Palavras-chave: Direito de não produzir provas contra si mesmo. Direito ao silêncio. Direito de mentir. Crime falimentar de indução a erro. Interpretação conforme.
No Brasil, após a promulgação da Constituição de 1988, o novo cenário democrático ensejou o fortalecimento das seguintes premissas básicas do neoconstitucionalismo: a) a supremacia da Constituição, que deixou de ser vista como mero estatuto de distribuição de competências, tendo sua força normativa reconhecida (COELHO, 2006, p. 66-67); b) a possibilidade de controle de constitucionalidade dos atos normativos (jurisdição constitucional); c) a necessidade de aplicação da técnica de ponderação de valores quando houvesse tensão entre princípios constitucionais no caso concreto.
Pode-se afirmar que o empreendimento foi bem-sucedido, de forma que essas teses já gozam de ampla aceitação no cenário jurídico nacional. Cumpre aos juristas, agora, transformar em realidade concreta o arcabouço teórico consolidado, permitindo a alteração da realidade social.
Múltiplas são as possibilidades de análise dos efeitos práticos da nova hermenêutica constitucional sobre a resolução de questões jurídicas envolvendo a legislação infraconstitucional. No presente estudo, realizou-se um recorte delimitador do tema, de modo que se busca investigar a correta interpretação do dispositivo que prevê o crime falimentar de indução a erro, à luz do direito de não produzir provas contra si mesmo.
Questiona-se: é possível punir criminalmente a conduta do devedor que, em processo falimentar, sonega ou omite informações que poderiam incriminá-lo? O sujeito ativo do referido crime pode mesmo ser o devedor? Caso positivo, como ponderar o princípio da proteção da empresa e da livre iniciativa, que são realizados pela criminalização de comportamentos que atrapalham o processo falimentar, e o princípio da não obrigatoriedade de produção de provas contra si mesmo? Ainda, poderia o devedor prestar informações falsas para evitar sua incriminação? Existe um direito de mentir para evitar a persecução penal? Afinal, qual a melhor interpretação do referido dispositivo sob a filtragem do ordenamento constitucional e à luz da contribuição da teoria dos direitos fundamentais?
A importância da temática atinente ao processo falimentar evidencia-se não apenas do ponto de vista individual, considerando que um procedimento judicial livre de irregularidades resguarda situações subjetivas dos envolvidos, mas também do ponto de vista coletivo, tendo em consideração o princípio da função social da empresa e o interesse social de que a condução dos assuntos referentes ao Direito Empresarial seja levada a cabo em conformidade com o devido processo legal, embora sem negar efetividade à atuação estatal de punir os empresários que cometam ilícitos penais.
Cabe frisar, ademais, que a doutrina nacional carece de estudos científicos no campo do direito penal falimentar, tendo em consideração que a gama majoritária de comentários parte de privatistas, de estudiosos do direito da empresa. Por outro lado, quando o exame é feito por processualistas penais, suas análises, na maioria das vezes, cingem-se a aspectos meramente procedimentais, não perscrutando os meandros materiais dos delitos falimentares. Por se posicionar na divisa entre o direito da empresa e o direito penal, o direito penal falimentar finda por ser negligenciado por estudiosos de ambos os ramos.
A metodologia empregada para a elaboração deste trabalho consistiu na pesquisa bibliográfica da doutrina nacional e na análise jurisprudencial de decisões relevantes para o estudo.
2 Desenvolvimento
Os direitos fundamentais possuem a natureza de norma constitucional, correspondendo aos valores mais básicos da sociedade e sendo dignos, portanto, de proteção privilegiada. Como leciona Marmelstein (2008, p. 236), o reconhecimento da supremacia dos direitos fundamentais tem como consectário: a) a inconstitucionalidade das normas infraconstitucionais que lhes forem incompatíveis; b) a não recepção de normas infraconstitucionais anteriores à Constituição e em desconformidade com eles; c) a necessidade de reinterpretar as leis anteriores ao atual texto constitucional, adequando-as aos novos parâmetros axiológicos escolhidos pelo constituinte.
