CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA AÇÃO CONTROLADA (AÇÃO CONTROLADA STRICTU SENSU E ENTREGA VIGIADA)
A ação controlada se apresenta como um dos atos investigatórios previstos na Lei nº 9.034/95, que define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo (art. 1º).
Estabelece o parágrafo segundo do artigo segundo da Lei 9.034/95 que a ação controlada
consiste em retardar a intervenção policial do que se supõe ação praticada por organização criminosa ou a esta vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações.
Como cediço, por força do art. 301 do Código de processo Penal, as autoridades policiais e seus agentes têm o dever de “prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito” imediatamente, sob pena de falta grave, podendo a autoridade policial ou seu agente incorrer em crime, como, v.g, o de prevaricação. Com efeito, até a Lei 9.034/95, “não havia nenhuma possibilidade legal de retardamento ou prorrogação do flagrante. A atuação tinha que ser imediata” (GOMES, 1997, grifo no original).
Com a edição deste diploma legal, deferiu-se à Polícia, mais precisamente ao Delegado de Polícia, a faculdade de retardar ou prorrogar a efetuação da prisão em flagrante, como uma forma de estratégia policial, com a finalidade de monitorar as atividades de organizações criminosas, como, por exemplo, através de infiltração de policiais, interceptação ambiental ou telefônica, quebra de sigilo fiscal, bancário etc., a fim de obter uma maior eficácia na coleta de provas, possibilitando-se a responsabilização criminal de uma quantidade maior de infratores da organização criminosa ou até mesmo de componentes de hierarquia maior na organização. Nesse sentido, assim expõe Eduardo Silva:
A prática tem demonstrado que muitas vezes é estrategicamente mais vantajoso evitar a prisão, num primeiro momento, de integrantes menos influentes de uma organização criminosa, para monitorar suas ações e possibilitar a prisão de um número maior de integrantes ou mesmo a obtenção de prova em relação a seus superiores na hierarquia da associação, que dificilmente se expõem em práticas delituosas. Daí por que é cada vez mais comum, em investigações criminais relacionadas ao tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, tolerar-se que agentes policiais não efetuem desde logo a prisão dos pequenos traficantes, para possibilitar a prisão do fornecedor do entorpecente ou mesmo do financiador do comércio ilícito.
Daí se elencar, em doutrina, o flagrante retardado ou prorrogado ou diferido (GOMES, 1997), como uma modalidade de prisão em flagrante - possibilitado pela ação controlada - ao lado do flagrante esperado e preparado. Entretanto, não se deve confundi-los.
No flagrante esperado a intervenção da autoridade sem nenhuma vigilância permanente; a situação de flagrante não é duradoura e a prisão tem que acontecer imediatamente, diante da situação de flagrância. No flagrante prorrogado a situação de flagrância é permanente (duradoura) e a vigilância policial também é duradoura. Ele só aguarda o memento mais oportuno para realizar a captura. Em suma: no flagrante esperado a autoridade não pode prorrogaracaptura, já no flagrante prorrogado a autoridade pode esperar o momento certo para a intervenção. Tampouco pode-se confundir o flagrante prorrogado com o preparado, que é regido pela Súmula 145: neste o sujeito é induzido ardilosamente a praticar o delito; naquele não existe esse induzimento ardiloso.
Conforme a Lei 9.034/95, a ação controlada só deve ser utilizada quando se tratar de atividade que se supõe ser praticada por organização criminosa, ou seja a ela vinculada, sendo inaplicável, portanto, quando se tratar de atividades ligadas às quadrilhas ou bandos e às associações, além dos demais delitos que não envolvam associação de sujeitos infratores.
Observe-se que pelo teor do artigo 2o, II, da Lei 9.034/95, o monitoramento da atividade ilícita será possível quando tal ação “se supõe” como sendo “praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado” (sic).
Entretanto, não se deve interpretar o dispositivo de forma meramente literal, sob pena de se atentar contra o Estado Democrático de Direito, que tem como princípio basilar o da legalidade, a fim de se evitar abusos e arbitrariedade do Poder Constituído.
Com efeito, só é lícito à Polícia Judiciária lançar mão da ação controlada, se ela apresentar fortes indícios de que a atividade que se quer monitorar seja praticada por ditas organizações criminosas.
