuária pública.
Nesse plano da mutabilidade dos contratos de arrendamento, deve ser considerado no tema das ampliações dos terminais públicos, travestida, principalmente, pela ampliação da área objeto do arrendamento, como mecanismo de adaptabilidade (adequação do serviço), em que pese ausente prévia estipulação de parâmetros objetivos no edital e no contrato.
Observe-se que a própria disciplina legal reclama a previsão no edital, na medida em que se consubstancia em cláusula essencial do contrato, o estabelecimento de direitos, garantias e obrigações do contratante e do contratado, inclusive os relacionados com as necessidades futuras de suplementação, alteração e expansão da atividade e consequente modernização, aperfeiçoamento e ampliação das instalações (a MP 595/2012, por seu art. 5º substitui a disciplina da Lei de Portos). A ampliação das instalações na área originalmente contratada é desimportante na análise, uma vez que essa é regra inerente aos contratos administrativos de serviços públicos, na medida em que o contratado se compromete com a atualidade do serviço.
O problema ocorre quando tais alterações (ampliações) recaem na necessidade de ampliar a área original do contrato, como meio necessário para ampliar a capacidade da instalação, sob o viés das vicissitudes econômicas, tecnológicas e das necessidades da coletividade que reclamam medidas de eficiência e ganhos de escala no porto público.
A solução do problema perpassa pela análise do Decreto nº 6.620/2008, que regulamenta a matéria.
Nessa linha, o Decreto contemplou um conjunto de instruções para parametrizar o Poder Executivo no planejamento e elaboração das políticas públicas e logísticas para o setor. E, mais ainda, delimitou uma matriz orientadora do administrador público, leia-se, Administração Portuária, na tomada de decisões de gestão que logrem compatibilizar as ações públicas de médio e longo prazo com as necessidades prementes identificadas no caso concreto. Tudo com o fim último de prover o setor dos caracteres da eficiência e qualidade do serviço público.
O planejamento é função essencial do Estado, representando um instrumento de desenvolvimento nacional[11] e atendimento das necessidades da coletividade (serviço público). E, ademais, se apresente como mecanismo de fiscalização da constitucionalidade e legalidade dos atos públicos, na medida em que se afastem dos planos legais da matéria. No cenário de redução da participação direta e transferência da execução de um serviço público ao particular, planejar é dever indissociável do Estado.
Nos portos, o planejamento encontra-se vertido no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto (PDZ), ev-vi § 1º, do art. 13, da MP 595 e regulamento do Decreto 6.620/2008. A delimitação das áreas objeto de arrendamento, bem como a possibilidade de ampliação dessas deve ter seu nascedouro no conteúdo programático do porto, no planejamento público, isto é, estar de acordo com o PDZ, para, então, se refletir nas decisões administrativas tomadas na fase interna da licitação e na gestão futura do contrato. Não o caminho inverso.
Não se descura que, por vezes, determinados aspectos do planejamento refogem à realidade concreta. São circunstâncias variáveis que exigem uma nova conformação do plano, com vistas a alcançar a finalidade pública. Nesse caso, cabe à Administração, sem inverter a ordem do procedimento, utilizar-se dos mecanismos formais de revisão antes de executar aquela tarefa de interesse público ligada ao novo panorama, materializando o princípio do planejamento.
Daí porque os parâmetros técnicos relativos às demandas presentes e projetadas de cargas e a capacidade de atendimento dos terminais; à necessidade de expansão da infraestrutura e superestrutura ditadas pelas demandas, às inovações tecnológicas de manejo e armazenagem de cargas e fluxos de novos investimentos são elementos indispensáveis para ordenar os planos, com vistas à contínua melhoria do desempenho portuário e da qualidade do serviço prestado.
Nesse sentido, estabelece o Decreto nº 6.620/08, parâmetros e requisitos mínimos para a configuração do dever de alteração pelo poder público do objeto do arrendamento, in verbis:
Art. 27. Os contratos de arrendamento de instalações portuárias deverão conter cláusula dispondo sobre a possibilidade de ampliação das instalações.
§ 1o A ampliação da área arrendada só será permitida em área contígua e quando comprovada a inviabilidade técnica, operacional e econômica de realização de licitação para novo arrendamento.
