Prima face, mister que se consigne que o tema dos sigilos bancário, fiscal, financeiro e eleitoral se apresenta em múltiplos aspectos de abordagens, sendo objeto de disciplinas outras, como Direito Tributário, Eleitoral, Constitucional etc, de sorte que, neste trabalho, cabe tão-somente tratar dos sigilos no enfoque processual penal (veja-se, assim, por exemplo, que descabe, neste trabalho, tratar-se da investigação realizada pelas CPIs, sendo este objeto de estudo muito ligado ao Direito Constitucional – check and balance, exercido pelo Legislativo; tampouco cabe tratar da quebra do sigilo eleitoral – que se relaciona ao Direito Eleitoral).
Assim dispõe o inciso IV do art. 2º da Lei 9.034/95:
Art. 2o Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas:
III - o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais.
Com efeito, este dispositivo legal prevê um dos meios investigatórios mais relevantes e eficientes no contexto atual. Trata-se da quebra de sigilos fiscal, bancário, eleitoral e financeiro.
Sobreleva consignar que tais atos investigatórios não se aplicam tão-somente às hipóteses de apuração de ilícitos ligados à quadrilha ou bando ou a associação ou a organizações criminosas que se enquadrem como associações ou mesmo como quadrilha ou bando. Pelo contrário, a quebra dos aludidos sigilos são disciplinados em leis esparsas se pode ser utilizada para apuração de qualquer ilícito, desde que preenchido todos os requisitos legais, conforme se verá.
Conforme nos informa Eduardo Araújo da Silva, a intenção do legislador de 1994 em positivar o ato investigatório da quebra dos sigilos foi ressaltar a possível – plenamente possível, frise-se – utilização desse tão valioso meio de busca de provas.
Contudo, essa medida não goza de exclusividade para a apuração da criminalidade organizada, estendendo-se sua aplicação à apuração do crime organizado, cujos vultosos ganhos ilícitos acabam por desaguar em diversas contas bancárias e aplicações financeiras geralmente localizadas em “paraísos fiscais”, o legislador entendeu conveniente expressa-la na legislação específica (2003, p.105-106).
E tal preocupação do legislador encontra todo o sentido, considerando-se que os delinqüentes, mormente os de colarinho branco, que não raras vezes integram as denominadas organizações criminosas ou grupos que apresentam certas características da criminalidade organizada, necessariamente precisam “legalizar” ou lavar o dinheiro surrupiado, muitas vezes, dos cofres públicos.
No curso da atividade estatal de apuração das infrações penais, em não raras hipóteses, o sigilo financeiro apresenta-se como insuperável obstáculo ao sucesso da instrução processual penal. Na atualidade, os indivíduos e as empresas utilizam-se largamente dos serviços oferecidos pelas instituições financeiras, sendo muito freqüente o direcionamento do provento da prática delitiva a um estabelecimento bancário. De outra parte com a sofisticação dos meios operacionais da criminalidade, as transações financeiras passaram a representar o locus de graves condutas criminosas, como a lavagem de dinheiro e os crimes contra a ordem econômica e o sistema financeiro nacional. Sem falar dos crimes contra o sistema tributário e previdenciário, cuja única prova contundente, por vezes, resulta da documentação financeira agasalhada pelo sigilo (BELLOQUE, 2003, p.85).
Observe-se que, conforme atenta Juliana Belloque, o ato investigatório consistente na quebra de sigilo fiscal, bancário ou financeiro, geralmente se destina a apurar o crime de lavagem de dinheiro e os crimes contra a ordem econômica e contra os sistemas financeiro nacional, tributário e previdenciário, ou seja, típicos crimes cometidos pela “elite” financeira ou econômica dominante da cadeia social.
A propósito, atente-se que todos os atos investigatórios previstos pela Lei 9.034/95 se aplicam plenamente aos grupos formados de criminosos de “colarinho branco”, desde que possam, claro, ser enquadrados como quadrilhas ou bandos ou associações. A quebra de sigilo financeiro é que, em particular, tem aplicação mais ampla, podendo ser aplicada para se apurar ilícito envolvendo uma pessoa, como explicado.