Daí a importância de haver um conceito das intituladas “organizações criminosas”, para que eventuais direitos fundamentais não sejam sacrificados a arbítrio da autoridade policial ou judicial.
Não é suficiente, pois, meras suspeitas de que certas atividades delituosas estejam sendo perpetradas por organizações criminosas para que a autoridade policial possa decidir pela aplicação da medida.
Pensar o reverso seria desnaturar o instituto, pois avultaria o alto risco de, na prática, a ação controlada ser utilizada indiscriminadamente pela Polícia. Ademais, estaria a lei suscetível a ser utilizada como “válvula de escape” para se legitimar atos ilegais ou até criminosos por parte de policiais.
Certamente, não é isso que a lei objetiva.
Aliás, deve-se atentar que a ação controlada trata-se de medida excepcional, só devendo ser utilizada em casos restritos, uma vez que, como propugna o art. 301, do Código de Processo Penal, a efetuação da prisão em flagrante é regra, e não exceção.
Logo, não basta uma ‘mera suposição’ de ação praticada por organizações criminosas para justificá-la. Mais que simples e mera ‘suposição’ (que é algo absolutamente subjetivo), é evidente que a autoridade policial só pode decidir pela prorrogação do flagrante quando já conta com evidentes indícios de organização criminosa. A não prevalecer essa interpretação, toda e qualquer prevaricação da autoridade policial concernente ao flagrante poderá ficar impune: basta que seja ‘alegado’ que houve ‘suposição’ de organização criminosa (GOMES, 1997, p. 118-119).
Além disso, a Lei dos Crimes Organizados estabelece outros requisitos objetivos para o exercício da ação controlada pelos policiais. Por ela, o retardamento da intervenção policial só é possível, desde que a atividade criminosa seja mantida sob observação e acompanhamento para que a intervenção policial “se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações” (art.2o, II, in fine, da Lei 9.034/95).
Já a Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) estabelece ser possível o monitoramento e acompanhamento de vigilância sobre “os portadores de drogas, seus percussores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro”, quando se tratar de crime previsto nesta lei (art. 53, caput), sem fazer restrições acerca da qualidade do investigado. Assim, veio a Lei de Drogas estabelecer mais uma possibilidade de diferimento da prisão em flagrante. Desta vez, quando se tratar de apuração de crime de tráfico ou outro qualquer previsto pela Lei 11.343/06.
Permite-se, por exemplo, que não se prenda os agentes desde logo, ainda que em estado de flagrância, quando há possibilidade de que o diferimento da medida possa ensejar uma situação ainda melhor do ponto de vista repressivo. Exemplo: a Polícia monitora um porto à espera da chegada de um grande carregamento de cocaína, quando, em determinado momento, atraca um pequeno bote com dois dos integrantes da quadrilha ou bando (já conhecidos) portando um saco plástico transparente contendo um pó branco, a indicar ser cocaína. Pois bem: os agentes policiais, ao invés de efetuarem a prisão em flagrante, pois há um crime visto, procrastinam o ato, esperando que a "grande carga" seja desembarcada em um navio que se sabe virá dentro em breve. É o chamado flagrante diferido (MOREIRA, 2003)
Esta hipótese, prevista pela Lei 11.343/06, é o que a doutrina denomina de “entrega vigiada”. Note-se que essa possibilidade de monitorar o deslocamento de drogas, retardando-se a prisão em flagrante, já era possível, desde sua previsão pela extinta Lei 10.217/01 (Lei de Tóxicos), que foi revogada pela Lei 11.343/06.
Nesse passo, é conveniente esclarecer se a entrega vigiada, prevista pela Lei 11.343/06 e a ação controlada, prevista pela Lei 9.034/95, são atos investigatórios distintos ou não.
Para Mariângela Lopes Neistein e Luiz Rascovski, não se deve confundir a entrega vigiada com a ação controlada. E isso porque a
ação controlada é utilizada para a investigação de todo e qualquer crime que praticado por organizações criminosas. Ao contrário, a entrega vigiada, conforme salientado, é um meio de investigação típico do crime de tráfico internacional de entorpecentes, em que é autorizada o controle do tráfego de drogas que circulem dentro ou fora do país (2005, p.03).