Depreende-se da norma que ampliar instalação portuária significa tanto os acréscimos que não implicam em alteração quantitativa da área de arrendamento, ou melhor, do tamanho do arrendamento – a exemplo da construção de uma ponte, edifício ou armazém dentro da área – como pode representar um incremento do tamanho da área, como a agregação de terrenos, armazéns, cais ou piérs de atracação, os quais se inserem no conceito de instalação portuária, nos termos do inciso III, do art. 2º, do referido Decreto.
Em regra, tal ampliação exige a obrigatória previsão editalícia e contratual sobre a possibilidade de ampliação das instalações portuárias, não cabendo cogitar desse procedimento em caso contrário, pois isso corresponde a burlar à licitação e quebra da vinculação ao instrumento convocatório.
Todavia, a disciplina do art. 27, do Decreto 6.620/2008, encaminha-se no sentido de admitir-se a ampliação da área, mesmo quando inexistentes parâmetros específicos para a atuação do poder público. Diz-se de elementos adjacentes ao objeto, com o fim de legitimar tal atuação. Com efeito, deflui-se do disposto no art. 27, § 1º, que a ampliação de arrendamento somente será permitida quando a área que se busca agregar, concomitantemente: I – for contígua à área original; II - restar comprovada a inviabilidade técnica, operacional e econômica de realização de licitação para novo arrendamento.
Como já mencionado, o contrato de arrendamento pressupõe a observância do dever de licitar. Trata-se de princípio da Administração Pública que não deve ser excepcionado, ressalvados os casos expressamente admitidos pelo legislador, em que a licitação pode ser dispensada por razões, em última análise, de interesse público ou eliminada por impossibilidade de sua execução.
Na espécie, a obrigatoriedade de prévia licitação para o arrendamento de áreas do Porto Organizado será afastada, dando lugar à ampliação em favor de arrendatário, unicamente, quando restar demonstrada a contiguidade da área em questão em relação à área matriz e quando for apresentado estudo técnico que comprove cabalmente a inviabilidade técnica, operacional e econômica de realização de licitação para novo arrendamento (autônomo).
Esses são os parâmetros legais que devem nortear o administrador público quando da análise da situação para a adoção da medida que melhor realize o interesse público na prestação do serviço público adequado, sem descurar, contudo, da legalidade a que está adstrito. Ao agir dentro das balizas do Decreto nº 6.620/08 (contiguidade e comprovação técnico-operacional-econômica inviabilidade arrendamento isolado do terreno, precedido de licitação), o administrador atende à cláusula editalícia/contratual genérica, que prescrevera a possibilidade e não afronta o princípio da vinculação ao instrumento convocatório e isonomia, ínsitos ao princípio da licitação.
Assim, a alteração do objeto do contrato terá decorrido de contexto autorizado pelo legislador, cuja possibilidade foi prevista no edital, portanto, de conhecimento dos interessados na competição. E mais, a alteração terá sido fruto, necessariamente, de um projeto técnico que avaliou a viabilidade ou não da área a ser agregada como objeto isolado de arredamento.
Com já mencionado, a aplicação da Lei Geral de Licitações tem sua aplicação ao caso concreto, porém de forma subsidiária. As disposições estabelecidas nas leis especiais prevalecem àquelas estabelecidas pela lei geral. Bem por isso já sustentamos anteriormente sobre o incabimento da aplicação do disposto no art. 65, da Lei 8.666/93, em relação aos contratos de arrendamento portuário, inobstante posicionamento diverso do Tribunal de Contas da União, no Acórdão 1150/2011-TCU- Primeira Câmara, de 22/02/2011.
Afigura-se cristalina a inaplicabilidade do contido no art. 65, §§1º e 2º da Lei n 8.666/93, que disciplina os acréscimos e supressões ao contrato, vez que a sistemática lançada pelo Decreto não faz restrições quantitativas às ampliações. Volta-se aos aspectos qualitativos da área, sob o prisma da sua vocação e potencialidade técnica e operacional para a movimentação de cargas e pessoas, seguindo as diretrizes elencadas na Lei nº 10.233/01 e no Decreto nº 6.620/08.