Eis, pois, a mui relevante importância desses instrumentos que, se bem utilizados pela Polícia, MP e Judiciário, podem servir para alcançar os criminosos de colarinho branco, indo, assim, na contra-marcha da seletividade do Direito Penal, e caminhando no sentido do tão sonhado Direito Penal justo, em que as regras deveriam, por óbvio, ser aplicadas a todos, igualmente.
Distinções entre OS sigilos fiscal, bancário, eleitoral e financeiro
O sigilo fiscal diz respeito aos dados e documentos constantes nos registros da Receita Federal. Nos termos de Melissa Folmann,
Tem-se que o sigilo fiscal enquanto direito constitucionalmente garantido, refere-se à vedação de divulgação de dados que o Fisco tenha obtido em razão do seu poder de fiscalização com relação á situação econômica ou financeira dos sujeitos passivos ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades (2001, p.70).
O sigilo fiscal está amparado no art. 198, do Código Tributário Nacional e interessa ao Direito Tributário – por isso, não será tratado neste trabalho.
Já o sigilo bancário, para Alberto Luís, citado por Melissa Folmann,
Consiste na discrição que os bancos ou seus órgãos e empregados devem observar sobre os dados econômicos e pessoais dos clientes, que tenham chegado ao seu conhecimento através do exercício das funções bancárias. Por cliente tem de entender-se aqui não só aquele que realiza operações no banco, mas também todo aquele que entra com ele em relações pré-negociais não chegadas a bom termo e em resultado das quais o banco ficou a dispor de um conjunto de informações sobre a pessoa, seus bens e seus negócios – informações que pertencem à esfera da sua vida privada e que ele próprio não deseja ver divulgadas (2001, p.80).
Assim, para esse autor, o sigilo bancário concerniria os dados sigilosos coletados em razão de serviços bancários, inclusive os pré-contratuais, mormente no que se referem às contas correntes bancárias.
Nesse contexto, entender-se-ia, assim, que o sigilo financeiro se correlacionaria com os dados, documentos e informações do patrimônio (cartões de crédito, ações em bolsa, debêntures e outros créditos).
Entretanto, o que se verifica é que, com a edição da Lei Complementar nº 105/2001 – que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras e dá outras providências –, o conceito de sigilo financeiro acabou sendo elastecido.
É que a mesma Lei Complementar equiparou à instituição financeira: I – os bancos de qualquer espécie; II – distribuidoras de valores mobiliários; III – corretoras de câmbio e de valores mobiliários; IV – sociedades de crédito, financiamento e investimentos; V – sociedades de crédito imobiliário; VI – administradoras de cartões de crédito; VII – sociedades de arrendamento mercantil; VIII – administradoras de mercado de balcão organizado; IX – cooperativas de crédito; X – associações de poupança e empréstimo; XI – bolsas de valores e de mercadorias e futuros; XII – entidades de liquidação e compensação; XIII – outras sociedades que, em razão da natureza de suas operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional (art. 1º, §1º, da LC nº 105/2001).
Ademais, estabeleceu: (a)em seu art. 1º, § 2º, que “as empresas de fomento comercial ou factoring, para os efeitos desta Lei Complementar, obedecerão às normas aplicáveis às instituições financeiras previstas no § 1o”; (b)em art. 2º, que “O dever de sigilo é extensivo ao Banco Central do Brasil, em relação às operações que realizar e às informações que obtiver no exercício de suas atribuições”; e (c)em seu art. 2º, § 3º, que “ o disposto neste artigo aplica-se à Comissão de Valores Mobiliários, quando se tratar de fiscalização de operações e serviços no mercado de valores mobiliários, inclusive nas instituições financeiras que sejam companhias abertas”.
