O Código de Processo Civil, em seu artigo 467, apresenta a definição da coisa julgada material, descrevendo-a como a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
A coisa julgada é o atributo conferido à sentença judicial contra a qual não cabem mais recursos, e que passa, com isto, a se tornar imutável e impassível de discussão. A formação da coisa julgada está associada à ideia de conclusão do processo e de inatacabilidade do que nele ficou decidido.
A origem do instituto da coisa julgada, hoje presente em quase todos os sistemas de direito ocidentais, remonta ao direito romano (res judicata), e a principal justificativa para a sua existência era de ordem prática e consistia na necessidade de pacificação social e da certeza do final do processo.
Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, a coisa julgada provém do latim, em suas palavras:
A expressão coisa julgada deriva da expressão latina ‘res iudicata’, que significa bem julgado. O resultado final do processo de conhecimento normalmente atribui um bem jurídico a alguém. Define-se, assim, uma situação jurídica, estabelecendo-se a sua titularidade, passando esta definição, por causa da coisa julgada material, a ser imutável, razoavelmente estável ou marcadamente duradoura.[1]
Nos dias atuais a coisa julgada tem como principais finalidades as de conferir segurança jurídica e de impedir a perpetuação dos litígios no tempo, na medida em que põe termo à apreciação judicial de uma determinada lide. A sociedade precisa de estabilidade nas relações sociais, de paz social, razão pela qual uma controvérsia não pode se prolongar infinitamente sem resposta que não possa ser modificada. Nas palavras de Teresa Arruda e José Miguel Garcia:
O princípio da segurança jurídica é elemento essencial ao Estado Democrático de Direito, e desenvolve-se, consoante escreve José Joaquim Gomes Canotilho, em torno de dois conceitos basilares: o da estabilidade das decisões dos poderes públicos, que não podem ser alteradas senão quando concorrerem fundamentos relevantes, através de procedimentos legalmente exigidos; o da previsibilidade, que ‘se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos’. [2]
Ainda, de acordo com Marinoni e Arenhart:
Eternizar-se a solução do conflito, na busca de uma verdade que, em sua essência, jamais será possível dizer estar atingida, constitui certamente algo inaceitável, mormente em se considerando o perfil das relações sociais e econômicas da sociedade moderna. É, por isso, realmente indispensável colocar, em determinado momento, um fim ao litígio submetido à apreciação jurisdicional, recrudescendo a decisão judicial adotada. A esse momento corresponde a coisa julgada. [3]
No mesmo sentido, é a lição de Eduardo Talamini, que assim defende a função da coisa julgada:
De resto, a coisa julgada, com a função pragmática de “imunizar decisões”, é instituto que se coaduna com o discurso de eficiência de resultados. À parte sua conotação de garantia individual, a coisa julgada também desempenha papel relevante na racionalização da atuação estatal: dispensa os órgãos jurisdicionais de ter de trabalhar mais de uma vez sobre o mesmo objeto.[4]
A doutrina diferencia a coisa julgada formal da material. Quando há o trânsito em julgado da sentença em que houve análise de mérito, além da formação da coisa julga formal, que consiste na preclusão máxima que põe fim à relação de Direito Processual, há também o aparecimento da coisa julgada material, que é definida pela doutrina de Liebman, como a qualidade que torna imutável os efeitos externos gerados no mundo dos fatos pela decisão jurisdicional.
De acordo com o ilustríssimo mestre Humberto Theodoro Júnior:
Para todo recurso a lei estipula prazo certo e preclusivo, de sorte que, vencido o termo legal, sem manifestação do vencido, ou depois de decididos todos os recursos interpostos, sem possibilidade de novas impugnações, a sentença torna-se definitiva e imutável.
Enquanto pende o prazo de recurso, ou enquanto o recurso pende de julgamento, a sentença apresenta-se apenas como um ato judicial, ato do magistrado tendente a traduzir a vontade da lei diante do caso concreto.
A vontade concreta da lei, no entanto, ‘somente pode ser única’. Por isso, ‘somente pelo esgotamento dos prazos de recursos, excluída a possibilidade de nova formulação, é que a sentença, de simples ato do magistrado, passará a ser reconhecida pela ordem jurídica como a emanação da vontade da lei. (...)
Ocorrerá, então, o transito em julgado, tornando o decisório imutável e indiscutível. [5]
Nos casos em que não há possibilidade do magistrado decidir a situação em litígio, ou seja, o mérito, como acontece nas hipóteses previstas no art. 267 do Código de Processo Civil, não há a formação da coisa julgada material, apenas da formal, hipótese em que o interessado não pode mais discutir a lide naquele processo, mas pode recomeçar a discussão em uma nova ação judicial.
O doutrinador Vicente Greco Filho dispõe acerca da formação da coisa julgada da seguinte forma:
A sentença, uma vez proferida, torna-se irretratável, ou seja, o juiz não pode modificar a prestação jurisdicional, mas a parte pode pedir seu reexame, utilizando-se do recurso adequado, em geral dirigido a outro órgão jurisdicional. Quando estiverem esgotados os recursos previstos na lei processual, ou porque foram todos utilizados e decididos, ou porque decorreu o prazo de sua interposição, ocorre a coisa julgada formal, que é a imutabilidade da decisão dentro do mesmo processo por falta de meios de impugnação possíveis, recursos ordinários ou extraordinários. Todas as sentenças, em certo momento, fazem coisa julgada formal. [6]
Os doutrinadores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart assim lecionam acerca da coisa julgada formal e material:
Quando se alude à indiscutibilidade da sentença judicial fora do processo, portanto em relação a outros feitos judiciais, o campo é da coisa julgada material, que aqui realmente importa e constitui, verdadeiramente, o âmbito de relevância da coisa julgada. Já a indiscutibilidade da decisão judicial verificada dentro do processo remete à noção de coisa julgada formal. A coisa julgada formal, como se nota, é endoprocessual, e se vincula à impossibilidade de rediscutir o tema decidido dentro da relação jurídica processual em que a sentença foi prolatada. Já a coisa julgada material é extraprocessual, ou seja, seus efeitos repercutem fora do processo. [7]
Fazendo uma análise do trecho transcrito, conclui-se que os autores defendem que a coisa julgada formal consiste na preclusão, ou seja, na perda de uma faculdade processual.
