O artigo 471, inciso I, do Código de Processo Civil estabelece que não será possível a nenhum magistrado decidir novamente um litígio já finalizado, relativo à mesma controvérsia, com as mesmas partes, o mesmo pedido e a mesma causa de pedir, ressalvada as hipóteses em que há relação de trato sucessivo (de continuidade) em que há a possibilidade de haver a modificação da situação de fato ou de direito.
A este respeito, oportuno trazer os ensinamentos do Professor Vicente Greco filho, para quem:
Todavia, o momento em que ocorre a coisa julgada e as condições de sua efetivação dependem da lei processual e da lei material, mesmo porque há relações jurídicas que, dada a sua natureza, impõem a possibilidade de revisão, como as acima referidas, de modo que as sentenças, nesses casos, são dadas rebus sic stantibus (segundo as condições da situação no momento em que são proferidas). [1]
Em assim sendo, forçoso concluir-se que há determinadas decisões judiciais que estão protegidas pelo instituto da coisa julgada, mas podem vir a ser modificadas em um momento futuro, tendo em vista que o próprio comando sentencial é proferido levando em consideração o contexto fático do momento, de maneira que se sobrevier alteração na situação de fato que serviu de base para a sentença, o conteúdo mandamental da sentença tem que se alterado, o que não se dá por meio da alteração da decisão que transitou em julgado, mas por meio de um novo título judicial.
O mestre Humberto Theodoro Júnior expõe a situação acima apresentada nos seguintes termos:
Isto se dá naquelas situações de julgamento rebus sic stantibus, como é típico o caso de alimentos. A sentença, baseando-se numa situação atual, tem sua eficácia projetada sobre o futuro. Como os fatos que motivaram o comando duradouro da sentença podem se alterar ou mesmo desaparecer, é claro que a eficácia do julgado não deverá perdurar imutável e intangível. Desaparecida a situação jurídica abrangida pela sentença, a própria sentença tem que desaparecer também. Não se trata, como se vê, de alterar a sentença anterior, mas de obter uma nova sentença para uma situação também nova. [2]
Destaque-se que, respeitadas as opiniões em sentido contrário, a sentença proferida para solucionar conflitos em relações jurídicas continuativas também transita em julgado, pois há a preclusão das vias recursais, e se assim não o fosse estas sentenças estariam sujeitas a diversos meios de impugnação sem limite temporal, o que comprometeria a necessária segurança jurídica. Nem nas hipóteses de cabimento de ações revisionais há que se falar em exceção à coisa julgada.
Neste contexto, há relações jurídicas que por não serem estáticas projetam-se no tempo, sendo de trato sucessivo, a exemplo do que se dá com as relações decorrentes do dever de prestar alimentos e as relacionadas com os benefícios previdenciários por incapacidade. Para estes últimos, a própria lei que rege a sua concessão prevê a revisão, por parte do INSS, após determinado tempo. Este poder-dever de revisão por parte da Autarquia Previdenciária independe do fato que ensejou a concessão do benefício, seja uma determinação judicial, ou o reconhecimento do direito do segurado pela própria administração.
A faculdade de revisar os benefícios por parte do INSS, em se tratando de benefício concedido em cumprimento de determinação judicial, só pode ser exercida se sobrevier alteração no substrato fático que serviu de base para a sentença, sendo defeso à Autarquia cessar a prestação enquanto permanecerem as condições que ensejaram a decisão, que não poderá ser modificada, sob pena de, se assim o fizer, ofender a coisa julgada.