Sendo assim, o sigilo financeiro abrange todos os dados sigilosos de todas essas referidas instituições (BACEN, CVM, empresas de factoring, bancos de qualquer espécie, administradoras de cartão de crédito etc).
É por essas razões que preferimos, nas próximas considerações sobre o tema, utilizar-se do termo “sigilo financeiro”, uma vez ser este mais amplo e englobar o sigilo bancário.
Por ora, cabe consignar, ainda, a observação de Juliana Belloque:
Não é diferente o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que já tiveram oportunidade de assentar a equivocidade da equiparação dos sigilos fiscal e financeiro, como também da relação de continência entre ambos, pela qual seria o primeiro o continente e o segundo o conteúdo. Tais alegações, invocadas pela Receita, na tentativa de acesso a dados financeiros sem prévia autorização judicial, foram expressamente afastadas.
No tocante ao sigilo eleitoral, mister que se diga que este abrange determinados dados registrados na Justiça Eleitoral (identificação de autoria do voto, pro exemplo)[1].
NATUREZA JURÍDICA E FUNDAMENTOS DO SIGILO FINANCEIRO
Várias são as teorias que objetivam explicar a natureza jurídica do sigilo financeiro. Entre elas, podemos apontar as seguintes as teorias: contratualista; da responsabilidade civil, consetudinária; do segredo profissional; da boa-fé e do dever de lisura; legalista; do direito à intimidade dos Bancos; do direito de personalidade11.
Para Juliana Belloque, os fundamentos do sigilo financeiro são de três ordens, a saber:
os fundamentos do sigilo financeiro residem, conjugadamente: a) no direito à intimidade do cliente e de terceiros envolvidos nas operações efetuadas pelas instituições financeiras; b) no dever de sigilo profissional, que afeta a sua própria credibilidade; e c) na segurança e no bom desenvolvimentos do sistema financeiro nacional.
No tocante aos fundamentos “a” e “c”, razão assiste à autora, à vista de que os serviços bancários, hodiernamente, têm sido largamente disseminados e cada vez mais popularizados, devendo, assim, as informações e dados de caráter sigiloso ser preservadas, em cumprimento ao direito à intimidade erigido no inciso X, do art. 5º, da CF/88.
Equivoca-se a autora, contudo, quando aponta o sigilo profissional (“b”) como um dos fundamentos do sigilo financeiro (financeiro strictu sensu, fiscal e bancário). Nesse ponto, concordamos com Maria Lima Roque, para quem
Os bancos, em virtude de suas atividades, são levados a acorbertar procedimentos ilícitos, daí que não se pode equipar a natureza dos sigilos bancário dos banqueiros com a dos médicos, psicólogos, advogados e sacerdotes. Quem recorre a estes profissionais o faz por necessitar de ajuda física, mental, legal, e espiritual. Há uma necessidade premente que só os profissionais elencados podem atender. O mesmo não se dá com os Bancos. Quem a eles recorre vai movido pela busca do lucro ou de uma vantagem qualquer. Tratando-se de uma atividade comercial, o lucro será sempre o motor de qualquer atividade bancária. Não há nenhuma necessidade vital que possa levar o criminoso ao Banco para ocultar valores obtidos ilicitamente.
Com muita proficiência, arremata o mestre Aliomar Baleeiro, citado por Maria Roque:
Em princípio só devem os Bancos aceitar e ser procurados para negócios lícitos e confessáveis (...). Diversa é a situação do advogado, do médico e do padre, cujo dever profissional lhes não tranca os ouvidos a todos os desvios de procedimento ético ou jurídico, às vezes conhecidos somente da consciência dos confidentes (grifo nosso). (2001, p. 101).
