Sempre me causou certo incômodo, até mesmo pairando a fúria, a forma como pessoas revestidas de autoridade que desempenham cargos públicos se posicionavam perante outros “simples mortais” com um misto de arrogância e a altivez. É como se fosse uma prática aprendida nos cursos de formação ou até mesmo nos estágios probatórios onde se incutia, nestes agentes estatais, a forma pluralizada de persuadir, coagir e intimidar outros. E o modus operandi é quase sempre o mesmo: palavras ríspidas e atitudes abusivas.
Concomitantemente a essa escabrosa realidade, temos cidadãos cada vez mais acuados em face dessa nebulosa prática. E o mais preocupante de tudo é a passividade e uma inquietante inércia com que aceitamos isso. Digo “aceitamos”, pois, inconscientemente, acabamos entendendo ser normal a forma como, por exemplo, somos abordados por alguns péssimos policiais (diga-se de passagem, uma minoria) que desconhecendo a presunção de inocência, o devido processo legal e o respeito a dignidade da pessoa humana, princípios estes tutelados no louvável art. 5º da Constituição Federal.
Não estou aqui para afirmar que tais práticas são fatos isolados dos agentes públicos, como se na iniciativa privada não acontecesse de igual modo ou até mesmo pior. Meu escopo nos agentes públicos se dá pela forma com que estes tutelam sua arrogância. Por exemplo, sempre me perguntei, ao adentrarem uma repartição pública, o porquê daqueles avisos em forma de aviso que nos alertam do perigo de: “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa. Art. 331, Código Penal Brasileiro”.
Guardada as devidas proporções, me sentia como se me deparasse diante de uma residência com um aviso enorme de: “cuidado! cão bravo”. Aqueles, mesmos que o Direito Penal trata como ofendiculos, atribuindo-lhe significado de meios de defesa instalados para proteção da propriedadeque nos alertam dos perigos. Ao contrário disso, nunca me deparei com a literatura dos artigos, do nosso código repressivo, que tratam dos crimes praticados por funcionários públicos, com o do artigo 312, do Código Penal, que trata do crime de peculato em suas várias formas. Art. 316, que trata do crime de concussão. Não se encontra o que preconiza o Art. 317, do mesmo diploma legal, que aduz sobre o crime de corrupção passiva, muito menos os de prevaricação, encontrado no art. 319. Nesse sentido, necessário se faz mencionar o entendimento do ilustre Rogerio Greco (Curso de Direito penal, 2007, pag. 399) que preconiza,in verbis:
Apesar do gradativo processo de desmoralização pelo qual as autoridades públicas vêm passando nos últimos anos, fato é que, em muitos casos, ainda subsiste aquilo que é evidenciado por meio da expressão latina metus publicae potestatis, que traduz a situação em que o cidadão atua com reverência e temor quando está diante de uma autoridade pública.
Geralmente, causa certo desconforto ao cidadão de bem está diante de uma autoridade pública. Imagine-se o fato de ser inquirido por uma autoridade policial, por um juiz de direito, no gabinete do Ministério Público, ou ser atuado por um fiscal. Querendo ou não, são situações que demonstram a força da autoridade legalmente constituída.
Muitos, infelizmente, abusam de sua autoridade. Dessa forma quando ultrapassam os limites impostos pela lei, seu comportamento pode, até mesmo, se configurar em uma infração penal.
Tentei, empiricamente, após refletir sobre a leitura desse trecho, desvendar as profundezas dessa problemática e pude “mergulhar” no que esse o brocado em latim metus publicae potestatis, tem a nos dizer e como ele se configura em nosso cotidiano. Em síntese, é a conduta típica é exigir, impor como obrigação, ordenar, reclamar vantagem indevida, solicitar, coagir, aproveitando-se o agente público da sua condição de “autoridade”. Ou seja, o cidadão muitas vezes desconhecedor de seus direitos, intimidado pela prepotência revestida de agente público, temendo represálias e qualquer outro tipo de arbitrariedade, ficando literalmente nas mãos destes.
Concluir que a gênese dessa problemática pode estar relacionada ao legado de submissão que o processo de colonização nos deixou. Não estou afirmando que somos inferiores intelectualmente aos norte-americanos, por exemplo, que provaram de uma colonização de ocupação pelos ingleses. O que advogo é a forma que nos posicionamos diante de fatos simples, diários e costumeiros em que testemunhamos atitudes ultrajantes de desmoralização pública a que cidadãos são submetidos e, simplesmente, nada fazemos.
Sobre tal aspecto, merece ser trazido à baila o excelente magistério da Professora Dra. Maria Luisa Sprovieri Ribeiro (1998, p. 37), que expondo de forma bastante incisiva, relata sobre a submissão que predominou sobre o Brasil, ainda colônia de Portugal, afirmando que:
A estrutura social do Brasil-Colônia já foi caracterizada como sendo organizada à base de relações predominantemente de submissão. Submissão externa em relação à metrópole, submissão interna da maioria negra ou mestiça (escrava ou semi-escrava) pela minoria ‘branca’ (colonizadores). Submissão interna refletindo-se não só nas relações de trabalho como também nas relações familiares [...].
Portanto, afirmar que a submissão, reverência e temor que cidadãos comuns se impõem diante de certas autoridades possa ser um legado das práticas empreendidas pela exploração do império, em nossa experiência colonial, ainda é prematuro e será objeto de bastantes divergências. Porém,que existe um nexo entre o que se deu nesse período e o que vimos nos dias atuais, isso é latente. Ainda testemunharemos muitos agentes estatais agindo como se fossem “amigos do Rei”, reinando e saindo incólumes das suas arbitrariedades. Tratando-nos como se fôssemos colonos a serviço da realeza e a seu bel-prazer.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: Parte Especial. 8ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007. vol. IV
RIBEIRO, M. L S. História da educação brasileira: a organização escolar. 15a.ed. rev. e ampl. Campinas: Autores Associados, 1998.
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