Já para Rodrigo Carneiro Gomes (2006),
A ação controlada e a entrega vigiada são terminologias diversas, embora usadas indistintamente, talvez porque ambas tenham idêntico objetivo: maior eficácia probatória e repressiva na medida em que possibilitam a identificação do maior número de integrantes de uma quadrilha ou organização criminosa. O conceito de ação controlada é mais amplo, pois permite o controle e vigilância (observação e acompanhamento, no texto legal) de qualquer ação criminosa e não apenas a entrega vigiada de entorpecentes (no caso da Convenção de Viena) e de armas [03] (no caso da Convenção Interamericana contra a Fabricação e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo). Pode-se considerar, assim, que a entrega vigiada é uma das modalidades de ação controlada (grifos no original).
A par desses entendimentos, o que se deve verificar é que, a rigor, a ação controlada é ato investigatório mais amplo, que compreende a entrega vigiada.
É que a ação controlada é a possibilidade, dada por lei, de se retardar a intervenção policial, diferindo-se a efetuação da prisão em flagrante, para que, exercendo-se um monitoramento e uma vigilância sobre a atividade delituosa, se consiga obter maiores elementos de provas, melhorando a eficácia policial.
Por sua vez, a entrega vigiada, é possibilidade, também dada por lei, de se retardar a atuação policial, prolatando-se o momento da efetuação da prisão em flagrante, para que a autoridade policia possa estabelecer uma vigilância sobre a circulação de drogas no território nacional, com o escopo de “identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível“ (art. 53, II, in fine, da Lei 11.343/06).
A entrega vigiada é a técnica consistente em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas de entorpecentes ou outras substâncias proibidas circulem pelo território nacional, bem como dele saiam ou nele ingressem, sem interferência impeditiva da autoridade ou seus agentes, mas sob sua vigilância. Tudo com o fim de descobrir ou identificar as pessoas envolvidas no cometimento de algum delito referente ao tráfico dessas drogas, bem como prestar auxílio a autoridades estrangeiras nesses mesmos fins” (NEISTEIN; RASCOVSKI, 2005).
Desta forma, observe-se que a entrega vigiada se encaixa perfeitamente no conceito de ação controlada, sendo, pois, uma modalidade de ação controlada.
Deve-se, outrossim, frisar que a ação controlada, prevista na Lei 9.034/95, seria uma ação controlada strictu sensu, uma vez que essa Lei restringe a aplicação desta medida às organizações criminosas, enquanto a Lei 11.343/06 não faz restrição deste jaez, como já explicado.
A entrega vigiada é ato investigatório destinado, precipuamente, a auxiliar a autoridade policial no “combate” ao narcotráfico, tendo sido contemplada nas legislações da Espanha, Itália, Alemanha, Argentina e do Brasil, através da Lei 11.343/06. Esse meio excepcional de investigação foi previsto pela Convenção de Viena, embora já tenha sido apresentado no Convênio de Schengen, de 14 de junho de 1985.
O artigo 11, da Convenção de Viena, de 20 de dezembro de 1988, criada com a finalidade de combater o tráfico ilícito de drogas, dispõe expressamente sobre a entrega vigiada: “1 – Se os princípios fundamentais dos respectivos ordenamentos jurídicos internos o permitirem, as Partes adotarão medidas necessárias, dentro de suas possibilidades, para que se possa recorrer, de forma adequada, no plano internacional, à entrega vigiada, com base nos acordos e ajustes mutuamente negociados, com a finalidade de descobrir as pessoas implicadas em delitos estabelecidos de acordo com o parágrafo 1 do Artigo 3 e de encetar ações legais contra estes. 2 - As decisões de recorrer à entrega vigiada serão adotadas, caso a caso, e poderão, quando necessário, levar em conta ajustes financeiros e entendimentos relativos ao exercício de sua competência pelas Partes interessadas. 3 – As remessas ilícitas, cuja entrega vigiada tenha sido negociada poderão, com o consentimento das Partes interessadas, ser interceptadas e autorizadas a prosseguir intactas ou tendo sido retirado ou subtraído, total ou parcialmente, os entorpecentes ou substâncias psicotrópicas que continham”. Assim, pela Convenção de Viena, são requisitos caracterizadores da entrega vigiada: 1. necessidade de expressa previsão nas legislações internas; 2. existência de acordos internacionais que permitam a vigilância entre diversos países; 3. finalidade de descobrir pessoas e provas envolvidas na prática do delito de tráfico internacional de entorpecentes e coletar provas; 4. as decisões que autorizarem a entrega vigiada devem ser analisadas de acordo com cada caso em concreto” (Neistein;Rascovski, 2005).