Pensamos que eventual quebra de sigilo financeiro só pode ocorrer quando necessário, desde que preencha todos os requisitos legais, sendo, pois, uma exceção ao direito à intimidade do indivíduo, e não por se constituir como uma exceção à violação de segredo profissional, eis que, a nosso ver, é hipótese esdrúxula e descabida na seara bancária.
quebra de sigilo financeiro para fins de investigação criminal
Como cediço, o sigilo financeiro, protegido pelo art. 5º, X, da CF/88, não é direito absoluto, podendo, assim, ser excepcionado, desde que atendidos o princípio da proporcionalidade (ou o postulado da proporcionalidade, como quer Humberto Ávila), e os limites traçados pela lei. Nesse sentido, assim é a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. PROCEDIMENTO LEGAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Controvérsia decidida à luz de normas infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento (STF, AI-AgR 655298-SP, Rel. Min. Eros Grau, pub. in DJ de 09.04.2007).
Natureza jurídica da quebra de sigilo financeiro no processo penal
A quebra do sigilo financeiro não se trata, a rigor, de meio de prova. Trata-se, em verdade, de ato investigatório, destinado a buscar a prova.
Assim, o primeiro momento lógico constitui-se na quebra do sigilo efetuada pelo juiz. Só empós esse decisium judicial é que haverá a posse dos documentos onde constam os dados desejados (BELLOQUE, 2003).
Nesse prumo, verifica-se que o meio de prova – in casu, a prova documental – será, então, a conseqüência da quebra do sigilo. Sendo assim, forçoso concluir que a quebra de sigilo financeiro terá natureza de meio de obtenção de prova (ato investigatório), e não simplesmente meio de prova, conforme destaca Juliana Belloque:
Desta forma, a medida em apreço não constitui meio de prova, pois não representa, isoladamente considerada, instrumento de demonstração das alegações a serem provadas, mas sim ferramenta voltada ao recolhimento de fontes de provas (documentos), nos quais podem estar presentes informações pertinentes à causa penal, as quais apenas consistirão em elementos de formação da convicção do magistrado depois de introduzidas as autos pelo meio da prova documental. Assim, todos os caracteres da medida de quebra do sigilo financeiro ora expostos indicam a sua natureza de meio de obtenção de prova.
Acresça-se, ademais, que, ante a natureza do direito protegido pelo sigilo financeiro (direito fundamental à intimidade), o acesso aos autos deverá permanecer restritos às partes, que não poderão utilizar-se das informações para fins estranhos à lide, a teor do art. 3º, da Lei Complementar 205/2001.
Requisitos legais para a quebra do sigilo financeiro
Com efeito, em se tratando o sigilo financeiro (leia-se: financeiro e bancário) de uma proteção ao direito fundamental à intimidade, fixou a lei determinados requisitos à concessão da sua restrição, de tal modo que, uma vez inobservados tais requisitos legais, será a prova resultante (prova documental em que constam os dados sigilos) da quebra desse sigilo, fatalmente, contaminada de ilicitude.
Competência exclusiva do Poder Judiciário
Tratando-se a quebra de sigilo financeiro de uma restrição aos direitos fundamentais à intimidade, à vida privada etc., impende reconhecer que tão-somente cabe ao Judiciário a aferição de tal mister.
A uma porque a Magna Cartha adotara a teoria de Montesquieu (que remonta a John Locke) da separação dos poderes em três, quais sejam Executivo, Legislativo e Judiciário. E, com efeito, a própria CF/88 estabelece, em seu art. 5º, XXXV, a inafastabilidade da jurisdição ou da via judiciária, sendo, assim, o juízo o órgão exclusivo com competência para averiguar conflito aparente entre direitos fundamentais. A duas, porque o controle de legalidade exercido pela Justiça (check and balances ou freios e contrapesos) funciona, justamente, para frear ou “barrar” eventual abuso de poder do Executivo ou Legislativo.
Sendo assim, a restrição da intimidade preservada pelo sigilo financeiro é reservada à jurisdição, impelido, assim, que apenas a autoridade judiciária competente possa produzir uma decisão que, se atendidos os critérios legais e a proporcionalidade, quebrar o sigilo.
