Resumo: O presente artigo discorre acerca da medida do “toque de recolher”, trazendo à lume os argumentos trazidos pelos que defendem a sua aplicabilidade e os que são contrários a mesma, adentrando, por consequência, no tratamento constitucional e legal com relação ao direito fundamental de liberdade de ir e vir.
Palavras-chave: Toque de Recolher. Direito fundamental de ir e vir. Estatuto da Criança e do Adolescente. Argumentos contrários: STJ. Conanda. FCNCT. HC Coletivo. Argumentos favoráveis: TJ/SP. HC Coletivo.
O Direito Constitucional à Liberdade e o “Toque de Recolher”.
O direito à liberdade encontra-se previsto dentre os direitos e garantias individuais descritos no art. 5º da nossa Carta Constitucional, mais especificamente no seu inciso XV, que garante a todos o Direito de ir e vir, da seguinte forma: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
Com efeito, o referido direito também é regulamentado em diversas leis infraconstitucionais, dentre as quais podemos destacar a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que, em seu artigo 15, dispõe que “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”.
Não obstante, as previsões constitucional e legal garantindo o direito de ir e vir no nosso território nacional, é de se destacar que, assim como os outros direitos e garantias individuais, tal direito não é absoluto, podendo sofrer relativizações no caso concreto. Neste diapasão, vem à tona o debate acerca da legalidade ou não do chamado “toque de recolher” de crianças e adolescentes, que vem sendo determinado por alguns magistrados brasileiros, como forma de tentar diminuir a criminalidade envolvendo esses sujeitos de direitos em seus respectivos municípios. Neste debate, há os que são contrários à implantação do toque de recolher nos municípios brasileiros e os que são favoráveis à utilização de tal medida.
Os que são contrários à implementação do toque de recolher, argumentam que o próprio Conanda já se manifestou de forma contrária à utilização de tal procedimento, tendo, inclusive, publicado nota afirmando, em suma, que tal procedimento contraria a Doutrina da proteção integral, estando a apreensão de crianças e adolescentes, neste caso, em desconformidade com as duas únicas hipóteses possíveis (flagrante e mandado judicial específico). O Conanda ainda asseverou que a medida importa em verdadeiro retorno ao já não mais utilizado “Direito do Menor”, que regia o antigo Código de Menores, e que acaba sendo uma medida que visa apenas esconder os problemas, ao invés de solucioná-los [1].
Seguindo o mesmo norte, o Fórum Colegiado Nacional dos Conselhos Tutelares também publicou nota onde enfatizou o dever de “articulação, fomentação e integração operacional entre os mais diversos setores governamentais e não governamentais”, para não se fazer uso do toque de recolher [2].
É de se destacar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema, tendo, na ocasião, decidido pela ilegalidade do toque de recolher. Registre-se, que em um destes julgamentos, o nosso Tribunal da Cidadania decidiu também que o Habeas Corpus Coletivo é um meio eficaz para combater a portaria judicial que determina o “toque de recolher”, considerando o princípio da absoluta instrumentalidade que rege o nosso microssistema de direitos difusos e coletivos, bem como a celeridade processual que deve ser exigida em casos desta natureza [3].
Não obstante os supracitados argumentos, alguns juristas e mesmo algumas decisões judiciais ainda entendem como legais e constitucionais as portarias judiciais que determinam o “toque de recolher”, por entenderem que o referido ato judicial não caracteriza qualquer tipo de ofensa ao direito de liberdade. Destaque-se que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possui vários precedentes no sentido de a portaria que determina tal medida é legal e não fere o direito fundamental de liberdade, tendo, ainda, se posicionado pela impossibilidade do uso do Habeas Corpus Coletivo em situações desta natureza.
Os que são favoráveis ao toque de recolher asseveram que a utilização de tal medida não implica em qualquer violência aos direitos e garantias fundamentais de crianças e adolescentes, tendo em vista que estes não são absolutos, de forma que comportam relativizações, em especial quando se trata de criança e adolescentes que ostentam a condição de pessoas em desenvolvimento, podendo ser tolhido, em certas ocasiões, o seu direito de ir e vir. Outrossim, afirmam que o art. 149, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente autoriza o juiz a disciplinar, por meio de portaria, a entrada e permanência de crianças e adolescentes em determinados lugares.
Assim sendo, podemos concluir que ainda não há um consenso formado na doutrina e na nossa jurisprudência, todavia, podemos perceber que há, hodiernamente, uma certa inclinação pelo reconhecimento da ilegalidade das portarias judiciais que permitem esta medida, sob o argumento de que deve-se reconhecer o direito fundamental à liberdade, sendo esta a corrente que, de fato, deve prevalecer.
Referências bibliográficas:
BARROS. Guilherme Freire de Melo. Leis Especiais para concursos: Estatuto da Criança e do Adolescente. 7ª edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2012.
ROSSATO, Luciano; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: Lei 8.069/90: artigo por artigo. 3ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012.
VERCELONE, Paolo. In: CURY, Munir (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 9ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2008.
Notas:
[1] Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Conanda se posiciona contra toque de recolher. Disponível no seguinte sítio eletrônico na internet: [www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/nota_conanda.pdf]. Acesso em 26/03/2013.
[2] Fórum Colegiado Nacional dos Conselhos Tutelares. Nota do FCNCT ao “toque de recolher”. [http://www.mpdft.gov.br/portal/pdf/unidades/promotorias/pdij/Manifesto%20do%20FCXNCT%20ao%20Toque%20de%20Recolher1.pdf]. Acesso em 26/03/2013.
[3] HC 207720, Relator Min. Herman Benjamin. Segunda Turma. DJe 23.02.2012.
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