Bem por isso, sustentamos no processo administrativo nº 50300.000841/2010-91, com trâmite na Agência Nacional de Transportes Aquaviários-Antaq, por meio do Parecer nº 296/2010/CARG/PF-ANTAQ/PGF/AGU, de 17/6/2010, in verbis:
“Mantidos os espíritos da Lei nº 8.630/93, com as alterações da Lei nº 10.233/2001, e, subsidiariamente, da Lei nº 8.987/97, aplicar-se-á também a Lei ...nº 8.666/93, somente quanto aos aspectos formais do procedimento de licitação. Para melhor elucidação, tome-se, por exemplo, o contido no art. 65, § 1º, que obriga o licitante a aceitar o acréscimo ou supressões nas obras, serviços e compras em até 25%. É óbvio que esse dispositivo é inaplicável aos contratos de arrendamentos, uma vez que a Lei Especial (Lei nº 8.630/93) condicionou qualquer acréscimo à existência de cláusula – no edital e no contrato – nesse sentido, dispondo diretamente acerca dos aspectos objetivos (quantidade, localização, opção, valor de contrapartida etc.) para a validade da alteração do objeto.
Não somente por isso. Principalmente pela natureza e complexidade do objeto licitado, cuja especificação e amplitude é decorrência de estudos de viabilidade técnica, operacional e econômica, o que tem como consequência o deslocamento do juízo de conveniência e oportunidade, em toda sua extensão, para etapa prévia à elaboração do edital e do contrato-padrão, implicando dizer com isso que, em relação ao previsto no § 1º, do art. 65, há tamanho distanciamento lógico-jurídico que afasta sua aplicação, senão pela descaracterização do objeto e violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório. De outro modo, na aquisição de material escolar, por exemplo, o acréscimo de 25% (vinte e cinco por cento) em nada descaracteriza o objeto da licitação. No entanto, o arrendamento de 100.000 m² de área pública no porto organizado é muito diverso do arrendamento de 125.000 m², e se efetivado acréscimo não previsto, neste caso, haverá evidente violação do instrumento convocatório, com violação simultânea do princípio da isonomia, pois não transparente em relação aos demais licitantes.
De fato, a premissa básica para a legalidade do acréscimo diz respeito sobre a exigível previsão no edital/contrato. Mas, não é suficiente a autorização genérica, mediante reprodução dos termos do dispositivo que relaciona as cláusulas essenciais (Inciso IX, do art. 5º, da MP 595/2012). Necessário é a declinação dos parâmetros objetivos (quantidade de área, localização, opção, valor da contrapartida do arrendatário, adequação ao plano de zoneamento e desenvolvimento do porto), sem os quais haveria violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório.
Todavia, o Decreto 6.620/2008, por seu art. 27, § 1º, reconhece o estado de perplexidade que, nos contratos de longa duração com é o caso do arrendamento portuário, o administrador público se depara, obrigando-se a formulação de solução legítima, com vistas à garantia do interesse público e o atendimento das necessidades sociais.
Na doutrina de Egon Bockmann Moreira
Em tempos de pós-modernidade, nada mais adequado que falar em segurança advinda da certeza da mudança. Pois este aparente contrassenso é o que se passa nas concessões contemporâneas: a flexibilidade dos contratos é um dos itens que reforçam a segurança jurídica na prestação adequada do serviço. A segurança contratual presta-se a garantir a mutabilidade do negócio jurídico firmado.
...O que se defende é a mutabilidade contratual, não a degeneração contratual, pois às partes não é dado ignorar todo o arcabouço normativo dos contratos administrativos. A mutabilidade exige a juridicidade da mudança[12].
Ainda nessa toada, não se pode descurar de características peculiares dos contratos de arrendamento portuário em relação aos contratos administrativos comuns regidos pela Lei nº 8.666/93. São contratos de extensa duração e, por isso, com maior sujeição ao dinamismo do mercado e às oscilações da economia. Envolvem investimentos de grande monta na construção da superestrutura a cargo do particular, implicam complexas projeções de custo/rentabilidade e rígidas obrigações para garantir a prestação do serviço público adequado.
Essa sorte de aspectos descortina a necessidade de adoção de medidas que atendam à especificidade e complexidade da relação jurídica, inclusive, no que se refere aos procedimentos para a alteração dos contratos. Nesse passo, exige-se da Administração, a construção de solução que atinja a finalidade pública relacionada ao projeto portuário, a partir do cotejo dos princípios que informam a matéria, princípio da supremacia do interesse público, razoabilidade, proporcionalidade, tudo revestido pela legalidade a que está adstrita a Administração Pública.