A quebra do sigilo financeiro pode ocorrer em dois momentos: na fase pré-processual e na fase processual. Esta é possibilitada pelo Código Processo Penal, em razão do poder instrutório do juiz, um vez que, no processo penal, não deve ser o magistrado mero expectador das partes, sendo lícito, pois, ao julgador determinar a quebra de sigilo financeiro ex officio[2]. Entretanto, conforme alerta Belloque, esta hipótese “é situação quase impraticável. A medida assume papel de extrema relevância durante as investigações preparatórias à ação penal” (2003, p.125).
Hipóteses de quebra do sigilo
Com efeito, o art. 1º, § 4º, da Lei Complementar 105/2001, prevê algumas das hipóteses em que poderá o sigilo financeiro (e aqui envolve, repita-se, o sigilo bancário) ser excepcionado:
“Art. 1o As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
§ 4o A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:
I – de terrorismo;
II – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;
III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção;
IV – de extorsão mediante seqüestro;
V – contra o sistema financeiro nacional;
VI – contra a Administração Pública;
VII – contra a ordem tributária e a previdência social;
VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores;
IX – praticado por organização criminosa (grifo nosso).
Observe-se que, no tocante à disciplina de restrição ao sigilo financeiro, diversamente da Lei 9.0296/96 (Lei de Interceptação Telefônica), o legislador de 2.001, ao consignar as expressões “de qualquer ilícito” e “especialmente nos seguintes casos”, limitou-se apenas em exemplificar as hipóteses em que a apuração de determinados crimes poderá ensejar a aludida medida investigatória.
Nesse sentido, assim disserta Belloque:
O rol de crimes trazido pela disposição legal é meramente exemplificativo, havendo a ressalva de que a quebra do sigilo deve ser utilizada especialmente para a apuração das infrações ali enumeradas. (...) alguns são marcados pela sua gravidade, outros pela estreita conexão com a utilização dos serviços disponibilizados pelas instituições financeiras, o que significa que o legislador não se esqueceu por completo do critério da proporcionalidade, reitor de restrição de direitos fundamentais, apesar de não o ter abraçado de forma devida12 (2003, p.94-95).
E conclui: “para tanto o rol deveria ser taxativo; pois, sem e tratando de compreensão do sigilo financeiro, da lei exigem-se preceitos inequívocos e precisos” (BELLOQUE, 2003, p.95).
Nesse passo, concordamos plenamente com a autora, à vista de que, em se tratando de direitos fundamentais, deve-se observar, sempre, o princípio da legalidade, em sua mais rigorosa acepção.
Justa causa
Para que possa haver, licitamente, a quebra de sigilo financeiro, é imprescindível que haja uma justa causa, pois a decretação dessa medida constitui, sem dúvidas, em verdadeiro ato de coação processual.
Para que haja justa causa a ensejar a decretação da quebra do sigilo financeiro não é necessário que haja prova da materialidade do delito, uma vez, na maioria das vezes, somente os documento enviados pela instituição financeira é que poderão trazer os elementos de prova da materialidade aos autos do processo. O que é necessário para a configuração da justa causa é que estejam presentes reais indícios acerca materialidade e autoria do crime (BELLOQUE, 2003).
Sobre a presença desses indícios, assim explica Belloque:
Certo é que são necessários indícios que apontem a prática de uma infração penal pelo titular das informações sigilosas afetadas pela decisão. O fato incidiário, que autoriza um juízo de probabilidade ou verossimilhança, não se identifica com a mera suspeita ou com a conjectura sem apoio em elementos fáticos concretos. Estes últimos, que se afastam do campo da probabilidade, aproximando-se mais da mera possibilidade, não são suficientes à decretação da quebra de sigilo financeiro (2003, p.100). timos, que se afastam do campo da probabilidade, aproximando-se mais da mera possibilidade, npecialmente para a apuraçsentes .