Veja a lição do professor Fredie Souza Didier Júnior sobre a sentença com cláusula rebus sic stantibus:
A lei admite a revisão da sentença, embora transitada em julgado, por haver sobrevindo modificação no estado de fato ou de direito, por meio da chamada ação de revisão. A nova sentença não desconhece nem contraria a anterior. Sucede que toda sentença preferida em tais situações contêm em si a cláusula ‘rebus sic stantibus’, adaptando-se ao estado de fato e ao direito supervenientes. A sentença fará coisa julgada material normalmente. [3]
Sobre o assunto, segue a lição dos juristas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
A sentença espelha os fatos e o direito que serviram como seus fundamentos, de maneira que, alterados os fatos ou o direito, modificada estará a causa de pedir, e por conseqüência a ação. Em outros termos: a alteração das circunstâncias de fato constitui alteração da causa de pedir, formando outra (nova) ação e abrindo ensejo a outra (nova) coisa julgada. (...) Portanto, não é correto dizer, apenas porque as circunstâncias que fundaram a sentença podem variar, que não se forma coisa julgada em relação a ela, ou, o que é pior, que esta não transita em julgado. Não há aqui que se falar em ofensa á coisa julgada, já que a nova ação (proposta com base em nova causa de pedir) ainda não foi examinada pela jurisdição. [4]
Neste sentido, se houver uma mudança na situação de fato ou de direito refletidas na sentença, consequentemente haverá a mudança na causa de pedir, fato que possibilitará o ajuizamento de uma nova ação com vistas a solucionar o novo conflito instalado.
Nas hipóteses de sentença concessiva do benefício de auxílio-doença, ou mesmo de aposentadoria por invalidez, o dever de revisão por parte da Autarquia Previdenciária consta da própria lei, sendo dispensável o ajuizamento de ação revisional pelo INSS. O fato do deferimento do benefício ser decorrente de condenação judicial não constitui óbice à revisão, já que não há que se falar em ofensa à coisa julgada.
O poder-dever de revisar o benefício não pode ser exercido de forma arbitrária ou discricionária pelo INSS. A autarquia não pode imotivadamente suspender o pagamento do benefício deferido judicialmente, não podendo fazê-lo mesmo que a concessão tenha se dado na esfera administrativa, se ainda permanecem as os requisitos que impõem a manutenção. Não poderá, ainda, discordar dos critérios que a decisão judicial assumiu, por entender que determinada doença não incapacita o segurado. O Instituto deverá observar o devido processo legal, assegurando o contraditório e a ampla defesa ao segurado, comunicando a deliberação da administração.
Diante do exposto, se sobrevier alteração na situação de fato que ensejou a concessão do benefício, é obrigação do INSS, enquanto ente integrante da Administração Pública e, deste modo, subordinado ao princípio da legalidade, determinar a imediata cessação do benefício, não representando essa ação qualquer ofensa ao instituto da coisa julgada.
BIBLIOGRAFIA
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BRASIL. Lei 8212, de 24 de julho de 199. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial da União de 25/07/1991, P.14826.
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GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Vol. 2. 17ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006.
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MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Previdenciário. Agravo de Instrumento. Auxílio-doença. Agravo de Instrumento n.°1.0394.03.033846-8/003.17ª Câmara Cível. Agravante: INSS Instituto Nacional do Seguro Social – Agravado: José Carlos Eufrasio de Souza. Relatora: Desembargadora Márcia de Paoli Balbino.Belo Horizonte, 27 de agosto de 2009. Disponível em http://www.tjmg.jus.br. Acesso em Junho de 2010.
TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2005.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. I. 41ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
[1] GRECO FILHO, Op. cit., p.276.
[2] THEODORO JUNIOR, Op. cit., p.503.
[3]DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza. Cognição, construção de procedimentos e coisa julgada: os regimes de formação da coisa julgada no direito processual civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3202>. Acesso em: 22 maio 2010.
[4] MARINONI, Op. cit., p.643.
Procuradora Federal; Procuradora-chefe da Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais; Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Ivana Roberta Couto Reis de. Da cláusula rebus sic stantibus e a coisa julgada nos benefícios por incapacidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 fev 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33787/da-clausula-rebus-sic-stantibus-e-a-coisa-julgada-nos-beneficios-por-incapacidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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