Observe-se, assim, que a Convenção de Viena, realizada em 1988, buscou uma cooperação entre os Estados signatários, visando uma maior efetividade na persecução penal do tráfico internacional de drogas, sob pena de se inviabilizar a medida investigativa. Nesse sentido, assim se pronuncia Salienta Delgado, citado por Neistein e Rascovski: “ya que si el país de destino no persigue penalmente a los destinatários de la remesa, no tiene sentido que los estupefacientes salgan del país de origem” (2005, p.03).
Autorização Judicial
A priori, cabe ressaltar que, embora apenas as normas referentes à ação controlada na modalidade entrega vigiada sejam juridicamente eficazes – em razão das considerações supra – entendemos que a ação controlada prevista pela Lei 9.034/95 também deva ser analisada, ainda que no âmbito acadêmico, à vista que, com a eventual instituição de um conceito legal de organizações criminosas ou com a eventual supressão do termo “do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado” do inciso II do art. 2º da Lei de Crime Organizado, voltará este dispositivo a ter eficácia.
No tocante à autorização judicial, enquanto a Lei 11.343/06 previu ser a mesma imprescindível para, ouvido o Ministério Público, ser possível a utilização da entrega vigiada, a Lei 9.034 quedou-se inerte, não exigindo a autorização judicial para o uso deste ato investigatório.
Para Marcelo Mendroni (2002) a autorização judicial sempre será necessária para o início da ação controlada, sob pena de haver “ação descontrolada”, além de possibilitar arguciosamente ao agente policial a excludente de antijuridicidade do estrito cumprimento do dever legal para se afastar de eventual responsabilização criminal.
Em caso de não comunicação prévia acompanhada da autorização, a ação controlada estaria vedada pelo policial e a sua eventual participação/atuação em organização criminosa não terá, até prova em contrário, o possível acobertamento da excludente de antijuridicidade, o estrito cumprimento do dever legal.
Conduto, tal posicionamento não encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio. Isso porque é lícito à lei criar uma exceção à regra. Se a Lei 9.034/95 instituiu a figura da ação controlada, não exigindo como condicionante à atuação policial a autorização judicial, forçoso concluir que o flagrante diferido, como exceção à regra do CPP de que a prisão em flagrante deve ser efetuada imediatamente, pode ser utilizado como medida investigatória pela autoridade policial, prescindindo-se, para isso, de autorização judicial.
Sendo assim, não se pode exigir a chancela judicial para a deflagração da ação controlada, assim como ocorre na ação controlada para a apuração de crime previsto na Lei 11.343/06, pois, neste caso, a própria lei prevê, expressamente, ser imprescindível a autorização judicial, além da oitiva anterior do MP, ao contrário da Lei 9034/95, que não exige.
A falta de exigência da autorização judicial trata-se, em verdade, de mais uma falha da Lei 9.034/90.
Se por um lado, a Lei 9.034/95 atendeu a necessidade de prever a ação controlada como ato investigatório, destinado à produção de provas, servindo para salvaguardar, ou melhor, “legalizar” as condutas da autoridade policial nesse sentido, por outro ampliou o poder policial, sem que se estabelecesse um controle a ser exercido pelo Juiz ou MP. E essa tamanha responsabilidade a cargo da Polícia, acaba que por se voltar contra ela própria.
É que a ausência de controle no que tange à investigação por meio da ação controlada, como sustentado por Mendroni (2002), dá margem à alegação de excludente de antijuridicidade por parte de policiais envolvidos com às atividades ligadas às organizações criminosas. Assim, “fácil seria a sua argumentação de utilização da ação controlada - decorrente de decisão tomada por conta própria, e com isto poderia ter a sua responsabilidade penal afastada” (MENDRONI, 2002, p. 65).
Ademais, eventual desaparecimento do estado de flagrância do sujeito investigado “pode dar ensejo a muitas suspeitas (embora muitas vezes infundada) contra a autoridade policial” (GOMES, 1997, p.118).