Dessa foram, para que haja justa causa é necessário que haja fundados e reais indícios de ocorrência de um crime, de tal forma que a quebra de sigilo financeiro se afigure, à vista do postulado ou princípio da proporcionalidade como medida necessária à prevalência, no caso concreto, do interesse público relevante. Nesse sentido, assim já decidiu o Supremo Tribunal do Federal:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM PETIÇÃO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO. MATÉRIAS JORNALÍSTICAS. DUPLICIDADE DA NOTÍCIA-CRIME. 2. Para autorizar-se a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico, medida excepcional, é necessário que hajam indícios suficientes da prática de um delito. A pretensão do agravante se ampara em meras matérias jornalísticas, não suficientes para caracterizar-se como indícios. O que ele pretende é a devassa da vida do Senhor Deputado Federal para fins políticos. É necessário que a acusação tenha plausibilidade e verossimilhança para ensejar a quebra dos sigilos bancários, fiscal e telefônico. 3. Declaração constante de matéria jornalística não pode ser acolhida como fundamento para a instauração de um procedimento criminal. 4. A matéria jornalística publicada foi encaminhada ao Ministério Público. A apresentação da mesma neste Tribunal tem a finalidade de causar repercussão na campanha eleitoral, o que não é admissível. Agravo provido e pedido não conhecido (STF, Pet-AgR 2805-DF, Rel. Min. Nelson Jobim, pub. in DJ de 13.11.2002).
Em sendo assim, forçoso é concluir que, para a ocorrência desses fundados indícios de materialidade e autoria do crime, é necessário que haja, ao menos, um início de investigação, seja o inquérito policial ou outra peça de informação, produzida, por exemplo, pelo MP.
Motivação da decisão judicial
Concluindo o juiz pela viabilidade da quebra do sigilo financeiro, deverá ele fundamentar adequadamente a sua decisão (art. 93, IX, da CF/88). De forma alguma poderá tal decisão, que restringe direito fundamental, ser lacunosa.
Assim é que, deverá o magistrado, ao decidir pela quebra do sigilo financeiro, estabelecer o alcance da medida investigatória, isto é, deverá julgador especificar “quais pessoas serão atingidas pela quebra do sigilo, quais contas ou aplicações financeiras serão violadas, quais instituições financeiras deverão fornecer as informações e sobre qual período recairá a violação” (SILVA, 2003, p.108).
Observe-se, assim, que “só se pode considerar como legítima do ponto de vista constitucional uma decisão que possa ser submetida a alguma espécie de controle, (...) e tal controle só é possível se a decisão judicial tiver sido fundamentada” (CÂMARA, 2004, p.56).
Sigilo da decretação da quebra do sigilo financeiro
Entende Juliana Belloque que, no procedimento em que se adota a medida da quebra do sigilo financeiro,
deve ser assegurado o exercício da ampla defesa, o que impede, em absoluto, a extensão dos efeitos do sigilo dos autos ao investigado e a seu defensor, já que a informação sobre o resultado da quebra do sigilo financeiro, com o acesso de todos os documentos anexados, é requisito indispensável à elaboração da estratégia defensiva (2003, p.103-104).
Para essa autora, a restrição à publicidade da persecução penal em que houve a quebra do sigilo é devida, em atendimento ao disposto no art.5º, LX, da CF/88, porém “é inaceitável que uma norma elaborada para a tutela dos direitos da parte envolvida no processo seja utilizada para prejudicá-la, impossibilitando a sua defesa” (2003, p.104). A nosso sentir, esse entendimento se releva absolutamente equivocado, eis que na fase pré-processual não há falar-se em contraditório e ampla defesa, pela própria natureza da investigação[3].
Consoante argumenta Paulo Rangel,
O sigilo imposto no curso de uma investigação policial alcança, inclusive, o advogado, pois entendemos que a Lei nº 8.906/94, em seu art. 7º, III e XIV, não permite sua intromissão durante a fase investigatória que está sendo feita sob sigilo, já que, do contrário, a inquisitoriedade do inquérito ficaria prejudicada, bem como a própria investigação (2007, p.87).