Nesse sentido, e com o fim de estabelecer requisitos mínimos que garantam a juridicidade da atuação do poder público na espécie, a Resolução nº 2.240/ANTAQ, de 6 de outubro de 2011, regulamentou a matéria no art. 22, dispondo que qualquer alteração do contrato de arrendamento que contemple a ampliação da área ou período de vigência, deverá ser submetida pela Administração do Porto à aprovação prévia da ANTAQ, com as devidas justificativas e fundamentações.
O parágrafo único, do referido artigo, reafirma os parâmetros do art. 27, do Decreto 6620, quanto à contiguidade da área a ser acrescida à avença original; que seja objetivamente demonstrada inviabilidade técnica, operacional e econômica da área para novo e autônomo empreendimento portuário. A dizer, é condição essencial para a legitimidade, que haja estudo de viabilidade técnica e econômica (EVTE), para o caso concreto.
A propósito do assunto, a Agência Reguladora do serviço (Antaq) promoveu a fixação de critérios para a análise das inviabilidades técnica, operacional e econômica da licitação. Instituiu o Sistema EVTE-Módulo Arrendamento como obrigatório para a elaboração e apresentação de Estudos de Viabilidade Técnica e Econômica-EVTE relativos a projetos de arrendamento de áreas e instalações portuárias, os quais devem ter por fundamento o disposto na Nota Técnica nº 017/2007-GPP, de 12 de julho de 2007, atualizada pela Nota Técnica nº 25/2009-GPP, que definiu a Modelagem para Estudos de Viabilidade de Projetos de Arrendamento, a teor da Resolução nº 1.642-ANTAQ, de 10 de março de 2010. Tais normativos encontram-se disponíveis do no sítio da Agência, para consulta do público em geral.
Nesse sentido, nos autos do processo administrativo nº 50300.001405/2012-09, com trâmite na Agência Nacional de Transportes Aquaviários, sustentamos no Parecer nº 567/2012/CARG/PF-ANTAQ/PGF/AGU, de 18 de dezembro de 2012, in verbis:
35. Do exposto, a interpretação legítima é de que a ampliação e modernização do terminal resta facultada ao arrendatário, porém, ante a ausência de parâmetros objetivos, deve ser interpretada no sentido de que tais direitos restam confinados à área física inicialmente arrendada (objeto de prévia concorrência pública).
36. Todavia, mesmo reconhecendo a ausência de técnica legislativa, é possível inferir que o § 1º, do art. 27, do Decreto 6.620/2008, vai além do pretendido pelo caput do dispositivo, para reconhecer uma realidade que permeia os contratos na espécie.
37. Diz-se da situação de perplexidade em que colocado o Administrador Público ante a necessidade de conferir utilização adequada para áreas contíguas aos arrendamentos já constituídos, porém insuscetíveis de gerar novo e distinto empreendimento, dada a comprovada inviabilidade técnica, operacional, ou mesmo econômica.
38. Destarte, condicionado à obtenção de resultado esperado da utilização das áreas integrantes do patrimônio do porto (realização dos seus fins), o exame em concreto pode conduzir o administrador público à conclusão de que a única forma de atingir a situação mais vantajosa para o interesse público é o adensamento de área a outra já licitada, sem o que restaria inviabilizado o atendimento das necessidades da coletividade, ou sufocada a capacidade de movimentação de cargas, dado que, conforme adiantado, as restrições físicas impediriam a exploração adequada, senão desse modo.
39. Destarte, a situação em concreto, conforme instrução dos autos, confirmadas as premissas que embasaram as manifestações técnicas ocorrentes, são significativas para demonstrar a inviabilidade de competição, pois esta será insuscetível de gerar vantagem equivalente à proporcionada mediante o adensamento ora pretendido. Demais disso, não desconfigura o objeto licitado, pois representa um acréscimo de 8,95% em termos relativos ao objeto inicialmente licitado.
(...)
41. Ipso facto, e considerando os ganhos de performance referidos na análise, notadamente pela capacidade de gerar maior eficiência na movimentação de contêineres no âmbito do Porto de Paranaguá, mediante o melhor aproveitamento do bem pela autoridade portuária, sem se afastar da juridicidade incidente, pois não evidenciada a desnaturação do objeto licitado (manutenção da proporcionalidade do objeto regularmente licitado (presunção incidente sobre o ato administrativo) com os ganhos a se auferir, vislumbra-se a regularidade do ato de adensamento.