Por meio do controle de constitucionalidade, mostra-se possível fiscalizar o respeito aos direitos fundamentais, que fornecem o substrato ético e a legitimidade material de todo o ordenamento jurídico. Desse modo, na hipótese de haver várias significações para a norma cuja constitucionalidade é impugnada, deve buscar-se o significado que apresente conformidade com as normas constitucionais. Afinal, consoante assinala o Ministro Humberto Gomes de Barros, nos autos do REsp 971.215, “[...] nenhuma interpretação pode levar à inconstitucionalidade da Lei. Cumpre, assim, ao hermeneuta retirar do texto legal um sentido que não o ponha em confronto com a Constituição”.
A técnica da interpretação conforme a Constituição pode acarretar a redução do texto impugnado. Assim, nos autos da ADI 1.127, o STF suspendeu a eficácia da expressão “ou desacato” prevista no Estatuto da OAB, concedendo à imunidade material dos advogados uma interpretação conforme o art. 133 da Constituição Brasileira. A interpretação conforme também pode ser efetivada sem redução do texto, de modo a conferir à norma impugnada determinada interpretação que lhe preserve a constitucionalidade. Nesses casos, o Estado-juiz decide que a norma apenas será considerada constitucional se adotado um sentido específico considerado compatível com o ordenamento constitucional. Por derradeiro, a técnica da interpretação conforme sem redução de texto pode ser empregada para excluir da norma impugnada uma certa interpretação incompatível com a Constituição Brasileira. Desse modo, o STF concedeu liminar na ADI 3.395 para que se suspendesse toda e qualquer interpretação que incluísse na competência da Justiça do Trabalho as causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.
O controle de constitucionalidade e a técnica da interpretação conforme aplicam-se também aos direitos fundamentais previstos em tratados internacionais, que nunca estiveram em tamanha evidência nas discussões jurídicas.
No cenário internacional o principio de proibição à auto-incriminação estabeleceu-se como direito fundamental inerente à pessoa humana, compondo sua dignidade. No Brasil, foram incorporados ao direito interno dois tratados internacionais que trazem o direito fundamental à não auto-incriminação. A um, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, incorporado pelo Brasil em 1991, prevê, a toda pessoa acusada de um delito, a garantia de “não ser obrigada a prestar declarações contra si própria nem a confessar-se culpada” (artigo 14.3.g). A dois, o Pacto de São José da Costa Rica, incorporado ao ordenamento nacional em 1992, prevê o mesmo direito no seu artigo 8.2.g.
Ao longo da história das instituições judiciais, a confissão gozou de bastante prestígio na tarefa de desvendar a verdade, o que, inclusive, ensejou a prática frequente de tortura a suspeitos. A melhor doutrina aponta que o direito de não produzir provas contra si mesmo em processos, quer de natureza civil ou penal, firma-se somente no período do Iluminismo (sec. XVIII). Nesse momento, marcado pelo antropocentrismo e pela racionalidade, defenderam-se os direitos naturais e repudiaram-se práticas de interrogatórios que fizessem do ser humano mero objeto (ALBANO, 2010, p. 93).
O direito à não auto-incriminação (nemo tenetur se detegere) abrange, atualmente, um efetivo direito a permanecer em silêncio. O acusado tem a faculdade de não se submeter ao interrogatório e permanecer calado diante das perguntas formuladas pela autoridade, sem que qualquer prejuízo possa decorrer dessa decisão. Ademais, o referido direito insere-se num contexto de valorização da dignidade da pessoa humana, com a promoção de outros direitos fundamentais materiais, como a integridade física e psíquica, a intimidade e a liberdade de autodeterminação, bem como as garantias processuais do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência.
Ressalte-se que o direito ao silêncio não se restringe ao inquérito policial e ao processo penal. Tem direito a permanecer calado todo indivíduo que participe de procedimento que se desenvolva perante o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário, a fim de evitar a produção de prova que, ulteriormente, possa ser utilizada em seu desfavor na esfera criminal. Explica Maria Elizabeth Queijo (2003, p. 196) que a proteção se dá em face da persecução penal presente ou futura, de modo que “a auto-incriminação do indivíduo poderá ocorrer em qualquer declaração ou depoimento prestado em sede administrativa, legislativa ou judicial, penal ou extrapenal”. Destarte, incide o direito ao silêncio também em processos de qualquer natureza, desde que presente a possibilidade de responsabilização criminal.