Observe-se, assim, que a exceção ao sigilo do inquérito policial compromete a eficácia da investigação, mormente nos casos de investigação envolvendo organizações criminosas, ou mesmo a associações ou quadrilhas ou quadrilhas que apresentam algumas características da criminalidade organizada (utilização de recursos tecnológicos avançados, corrupção de agentes do Estado etc.).
Atente, nesse ensejo, que o inciso LV do art. 5º da CF/88 garante o contraditório e a ampla defesa aos acusados em geral.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (grifo nosso).
Ora, em se tratando de fase pré-processual não há acusado, mas sim investigado, sendo, portanto, tais enquadramentos jurídicos absolutamente distintos.
Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
EMENTA: CRIMINAL. RMS. SONEGAÇÃO FISCAL. PROCEDIMENTO CAUTELAR DISTRIBUÍDOS POR DEPENDÊNCIA EM AUTOS DE INQUÉRITO POLICIAL CONDUZIDOS SOBRE SIGILO DECRETADO JUDICIALMENTE ACESSO IRRESTRITO DE ADVOGADO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO.RECURSO DESPROVIDO.
Não é direito líquido e certo do advogado o acesso irrestrito a autos de inquérito policial que esteja sendo conduzido sob sigilo, se o segredo das informações é imprescindível para as investigações. O princípio da ampla defesa não se aplica ao inquérito policial, que é mero procedimento administrativo de investigação inquisitorial. Sendo o sigilo imprescindível para o desenrolar das investigações, configura-se a prevalência do interesse público sobre o privado. Recurso desprovido (grifo nosso). (STJ, RMS 17691-SC, Rel. Min. Gilson Dipp, pub. in DJ de 14.03/2005).
ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Muito se tem discutido sobre a legitimidade de o Ministério Público poder requisitar informações protegidas pelo sigilo financeiro diretamente às instituições financeiras.
Os adeptos da tese segundo o qual o ordenamento conferiu ao MP esse poder sustentam, em síntese, que
tendo recebidos para receber diretamente os dados relativos aos extratos bancários por parte do Banco Central (art. 4º da Lei n. 4728/65); tendo poderes investigatórios determinados pelas Leis Orgânicas Nacionais do MP (Lei Complementar n. 40/81 e a sua e a sua revogadora Lei n. 8.625/93 – art. 26); como também pela Constituição Federal (art. 129, VI), que as recepcionou; tendo recebido também poderes da própria Constituição Federal para receber estes dados diretamente das CPIs (art. 58); e ainda tendo recebido do legislador, no âmbito do Ministério público da União esta incumbência perfeitamente descrita (lei n. 7.492/86 – art. 29), não pode restar qualquer dúvida de que possa fazê-lo diretamente, sem necessidade de autorização judicial (MENDRONI, 2002, p.103).
Assim, argumentam, como, v.g., Rogério de Paiva Navarro e Márcio Mafra Leal (BELLOQUE, 2003, p.138), que a Lei Complementar nº 75/1993 (que regulamentou as atribuições constitucionais do Ministério Público da União) conferiu a esta instituição, dentre outros, o poder de quebrar o sigilo financeiro diretamente, prescindindo-se, portanto, de autorização judicial. A propósito, vejamos o que estabelece os incisos IV, V e VIII, que, segundo eles, fundamentam essa intelecção:
Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
IV - requisitar informações e documentos a entidades privadas;
V - realizar inspeções e diligências investigatórias;
VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;
§ 1º O membro do Ministério Público será civil e criminalmente responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar; a ação penal, na hipótese, poderá ser proposta também pelo ofendido, subsidiariamente, na forma da lei processual penal.
§ 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.
Também é apontada, por essa doutrina, a Lei 8.625/93 (que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) como outro diploma legal que conferira essa possibilidade ao MP. Com efeito, assim estabelece o art. 26, II e seu §2º, desta Lei, in verbis:
Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie.
§ 2º O membro do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar, inclusive nas hipóteses legais de sigilo.