Todavia, a inexigibilidade licitação, que se evidencia pela realidade fática, é causa de afastamento da regra geral de contratações para o poder público. Lado outro, o EVTE constitui-se em instrumento técnico para garantir padronização na elaboração dos estudos de viabilidade, bem assim de fornecimento de elementos e parâmetros para orientar a atuação do poder público, quanto ao estabelecimento do valor mínimo de arrendamento, ante a nova configuração do empreendimento.
Esta, aliás, é uma segunda condição para a legitimidade da alteração do objeto do contrato de arrendamento, de haja um efetivo reequilíbrio da equação econômico-financeira original, que fundamentou a vantajosidade para o interesse público (direito coletivo sobre o serviço com tarifa módica) e o retorno financeiro para o investidor privado (recuperação do capital investido e o lucro).
A perplexidade do poder público a que se reporta na espécie revela-se, ao fim e ao cabo, a uma especial forma de manifestação da inexigibilidade de licitação, ex-vi art. 25, da Lei nº 8.666/83, cuja aplicação se dá no caso vertente forma subsidiária, conforme demonstrado alhures.
Destarte, resta evidenciado, assim, a possibilidade de alteração do contrato de arrendamento portuário, dadas as suas especificidades, para o fim de ampliar a área (acréscimo do objeto contratado), desde que presentes os critérios e condições fixados pela regulamentação da matéria, notadamente demonstrada necessidade de atuação da administração pública para corrigir a inadequação do serviço prestado (necessidade social premente) e a impossibilidade de estabelecimento de empreendimento autônomo para a área a ser agregada ao objeto original.
E quanto à possibilidade de redução da área objeto de arrendamento?
Induvidoso que o contrato de arrendamento portuário é espécie de contrato administrativo, que se rege pelas prerrogativas próprias da administração, visando à consagração da supremacia do interesse público.
Assim, considerando os mesmos fundamentos e condições incidentes sobre a ampliação do objeto, o poder público estará legitimado sempre que atuar no sentido de determinar a atualidade do serviço público prestado. Implica dizer que, diante de razões de ordem técnica, vicissitudes econômicas e políticas do país, o administrador público poderá atuar para determinar a adequação da prestação do serviço. Nessa altura para informa que inexiste direito adquirido, em face do contrato administrativo, senão da garantia da equação econômico-financeira inicial.
Destarte, desde que demonstrada razão de ordem pública para agir, poderá o poder público alterar o contrato de arrendamento portuário, para reduzir a área arrendada, sem que atue a margem da juridicidade propriamente dita. Isto porque ao estabelecer a relação jurídica com o titular do serviço, o administrado se insere num regime de sujeição especial, no qual a sua única garantia é a preservação da equação econômico-financeira inicial[13], sob pena de desconsideração da incidência do princípio da adaptabilidade e da supremacia do interesse público, o que, por consequência, acabaria por esvaziar o próprio núcleo do conceito de serviço público.
Portanto, as alterações do objeto licitado no contrato de arrendamento (acréscimo ou redução de área física) determinam o dever da Administração Pública de promover o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, parte intangível do contrato administrativo, quer na ótica do poder público, quer em relação aos direitos do particular que contrata com aquele.
IV. Conclusão
Como demonstrado no presente trabalho, as operações portuárias qualificam-se como serviço público federal (da União), a quem cabe a sua prestação, de modo adequado, ex-vi art. 20, XII “f”, da Constituição Federal. Em decorrência, submete-se ao prevalecente regime jurídico de direito público, com vistas a sufragar a supremacia interesse público.
Por sua vez, o art. 175 determina ao poder público, na forma da lei, a prestação de serviço público de modo adequado, sob o regime de concessão e de permissão. Modo adequado deve ser entendido o serviço que atenda aos princípios da atualidade, continuidade, regularidade, segurança, universalidade, generalidade e da eficiência.
A licitação é pedra de toque da Administração Pública. Vale dizer, constitui-se em técnica para contratação de particulares, quer para adquirir ou locar bens, realizar obras e serviços, ou para outorgar concessões e permissões, com vistas à escolha da proposta mais vantajosa para o poder público, de modo a consagrar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, ex-vi art. 37, da CF/88.