Em outro trecho Marinoni e Arenhart concluem:
Por isso mesmo, a chamada coisa julgada formal, em verdade, não se confunde com a verdadeira coisa julgada (ou seja, com a coisa julgada material). É, isto sim, um modalidade de preclusão, a última do processo de conhecimento, que torna insubsistente a faculdade processual de rediscutir a sentença nele proferida. [8]
O que se torna imutável na sentença é apenas a sua parte dispositiva ou, sua conclusão, tendo em vista que, apesar de existir uma sentença que não pode ser modificada, os fatos que a ensejaram podem se alterar. Assim, segundo Marinoni e Arenhart, não são todos os efeitos da sentença que se tornam imutáveis, visto que somente o seu conteúdo declaratório é que será coberto por essa característica. Em suas palavras:
Se a coisa julgada representa a imutabilidade decorrente da formação da lei do caso concreto, se ela representa a certificação dada pela jurisdição a respeito da pretensão de direito material exposta pelo autor, somente isso é que pode transitar em julgado. Somente o efeito declaratório é que pode, efetivamente, tornar-se imutável em decorrência da coisa julgada.
Deixe-se claro, porém, que todas as sentenças têm mais de uma eficácia (e, portanto, podem gerar mais de um efeito), sendo sua classificação feita com base na eficácia preponderante, porém não exclusiva. Portanto, todas as sentenças têm algo de declaratório. Assim, quando se diz que a coisa julgada material incide sobre o efeito declaratório, deseja-se – em primeiro lugar – afirmar que a coisa julgada material toca no elemento declaratório das sentenças declaratórias, condenatórias, constitutivas, executivas e mandamentais – e não apenas na ‘declaração’ própria da sentença declaratória – projetando para fora do processo um efeito declaratório imutável...cia (e, portanto, podem gerar mais de um efeito), sendo sua classificaçites assinalados por lei ao seu exerc[9]47474747474747474747474747474747474747
Tendo em vista o exposto, é possível concluir que na sentença, somente a parte em que se diz o direito, ou seja, a parte dispositiva, é que adquire a imutabilidade proveniente do instituto da coisa julgada. Os fundamentos e os motivos que levaram o julgador a tomar tal decisão não são abarcados pelo instituto em questão, vez que podem se modificar após a decisão. Assim, está disposto nos arts. 468 e 469 do Código de Processo Civil Brasileiro.
A coisa julgada possui dois efeitos prioritários, denominados de negativo e positivo, o primeiro se relaciona ao fato de que, depois de transitada em julgado a sentença de mérito, e, não sendo causa de ação rescisória, outro juiz não mais poderá apreciar a questão já decidida, mesmo que alguma das partes envolvidas no conflito requeira nova discussão ajuizando ação com tal intuito. Porém, será necessário que se esteja tentando rediscutir o mesmo caso concreto que já está sob o manto da coisa julgada, possuindo ele, portanto, as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir. Se houver modificação da situação fática que levou o magistrado a proferir determinada sentença, já não será mais o mesmo caso concreto e haverá, portanto, nova possibilidade de apreciação por parte do judiciário.
Por outro lado, o efeito positivo da coisa julgada vincula os juízes que tenham sob sua apreciação causas subseqüentes àquela que transitou em julgado, e as partes envolvidas no litígio, obrigando-os a respeitar o que está contido na sentença da causa já decidida. Porém, somente o que foi analisado e decidido pelo magistrado na controvérsia colocada sob sua apreciação é que poderá ser alcançada pelo instituto da coisa julgada, nas palavras de Humberto Theodoro Júnior:
Se o juiz, por descuido, não resolveu um dos pedidos, a coisa julgada só se estabelecerá sobre a questão decidida.
(...)
Quanto àquele que não foi apreciado na sentença, ficará livre à parte o direito de renová-lo em outra ação, posto que nosso direito desconhece julgamentos presumidos ou implícitos. Sá as premissas da conclusão do julgado é que se têm por decididas, nos termos do art. 474. [10]
Nesse sentido, deve também ser esclarecido que somente as partes envolvidas no litígio é que estão diretamente vinculadas à decisão que transitou em julgado, não podendo mais discutir a mesma lide em outro processo. Por outro lado, os terceiros, sendo interessados ou não no feito, não estão presos à coisa julgada, podendo discutir a controvérsia em questão em outro processo, desde que tenha sofrido prejuízo jurídico decorrente da sentença.
Bibliografia
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Vol. 2. 17ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006.
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2005.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. I. 41ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
[1] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.20.
[2] WAMBIER, Op. Cit., p.22.
[3]MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 631.
[4] TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. 1ª edição. São Paulo Revistas dos Tribunais, 2005, p. 63.
[5] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. I. 41ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.481-482.
[6] GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Vol. 2. 17ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006, p.274.
[7]MARINONI, Op. cit., p.628.
[8] IBIDEM, mesma página.
[9] MARINONI, Op. cit., p. 633.
[10] THEODORO JUNIOR, Op. cit., p.496.
Procuradora Federal; Procuradora-chefe da Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais; Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Ivana Roberta Couto Reis de. Coisa julgada: breve síntese Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 fev 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33762/coisa-julgada-breve-sintese. Acesso em: 22 nov 2024.
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