O que se deve ter em mente é que, embora seja um instrumento eficaz de investigação, a ação controlada infringe direitos fundamentais, como a intimidade, privacidade etc. E, justamente em razão do confronto de direitos fundamentais, que será resolvido pelo postulado da proporcionalidade, é que a autorização do juiz ou do MP serviria para, utilizando-se a expressão de Luiz Flávio Gomes, “filtrar” a violência estatal. A ausência de controle é “campo aberto” para o incremento do abuso de poder e do autoritarismo policial. É permitir que o Estado Poliscialesco, da Lei e Ordem predomine sobre o Estado de Democrático de Direito e do Garantismo Penal.
Ninguém é contra que a polícia tenha as suas atividades ampliadas, porque é dela que depende em grande parte o bom funcionamento do controle social. Mas o Poder Político, na medida em que lhe dá poderes, deve ao mesmo tempo estabelecer freios e controles. Nenhuma polícia do mundo pode agir sem controle, porque muitas vezes ela é expressão nua e crua do autoritarismo. O Ministério Público e o juiz, especialmente este, sempre devem funcionar como ‘filtros’ da violência estatal. Nunca impedirão a violência, mas possuem o indeclinável dever constitucional de controlá-la, de restringi-la, a limites mínimos, de equilibrá-la (GOMES, 1997, p. 118).
Com efeito, o juiz, como “senhor da legalidade” que é, ou o Ministério Público, seguindo a tendência hodierna do Direito Penal, mormente o italiano, tem a missão de decidir pela prevalência da legalidade e, lançando mão do postulado da proporcionalidade, deve verificar, no caso concreto, qual dos direitos fundamentais deve ser garantido, se o da intimidade do indiciado ou o da paz social.
Em consonância ao ordenamento jurídico pátrio, é o juiz a autoridade que deve verificar a idoneidade, necessidade e proporcionalidade da aplicação da ação controlada. É que a Constituição Federal de 1988 incumbiu ao juiz a competência de corrigir ilegalidades, cabendo ao Ministério Público levar ao conhecimento desta autoridade eventuais abusos por parte da Polícia Judiciária.
Questão interessante é a tocante aos casos em que há urgência de atuação policial, em que a autorização judicial para a utilização da ação controlada, em razão do tempo dependido para deferi-la, tornaria inviável a aplicação da medida.
No Brasil, assim como na Espanha, não cabe à autoridade judicial, mas sim à autoridade policial decidir sobre a aplicação da ação controla strictu sensu (prevista pela Lei 9.034/95), havendo urgência ou não. Quanto à entrega vigiada, será necessária, sempre, a prévia autorização judicial para a utilização dessa medida investigatória, ainda que haja urgência. Em Portugal, nos casos de urgência, haverá uma “prorrogação de competência”. Na Itália, a lei exige imediato aviso à autoridade judicial no prazo de 48 horas.
Una vez más, debereprocharse que el art. 263 bis permita a los mandos policiales autorizar una operación de entrega vigilada en todos lossupuestos, sinhaber limitado lafacultad de intervención a los casos de urgencia, que impidanrecabarautorizacióndelJuez de Instrucción, máxime cuando incluso, bajo laexistencia de unproceso penal los mandos policialestienefacultadesautorizantes. Por el contrario, enlaregulación portuguesa existe unacotamiento de lacompetencia de laPolicía Judicial por razones de urgencia. (…) lalegislación italiana limita laposibilidad de autorización por lasfuerzaspoliciales a lossupuestos de urgencia, dando inmediato aviso, enunplazo de 48 horas, a laautoridad judicial (FONSECA-HERRERO, 2004, p. 328).
Em havendo “prorrogação de competência” para o Delegado de Polícia, nos casos de urgência, como prevê a legislação portuguesa, refaz-se a essa sistemática as críticas supra, referentes à falta de controle da atividade policial pelo Juiz ou MP.
Sem dúvidas, o mais pertinente é a lei estabelecer um prazo para que a autoridade policial comunique a utilização da ação controlada nos casos de urgência à autoridade judicial, a fim de que ela ratifique ou não a medida, como disciplina a legislação italiana.