O reconhecimento do direito a não produzir provas contra si mesmo desdobra-se em diversas situações. Desse modo, qualquer situação que imponha o testemunho oral do sujeito passivo, no âmbito do processo penal ou fora dele, comporta o exercício do silêncio, podendo o depoente somente responder aquilo que não lhe comprometa ou incrimine. Não se mostra cabível que o silêncio seja interpretado como confissão, nem para constituir parte do elemento probatório, isto porque o silêncio configura, tão-somente, o não exercício da faculdade de ser ouvido, de forma voluntária. Não se pode obrigar a pessoa a falar, seja por tortura, pressão psicológica, ardil, ou qualquer outro meio (GOMES FILHO, 1997, p. 332).
No que toca ao fornecimento de padrões e participação em reproduções simuladas, é certo que o STF assevera que nenhuma pessoa está obrigada a contribuir ou cooperar sem prévio consentimento em produzir prova que possa lhe comprometer. Já no que se refere à apresentação de documentos e objetos, tem-se que, prima facie, ninguém está obrigado a, espontaneamente, apresentar documento ou objeto que possa comprometer ou prejudicar a própria situação. Corresponde a um sentimento natural do homem a vontade de não ser incriminado, não se concebendo possa ser alguém compelido a cooperar com o processo que pode implicar sua condenação na seara penal. A mesma conclusão se aplica quanto ao fornecimento de dados sigilosos, como os de movimentação de ativos em contas bancárias, das ligações telefônicas, de declarações de rendas e bens, e de correspondências.
O estudo do tipo penal que prevê o crime falimentar de indução a erro (art. 171 da Lei n. 11.101/05) enseja uma reflexão acerca dos limites do direito à não auto-incriminação. O referido dispositivo tipifica a conduta ilícita da seguinte forma: “Sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou de recuperação extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembleia-geral de credores, o Comitê ou o administrador judicial”.
A lei incrimina, portanto, a sonegação ou omissão de informações ou prestação de informações falsas no processo de falência, de recuperação judicial ou extrajudicial, com o fim de induzir a erro o juiz, o Ministério Público, os credores, a assembleia geral de credores, o comitê ou o administrador judicial. A sonegação ou omissão de informações constitui delito omissivo, enquanto a prestação de informações caracteriza crime comissivo. A lei protege, por meio dessa norma penal, a efetividade do processo de falência, de recuperação judicial ou extrajudicial, bem como o interesse dos credores em terem seus créditos satisfeitos.
Para Valdinei Cordeiro Coimbra (2005, p. 80), trata-se de crime próprio, eis que só pode ser realizado por pessoas ligadas ao processo falimentar, isto é, todos aqueles chamados a colaborar com o administrador judicial, prestando-lhe informações, como os representantes legais da sociedade empresária devedora, trabalhadores da empresa e terceiros que prestaram serviços a ela ou prestam durante o processo de falência ou recuperação e o próprio empresário devedor. Revela ainda o autor que se está diante de delito de tipo misto alternativo, de modo que a ocorrência de mais de uma conduta prevista no tipo não configurará mais de um crime.
A interpretação do tipo penal revela uma tensão entre valores: de um lado, há o direito à não auto-incriminação, extraído do texto constitucional e de tratados internacionais incorporados ao direito pátrio; de outro, o dever de prestar informações ao juízo falimentar e a tipificação como crime da conduta de sonegar ou omitir informações ou prestar informações falsas em processo falimentar.
O dever de prestar informações ao juízo falimentar apresenta nítida preocupação com a regularidade e efetividade dos processos de falência e recuperação. Dificuldades na condução desses processos acabam por repercutir nas relações sociais, pois as soluções passam a demorar mais do que o necessário, ou até mesmo não se consegue chegar à melhor resolução possível para os conflitos. Desse modo, o dever de prestar informações realiza o próprio princípio fundamental do valor social da livre iniciativa. Afinal, hodiernamente, a empresa não pode mais ser pensada como mera manifestação da liberdade de agir no mercado, como se o empresário fosse apenas um egoísta que busca o lucro a qualquer custo. O sucesso e a manutenção da atividade empresarial implicam benefícios para fornecedores, consumidores, empregados, o Fisco, enfim, para toda a coletividade, quer para a economia regional, quer para a vida local. Tem-se, assim, o princípio da preservação da empresa, como consectário do princípio da função social da empresa (MAMEDE, 2008, p. 160-161).
