Resumo: Ao trazer medidas cautelares menos gravosas do que a prisão, a Lei 12.403 de 2011 reavivou a divergência doutrinária e jurisprudencial a respeito do poder geral de cautela no processo penal. A partir desse contexto, surge a discussão sobre a validade das cautelares atípicas do Direito Processual penal Brasileiro.
Palavras-Chave: Lei 12.403/2011 – Cautelares Inominadas – Poder Geral de Cautela.
1. Introdução.
A Lei 12.403/11 alterou o Código de Processo Penal com o principal objetivo de originar medidas cautelares pessoais menos gravosas do que a prisão. Nesse turno, as cautelares pessoais, aquelas adotadas contra o investigado-acusado durante as investigações ou no curso do processo que acarretam algum grau de sacrifício à sua liberdade, deixam de ficar legalmente restritas às prisões.
Com a referida mudança legislativa, o artigo 319 do CPP passou a prever nove medidas cautelares diversas da prisão, quais sejam: comparecimento periódico em juízo, proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, proibição de manter contato com pessoa determinada, proibição de ausentar-se da Comarca, suspensão do exercício de função pública, recolhimento domiciliar, internação provisória do acusado, fiança e monitoração eletrônica.
Por essa leitura é perceptível o fim de uma bipolaridade entre prisão e liberdade provisória, já que o juiz também terá à disposição essas novas medidas cautelares. A ampliação desse rol traz a prisão como ultima ratio, evita a segregação do agente e fulmina com todos esses efeitos deletérios que uma segregação social acaba por produzir.
O advento legislativo dessas inúmeras cautelares diversas da prisão faz pensar se o juiz pode criar ainda mais medidas ou se o rol passou a ser taxativo. É nesse diapasão que surge a necessidade de averiguarmos a existência do poder geral de cautela no Processo Penal, ou seja, a validade daquele poder do juiz de criar medidas cautelares inominadas atípicas.
2. A aplicação do poder geral de cautela no processual penal: posições contrárias e favoráveis.
A posição aderente às cautelares pessoais inominadas era adotada pelo STF[1] e a pela 5ª turma do STJ. O fundamento adotado repousa na teoria dos poderes implícitos, nesse sentido, quem pode o mais, também poderia o menos. Assim, se o nosso ordenamento prevê expressamente a prisão preventiva que seria uma constrição cautelar da liberdade no seu grau máximo, nada impediria que o juiz pudesse impor ao réu outras restrições cautelares a sua liberdade, desde que tão eficazes e menos gravosas que a prisão.
Nesse sentido, eram majoritariamente aceitas cautelares atípicas, como a restrição cautelar do passaporte e a exigência de comparecimento periódico.
Em sentido contrário, todavia, a 6ª turma do STJ[2] ancorada no princípio devido processo legal, avalizava que qualquer medida cautelar constritiva da liberdade deveria ter previsão legal expressa.
Essa era a tensão que tida no ordenamento processual penal antes da lei 12.403/2011. Contudo, o cenário pode mudar significativamente após a lei 12.403/11. Isso porque nem o STF, nem a 5ª turma do STJ protegiam a ideia de um poder geral de cautela do juiz ilimitado, havia sempre uma tentativa de aclamar certa base normativa pra justificar a cautelar inominada.
Houve uma grande mudança de paradigma após a lei 12.403/11. Para muitos houve um fortalecimento da posição contrária ao exercício da cautela geral, pois a nova legislação não só conservou prisão preventiva, como especificou detalhadamente diversas medidas cautelares menores. As referidas cautelares eram tidas antes como poder implícito do juiz, porém com a previsão legal parece que nossa lei não quis mais deixar espaço para outras tutelas sem previsão normativa.
Nessa linha, já existem vozes mostrando que não há espaço para tutelas cautelares inominadas, como aduz Luiz Flávio Gomes:
“O juiz da jurisdição penal não tem poderes para lançar mão de medidas atípicas ou não previstas em lei. Não existem medidas cautelares inominadas no processo penal. Todas as vezes que o juiz lança mão desse famigerado poder geral de cautela, na verdade, ele está violando o princípio da legalidade. No processo penal, forma e garantia. O juiz só está autorizado a praticar os atos que contam com forma legal. Se o juiz se distancia da forma legal, resulta patente a violação à legalidade.” (GOMES, 2011)
Há, entretanto, correntes doutrinárias, como a de Marcellus Polastri, que defendem um poder geral de cautela do juiz no processo penal, dando como exemplo regressão cautelar de regime do art. 118,§2º, da LEP (POLASTRI, 2005). Ocorre que tal abordagem parece um pouco incompleta, pois muda o foco para a execução penal.
Outro argumento partidário do poder geral de cautela no âmbito do Direito Processual Penal é aquele baseado na ideia de o novo CPP[3] trará ainda mais cautelares que já existentes atualmente. Assim, alega-se que ainda haveria espaço para algumas tutelas inominadas, já que o rol que está por vir é ainda mais extenso do que o atual.
Conclusão
É perceptível que ainda não há um posicionamento unânime em sede de medida cautelar processual penal atípica. Talvez nunca cheguemos a um consenso. Deve ser buscada, todavia, uma ideia majoritária em prol da segurança jurídica.
Oportunamente, vimos que antes da Lei 12.403/2011 prevalecia nos Tribunais Superiores a tese de que o poder geral de cautela no seio jurisdicional seria um poder implícito dado ao juízo, tendo em vista a pobre legislação cautelar até então em vigor. O argumento agora deve mudar, mas essa posição favorável ainda é forte.
Os não adeptos à teoria da cautela geral prenunciam os princípios da taxatividade e da legalidade e são imbuídos pela defesa do réu. Ocorre que muitas vezes essas cautelares atípicas (não-legais) visam, na verdade, o fortalecimento da liberdade do réu, não seu prejuízo. Esses são, portanto, os pesos que devem subir na balança da divergência cá tratada.
4.Referências bibliográficas
LIMA, Marcellus Polastri. A Tutela Cautelar no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.
GOMES, Luiz Flávio. Prisão e Medidas Cautelares: comentários à Lei n. 12.403, de 04 de maio de 2011. Alice Bianchini, Ivan Luís Marques, Luiz Flávio Gomes, Rogério Sanches e Silvio Maciel. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
TÁVORA, Nestor. ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 6 ed. Salvador: Editora Jus Podium, 2011.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal comentado, 8ª edição, São Paulo: Saraiva, 2004.
Notas:
[1]EMENTA: PROCESSUAL PENAL. IMPOSIÇÃO DE CONDIÇÕES JUDICIAIS (ALTERNATIVAS À PRISÃO PROCESSUAL). POSSIBILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. (94147 RJ, Relator: ELLEN GRACIE, Data de Julgamento: 26/05/2008, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008 EMENT VOL-02323-05 PP-00921).
[2] PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGOS 297, 299, 304, 342 E 288, TODOS DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO DO DECRETO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM CONDICIONADA AO ACAUTELAMENTO DAS CARTEIRAS DA OAB. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. (HC 135.183/RJ, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 15/10/2009, DJe 09/11/2009)
[3] Projeto do novo Código de Processo Penal (PLS 159/06)
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