O presente artigo tem como objetivo discutir a tipicidade, após a modificação legislativa operada pela Lei nº 12.015/2009, da conduta do agente que mantém relações sexuais com adolescente, maior de 14 (catorze) anos, que se encontra submetido à prostituição.
Pois bem, até o advento do sobredito diploma normativo, a conduta daquele que submetia criança ou adolescente à prostituição encontrava-se prevista no art. 244-A, da Lei nº 8.069/90, nos seguintes termos:
Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual:
Pena - reclusão de quatro a dez anos, e multa.
§ 1o Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique a submissão de criança ou adolescente às práticas referidas no caput deste artigo.
§ 2o Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.
Verifica-se, com isso, que somente foram elencados como sujeito ativo do mencionado crime o agente que efetivamente submete o menor à prostituição, popularmente conhecido como cafetão, bem como o proprietário, gerente ou responsável pelo local onde se constatava o evento delitógeno, o que levou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça a considerar atípica a conduta do cliente que procurava a prática sexual:
CRIMINAL. ART. 244-A DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. CONFIGURAÇÃO. CLIENTE OU USUÁRIO DO SERVIÇO PRESTADO PELA INFANTE JÁ PROSTITUÍDA E QUE OFERECE SERVIÇOS. NÃO ENQUADRAMENTO NO TIPO PENAL. DESCONHECIMENTO DA IDADE DA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE DOLO. RECURSO DESPROVIDO.
I. O crime previsto no art. 244-A do ECA não abrange a figura do cliente ocasional, diante da ausência de "exploração sexual" nos termos da definição legal.
II. Hipótese em que o réu contratou adolescente, já entregue à prostituição, para a prática de conjunção carnal, o que não encontra enquadramento na definição legal do art. 244-A do ECA, que exige a submissão do infante à prostituição ou à exploração sexual.
III. Caso em que a adolescente afirma que, argüida pelo réu acerca de sua idade, teria alegado ter 18 anos de idade e ter perdido os documentos, o que afasta o dolo da conduta do recorrido.
IV. A ausência de certeza quanto à menoridade da "vítima" exclui o dolo, por não existir no agente a vontade de realizar o tipo objetivo. E, em se tratando de delito para o qual não se permite punição por crime culposo, correta a conclusão a que se chegou nas instâncias ordinárias, de absolvição do réu.
V. Recurso desprovido.
(REsp 884.333/SC, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 10/05/2007, DJ 29/06/2007, p. 708)
Entretanto, merece registro que a Lei nº 12.015/2009 introduziu ao Código Penal o art. 218-B, mantendo todas as condutas já previstas no art. 244-A, do ECA, assim como incriminando outros atos, conforme se constata a partir de sua leitura:
Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
§ 2o Incorre nas mesmas penas:
I - quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos na situação descrita no caput deste artigo;
II - o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifiquem as práticas referidas no caput deste artigo.
§ 3o Na hipótese do inciso II do § 2o, constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento.
Dessa maneira, tendo a norma posterior regulado inteiramente, e até de forma mais completa, a matéria de que tratava a lei anterior, nos termos do art. 2º, §1º, da LINDB, impõe-se concluir ter havido a revogação tácita do art. 244-A, do ECA, mantendo, contudo, a criminalização das condutas nele descritas, por força do princípio da continuidade normativo-típica.
Ressalte-se, por oportuno, que dentre as condutas acrescidas pela modificação legislativa encontra-se a prática de relação sexual com menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (catorze) anos, submetido à prostituição, que até então era considerada atípica, nos termos de precedente do STJ, cuja ementa fora colacionada parágrafos acima.
Sendo assim, inobstante o posicionamento da Colenda Corte de Cidadania acerca do revogado art. 244-A, do ECA, a partir de 10 de agosto de 2009, com a entrada em vigor da Lei nº 12.015/09, tanto o cafetão, como o cliente ocasional de adolescente maior de 14 (catorze) anos, submetido à prostituição, respondem pelo crime previsto no art. 218-B, do Código Penal.
Bibliografia:
BARROS, Guilherme Freire de Melo. Estatuto da Criança e do Adolescente. Salvador: Editora Juspodivm, 2010.
CUNHA, Rogério Sanches. Direito Penal, Parte Especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
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