A interpretação literal do tipo penal falimentar de indução a erro não impede que a sua abrangência finde por ser bastante ampla, de modo a alcançar quaisquer informações que, embora relevantes, tenham deixado de ser apresentadas, assim como quaisquer informações que tenham sido prestadas com falsidade ideológica. Contudo, é preciso restringir os horizontes hermenêuticos surgidos após a mera interpretação gramatical. A conduta típica de sonegar ou omitir informações não pode alcançar também o empresário devedor que sonega ou omite dados que podem levá-lo à incriminação. Na tensão entre o princípio da vedação à auto-incriminação e o princípio fundamental do valor social da livre iniciativa, deve prevalecer a proteção à dignidade da pessoa que atua consoante o sentimento natural de evitar a condenação, não podendo ser obrigada a colaborar com o Estado-acusador. Afinal, o Direito Penal apresenta duras penas, com a possibilidade de cerceamento ao importantíssimo direito à liberdade. Por outro lado, o Estado possui outros meios de investigar e procurar tornar efetivo o processo falimentar, não se justificando tamanha invasão à esfera de direitos do cidadão.
Outrossim, o princípio da vedação à auto-incriminação encontra supedâneo no ordenamento constitucional-internacional, enquanto o dever de prestar informações ao juízo falimentar está previsto em lei ordinária. Resta patente, pois, a prevalência hierárquica da primeira norma sobre a segunda. Embora o referido dever possa ser derivado de princípios constitucionais, não se pode negar que a relação apresenta-se muito mais tênue e abstrata, eis que a Constituição apenas ressalta a importância da livre iniciativa e das atividades econômicas, havendo diversos meios de realizar esse princípio, enquanto, por outro lado, é expressa a proibição de que o cidadão seja punido por não fornecer informações incriminadoras.
A restrição legal a um direito fundamental deve ser proporcional, quer dizer, deve passar pelo chamado teste de proporcionalidade, mostrando-se, ao fim, adequada e necessária aos fins a que se destina, bem como proporcional em sentido estrito. A limitação que a Lei de Recuperações e Falências cria ao direito fundamental ao silêncio, numa interpretação literal, não atende ao postulado da proporcionalidade, pela argumentação já exposta.
No âmbito dos crimes tributários, existe discussão análoga à que aqui se trava. Sobre a celeuma, Hugo de Brito Machado (2008, p. 237-244) patenteia sua posição em favor do cidadão contribuinte, que não pode ser punido por não fornecer dados incriminadores ao Fisco, tendo em vista que o direito de não se auto-incriminar apresenta o status de direito fundamental, não podendo ser atingido por disposição de lei ordinária que prescreva o dever de informar ao Estado. Mutatis mutandi, a conclusão pode ser aplicada no estudo do crime falimentar de indução a erro.
Destarte, o direito ao silêncio pode elidir a ilicitude do crime falimentar de indução a erro, na modalidade omissiva, tendo em vista que qualquer lei, seja ordinária ou complementar, não pode tipificar a conduta do devedor que se nega a produzir prova contra si mesmo em processo falimentar, com o fim de evitar uma condenação na seara criminal. O mencionado direito de não produzir prova contra si mesmo está consubstanciado em dois tratados internacionais assinados pelo Brasil e devidamente incorporados, assim como está em consonância com o ordenamento constitucional. Em contrapartida, como já se mencionou, o Estado dispõe de outros meios para buscar a prova independentemente da cooperação do réu, indiciado ou suspeito.
Sendo assim, certas interpretações dadas ao dispositivo serão inconstitucionais e outras serão constitucionais. Portanto, não se faz necessário declarar a inconstitucionalidade do dispositivo como um todo, mas apenas de certas e determinadas interpretações. Como visto anteriormente, o mecanismo adequado para excluir certas possibilidades de interpretação de um dispositivo, de modo a salvaguardar a ordem constitucional, é o controle de constitucionalidade por meio da técnica da interpretação conforme. No caso, a interpretação conforme será feita sem redução do texto, excluindo-se as interpretações que punam criminalmente o empresário devedor ou seus auxiliares por deixar de prestar informações potencialmente incriminadoras, eis que se encontram-se acobertados pelo direito de não produzir provas contra si mesmos.
Por outro lado, quanto à parte da norma que dispõe sobre a conduta de “prestar informações falsas”, não se revela cabível o emprego da técnica da interpretação conforme para proteger aquele que proferiu declarações mendazes.