Portanto, obrigatória também nos casos de arrendamento portuário, enquanto espécie de subconcessão, uma vez que confere direito ao particular não só para explorar determinado bem público (instalação portuária), mas também prestar o serviço de movimentação, embarque e desembarque de cargas destinadas ou provindas do meio aquaviário. A dizer, envolve não só o direito de utilizar-se do bem público, como também legítimo título para prestar a atividade com status de serviço público federal.
Nesse sentido, cumpre observar que, na execução dos contratos de arrendamento portuário, o poder público deverá ater-se ao edital de licitação e seus anexos, em observância ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório.
Todavia, demonstrou-se a existência de situações de perplexidade para o administrador público, que legitimam as alterações subjetivas (substituição do contratado), e objetivas (acréscimo ou decréscimo de área física do porto), do contrato de arrendamento portuário, sem vício de juridicidade. Em determinadas situações, tais alterações consubstanciam-se em forma de garantir a consecução dos objetivos esperados do Estado, notadamente para a atualidade e adequação do serviço público portuário. Atualidade, relativo à utilização dos meios e recursos tecnológicos, para a garantia do pronto atendimento da demanda, com o menor impacto sócio-ambiental.
Todavia, além dos requisitos e condições objetivas para eventual alteração do objeto do arrendamento portuário, devidamente caracterizados por prévio Estudo de Viabilidade Técnico e Econômico (EVTE), que os casos de acréscimo da área arrendada haja um efetivo reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, com o fim de repartir com os usuários do serviço público os ganhos de performance e escala próprios na espécie.
A perplexidade do poder público a que se reporta na espécie revela-se, ao fim e ao cabo, a uma especial forma de manifestação da inexigibilidade de licitação, ex-vi art. 25, da Lei nº 8.666/83, que só se legitima se vinculados aos princípios da supremacia do interesse público, da razoabilidade, da proporcionalidade, da eficiência e da economicidade, próprios do regime jurídico público, ocorrente no serviço público.
[1] Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª ed., São Paulo: MALHEIROS, 1999, pág. 305.
[2] Porto organizado constitui-se em estrutura sui generis, notadamente por tratar-se de infra-estrutura, construída e aparelhada para a movimentação de passageiros ou da movimentação e armazenagem de mercadorias, cujo tráfego e operações portuárias estejam sob a jurisdição de uma autoridade portuária (art. 1º, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.630/93).
[3] Com o arrendamento, a titularidade do serviço continua com a União; apenas seu exercício é transferido ao particular, assim como ordinariamente ocorre com a concessão, permissão.
[4] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Peculiaridades do Contrato de Arrendamento Portuário. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, jan/mar.2003. p. 231:269-295.
[5] Uso privativo de bem público por particular. 2ª ed., São Paulo: ATLAS, 2010, pág. 256.
[6] O regime jurídico dos operadores de terminais portuários no Direito Brasileiro. Revista de Direito Público da Economia –RDPE, Belo Horizonte, ano 4, nº 16, pags. 77-124. Out-Dez 2006, pág. 117.
[7] Idem; idem.
[8] Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: MALHEIROS. 2004, pág. 662.
[9] Art. 18, I, prevê a possibilidade de oferecimento de lances, o que é próprio do leilão.
[10] Hermenêutica e a aplicação do direito. 18ª ed., Rio de Janeiro: FORENSE, 2000, pág. 360.
[11] Art. 174 da CF: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
[12] Direito das concessões de serviço público. São Paulo: MALHEIROS, 2010, pág. 37 e 45.
[13] Bem por isso, a própria Lei nº 10.233/2001 estabelece a obrigatoriedade de inclusão de cláusula no contrato de concessão, dispondo sobre a revisão tarifária, inclusive com a previsão de transferência aos usuários de perdas ou ganhos econômicos decorrentes de fatores que afetem custos e receitas e que não dependam do desempenho e da responsabilidade do concessionário (art. 35, § 1º).
Procurador Federal em exercício na Procuradoria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Com pós-graduação em Direito Processual Civil pela UNISUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Carlos Afonso Rodrigues. Das alterações subjetiva e objetiva do contrato de arrendamento portuário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2012, 08:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33108/das-alteracoes-subjetiva-e-objetiva-do-contrato-de-arrendamento-portuario. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
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