No tocante à entrega vigiada, infelizmente, o que se verifica é que a Lei 11.343/06, ao estabelecer que a concessão da medida da entrega vigiada dependerá, além da prévia oitiva do MP, de autorização judicial, desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito, ou de colaboradores, acabou burocratizando essa medida investigatória. Isso porque a Lei 11.343/06 simplesmente silencia quanto aos casos em que há urgência para a utilização da medida. E ante a omissão legal, não cabe ao intérprete ou aplicador do direito ampliar as hipóteses da lei. Sendo assim, se houver urgência para ser utilizada a entrega vigiada, acaso a autoridade policial proceda à realização do ato investigatório sem a prévia autorização judicial, sob o argumento da extrema urgência na utilização da medida, a prova resultante dessa medida será ilícita, em razão da ausência de prévia autorização judicial.
Tal se dá em razão de não caber ao juiz “homologar” a entrega vigiada que já foi realizada pela Polícia Judiciária. Isso porque a autorização judicial tem de ser, necessariamente, prévia à realização do ato. Não existe autorização judicial “a posteriori”.
Assim, se, por exemplo, a Polícia Judiciária descobre que um determinado carregamento de drogas ocorrerá em um determinado lugar, daqui a um, dois ou três dias, a utilização da entrega vigiada ficará comprometida, ante o engessamento que a Lei 11.343/06 imprimiu a essa medida investigatória, nos casos de urgência.
Assim, entendemos que deve haver a criação de uma lei que defina as “organizações criminosas” a fim de que a norma da Lei 9.034/95, que prevê a ação controlada, volte a ter eficácia, assim como deve haver uma disciplina legal sobre as hipóteses em que haverá urgência na utilização da entrega vigiada pela polícia. A solução encontrada pela Itália nos parece plausível.
Ausência de limite temporal máximo
As Leis 9.034/90 e 11.343/06 omitiram-se em estabelecer um prazo máximo de duração da utilização do ato investigatório da ação controlada pela Polícia Judiciária.
Segundo Marcelo Mendroni,
dispensando a Lei esta autorização judicial, defere-se a sua prática como estratégia de investigação. Mas tornar essa atividade policial isenta de qualquer controle seria torná-la facilmente sujeita a menor grau de valoração probatória. Recomenda-se, nesse passo, seja a atuação previamente acertada e detalhadamente comunicada ao Ministério público ou mesmo ao Juiz, informando-se ao menos a data de início e os nomes dos policiais participantes (MENDRONI, 2002, p.69).
Como a lei não exige autorização judicial para o início deflagrador da ação controlada, nem para o seu fim, não seria razoável ao intérprete e aplicador da norma exigir o que a lei não exige.
Nesse contexto, para solucionar a questio, deve-se utilizar da hermenêutica sistemática e teleológica, para considerar que a ação controlada deve durar o tempo necessário à sua finalidade, qual seja, a de obter mais elementos de prova.
Embora não seja prevista na lei uma limitação temporal para a diligência de acompanhamento das atividades ilícitas, sua paralisação deve ocorrer quando já satisfeita a “formação de provas” ou o “fornecimento de informações”, como preconizado na parte final do art. 2º, inciso I, da Lei nº 9.034/90 (SILVA, 2003, p.95).
O termo inicial e final da ação controlada fica a cargo da discricionariedade da autoridade policial, desde que adstrita aos limites legais, isto é, desde que a duração da medida investigativa não venha a se tornar arbitrária ou abusiva.
O momento mais eficaz da intervenção é requisito normativo. Depende de um juízo de valor que será feito pela autoridade. Tampouco pode ser uma estratégia indefinida no tempo. A lógica do razoável (embora sua essência não seja fácil de ser captada) deve prevalecer em cada caso concreto.
Com efeito, a omissão em prever um limite temporal à permanência da ação controlada representa mais uma falha da Lei 9.034/90, podendo servir de brecha à atuação ilícita de policiais envolvidos com as organizações criminosas, retardando o seu dever de ofício, isto é, repressivo ad infinutum. Nesse sentido, o juiz Roberval C. Belinati, citado por Luiz Flávio Gomes, assim expõe:
A lacuna temporal temporal máxima “é extremamente perigosa, porque pode incentivar a prática de crimes de abuso de autoridade, prevaricação, corrupção passiva e concussão. Pode ainda contribuir para a impunidade de criminosas que, com certeza fugirão do distrito da culpa se tomarem conhecimento de que são sendo investigados” (GOMES, 1997, p. 111).