Em primeiro lugar, é de se distinguir entre prestar declarações falsas e não prestar declarações: no primeiro caso, o sujeito age (facere), atuando concretamente para falsear a realidade; no segundo caso, o sujeito evita o cometimento do crime de falsidade e a auto-incriminação por um crime anterior, não apresentando declaração nenhuma (non facere). Apenas a segunda hipótese encontra-se acobertada pelo direito à não-incriminação ou direito ao silêncio.
O nosso ordenamento não impõe ao réu a obrigação de dizer a verdade por ocasião do interrogatório e, ao definir o crime de falso testemunho, não menciona o acusado. Entretanto, não se pode afirmar que exista propriamente um direito à mentira, decorrente do direito de não produzir provas contra si mesmo ou do direito ao silêncio.
As declarações falsas do réu no processo penal em geral não são puníveis apenas por uma razão de política criminal, de escolha pela não tipificação da conduta. Essa tolerância não se confunde com direito subjetivo, de modo que resta plenamente viável que a lei ordinária preveja o dever de que o acusado, caso deseje falar, faça apenas declarações verdadeiras (HADDAD, 2005, p. 180-185). Assim, nada impede que uma norma específica, como a Lei de Recuperações e Falências, opte por tipificar a conduta daquele que presta declarações falsas, ainda que com o objetivo de esconder informações incriminadoras.
Portanto, tem-se por constitucional a parte do tipo penal falimentar de indução a erro que prevê a conduta comissiva de declarar inverdades, ainda que o sujeito tenha pretendido evitar que um crime seu fosse desvendado, tendo em vista a maior lesividade e reprovabilidade da ação, assim como a não abrangência do direito de não produzir provas contra si mesmo aos atos comissivos de prestação de informações falsas.
A crescente constitucionalização dos debates jurídicos, no fim do século passado, ocasionou a ascensão institucional do Poder Judiciário e uma expressiva judicialização de questões políticas e sociais.
A jurisdição transformou-se na instância decisória final de problemas de alto impacto para a vida das pessoas. A Constituição consagrou-se como o terreno onde são semeadas as mais sinceras esperanças de uma realidade melhor. Os juízes passaram a lidar com a responsabilidade de resolver certas demandas com base em princípios, tão próximos do ideal de justiça e do esplendor da vida humana.
Para o século XXI, resta a missão de superar a análise meramente formalista do ordenamento constitucional e voltar os olhares para o conteúdo ético das normas constitucionais. Trata-se de um universo de múltiplas possibilidades, cuja exploração adequada pode ir progressivamente minimizando o sentimento de frustração constitucional experimentado pela sociedade, diante da pouca efetividade de boa parte do que está escrito na Constituição.
Este estudo procurou contribuir, ainda que limitadamente, para a empreitada em prol de uma valorização do ordenamento constitucional, protetivo dos direitos fundamentais dos cidadãos. Concluiu-se que o tipo penal falimentar de indução a erro enseja uma discussão a respeito da ponderação entre o direito fundamental à não auto-incriminação e o dever de prestar informações ao juízo falimentar. Demonstrou-se que não seria proporcional que o tipo atingisse a conduta do empresário devedor e de seus auxiliares que deixassem de prestar informações incriminadoras, eis que estão acobertados pelo direito ao silêncio, extraído da Constituição Brasileira e de tratados internacionais incorporados ao direito interno. Assim, necessária uma interpretação conforme do referido dispositivo, para excluir tais possibilidades de interpretação. Por fim, sustentou-se que o mencionado direito fundamental não abrange um direito à mentira, de modo que devem ser punidos criminalmente todos aqueles que atuem no sentido de prestar informações falsas para acarretar erro dos envolvidos no processo falimentar, ainda que a intenção seja evitar que uma conduta criminosa anterior seja desvelada.
ALBANO, Wladimyr Mattos. As declarações tributárias obrigatórias e o direito de não produzir provas contra si mesmo (Dissertação de Pós-Graduação em Direito Público e Tributário). Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro, 2010.
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Advogado da União. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Foi Analista Processual do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e Técnico Judiciário da Justiça Federal no Ceará (JFCE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAPISTRANO, Marcio Anderson Silveira. O direito de não produzir provas contra si mesmo e o crime falimentar de indução a erro: uma necessária interpretação conforme o ordenamento constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jan 2013, 07:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33719/o-direito-de-nao-produzir-provas-contra-si-mesmo-e-o-crime-falimentar-de-inducao-a-erro-uma-necessaria-interpretacao-conforme-o-ordenamento-constitucional. Acesso em: 22 nov 2024.
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