A nosso sentir, o legislador deveria ter estabelecido o requisito da autorização judicial para a utilização da ação controlada prevista na Lei 9.034/95, salvo nas hipóteses em que houver urgência na utilização da medida.
Entendemos, também, que cabe ao Juiz estabelecer um prazo. Um ato investigatório não pode ter duração indeterminada.
Conseqüências da frustração da ação controlada
Quais serão as conseqüências advindas à autoridade policial se a situação de flagrância desaparece? E se o investigado consegue se livrar da persecução criminal? E se a vigilância for deficiente, a ponto de permitir a consumação do delito pelo investigado?
Nos casos em que os agentes policiais estão envolvidos com as organizações criminosas, não resta dúvida que se trata de participação ou (co)autoria dos delitos cometidos por tais associações, uma vez agindo com dolo.
E se a operação investigatória restar frustrada por deficiência da vigilância policial, implicando na fuga dos investigados?
Neste caso, devem ser analisadas duas situações.
Se a autoridade policial agiu com necessária diligência e, não obstante, o investigado venha a ter conhecimento de que está sendo investigado e empreende a fuga, não há que se falar em responsabilização da autoridade policial.
Se, entretanto, a autoridade policial foi negligente, ela deverá responder administrativamente, sem prejuízo de eventual ação penal, se cabível, in casu, isto é, se preenchidas as condições da ação penal. Por exemplo, se a autoridade policial agiu com má-fé, ou seja, com dolo, ela poderá responder por prevaricação.
Se o monitoramento das atividades ligadas às organizações - se se tratar de ação controlada - ou à qualquer associação ou pessoa - se se tratar de entrega vigiada - for deficiente, culminando com a consumação dos delito pelo(s) investigado(s), também há duas situações a serem analisadas.
Se a autoridade não exitou em realizar todas as ações que estiveram a seu alcance, ocorrendo a consumação do delito por fato imprevisível, indene de responsabilização estará a autoridade policial.
É que poder-dever de agir da autoridade policial, no caso concreto, restou excluído pelo caso fortuito. Pondera Geraldo Prado e Willian Douglas, que a lei aceitou a possibilidade deste risco.
O poder agir para evitar o resultado, baseado na ciência de todas as circunstâncias, ficou excluído pelo fortuito, imprevisível. Cremos seja este o risco que a lei aceitou correr, operando-se, desse modo, a mesma hipótese alvitrada pela doutrina pátria (PRADO; DOUGLAS, 1995, p. 52).
Contudo, se houver negligência por parte da autoridade policial, consumando-se o delito, havendo omissão do Delegado ou de seus agentes, em que pese, nas circunstâncias concretas, ter ele a possibilidade de evitar a consumação do crime, poderá ele(s) responder(em) por crime culposo, se a lei prever, para o caso, crime na modalidade culposa. É que os a autoridade policial e os seus agentes têm, por força de lei, o dever de evitar o resultado do crime, se podia evitar e não o fez.
Se a deficiência da ação controlada implicar o desaparecimento do estado de flagrância do investigado, não poderá mais a autoridade policial prendê-lo em flagrante, sob pena de incorrer em ato ilegal.
Nesta hipótese, poderá caber a prisão preventiva ou temporária, a depender do caso concreto, devendo a prisão ser efetuada por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária (art. 5o, LXI, da CF/88).
Se a autoridade policial agiu com imprudência, poderá vir a responder por prevaricação, tão-somente se agir com o fim exigido pelo tipo de prevaricação, qual seja, agir movido por sentimento de satisfação pessoal.
É oportuno consignar que, antes da previsão legal da ação controlada, pela Lei 9.034/90, havia, segundo Luiz Flávio Gomes (1997), prática policial reiterada em retardar a intervenção policial, visando maior formação de provas.
Trata-se, por óbvio, de atos ilegais, que deverá ser solucionado pelo Direito Penal. Nesse sentido, cabem as observações feitas retro acerca da presença ou não do fim especial de agir do agente, exigido pelo tipo penal da prevaricação.
Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Ex-Procurador do Estado do Paraná. Ex-Advogado da Petrobras Distribuidora S/A. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Extensão em Direito Constitucional Avançado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Extensão em Licitações Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOTA, Luig Almeida. A ação controlada como instrumento investigatório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 abr 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34514/a-acao-controlada-como-instrumento-investigatorio. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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