É utilizado, outrossim, o art. 29, da Lei 7.492/86 (que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências), que dispõe:
Art. 29. O órgão do Ministério Público Federal, sempre que julgar necessário, poderá requisitar, a qualquer autoridade, informação, documento ou diligência, relativa à prova dos crimes previstos nesta lei.
Parágrafo único O sigilo dos serviços e operações financeiras não pode ser invocado como óbice ao atendimento da requisição prevista no caput deste artigo.
Há, inclusive, disposição nesse sentido no Projeto de Lei 3.731/97 (que dispõe sobre as organizações criminosas, os meios de obtenção da prova e o procedimento criminal):
Art. 19. A autoridade policial ou o Ministério Público, no curso da investigação criminal ou da ação penal, poderão requisitar, de forma fundamentada, o fornecimento de dados cadastrais, registros, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras, telefônicas, de provedores de internet, eleitorais ou comerciais, ressalvados os protegidos por sigilo constitucional.
Parágrafo único. No caso de recusa por parte do detentor da informação requisitada, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, expedirá mandado de busca e apreensão.
O que se verifica, contudo, é que, muito acertadamente, essa sustentação tem sido rechaçada por boa parte da doutrina e jurisprudência.
Conforme atenta Juliana Belloque, o princípio da reserva da jurisdição abrange “não só as situações em que a restrição de direito público subjetivo esteja expressamente vinculada à prévia atuação jurisdicional, como também daquelas em que resulta grave colisão do sistema constitucional de direitos fundamentais” (grifo nosso). (2003, p.140).
Assim é que, conforme já explicado, por se tratar a quebra de sigilo financeiro de uma restrição aos direitos fundamentais à intimidade, à vida privada etc., cabe ao Judiciário, e não MP, a decretação de tal medida (a respeito do requisito da competência exclusiva do Poder Judiciário para a decretação da quebra do sigilo financeiro, ver o tópico 6.3.2.1, a que remetemos o leitor).
Nesse sentido, assim se expressa o Min. do STJ Domingos Franciulli Netto:
Afora os poderes conferidos às Comissões Parlamentares de Inquérito, cabe ao Poder Judiciário ordenar a quebra do sigilo bancário, o que deverá ser determinado pelo juízo natural da causa, nesta incluída a medida cautelar, consoante observa com acuidade Jacques de Camargo Penteado, apontando valioso julgamento relatado pelo eminente Ministro Athos Carneiro, por vedar o sistema pátrio apenas emprego de meio estranho ao processo (STJ, Conflito de Competência, PI, in DJU de 5.4.1993, p. 5.803), a par da doutrina de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R. Dinamarco, exposta na obra “Teoria Geral do Processo”, Editora RT, 1a edição, 1974, página 274 (2007, p.20-21).
Veja como é simples o raciocínio.
Com efeito, o inciso X do 5º da CF estabeleceu, expressamente, que é inviolável o direito fundamental à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, sendo, pois, a teor do art. 60, §4º, IV, cláusula pétrea.
Assim, como todo direito fundamental, o direito à intimidade, protegido pelo sigilo financeiro, pode ser relativizado, se preenchido todos os requisitos legais (ver o tópico 6.3.2). Mas essa relativização, ou melhor, essa restrição, justamente por ser dirigida a um direito fundamental, só poderá ser exercida pelo Judiciário, em razão de competência. Isso porque a CF/88, em nenhum momento, conferiu ao Ministério Público a atribuição de quebra do sigilo financeiro de quem quer que seja. Senão, vejamos.
Dispõe o inciso VI do art. 129 da Magna Charta:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
Observe-se, pelo teor deste dispositivo constitucional, que o MP poderá, sim, em certos casos, requisitar informações e documentos. Mas isso tão-somente será possível, se tais informações e documentos não estiverem revestidos de caráter sigiloso.
É que, quando o constituinte estabeleceu que o Parquet poderá requisitar informações e documentos para instruir os procedimentos administrativos de sua competência, ele quis se referir, obviamente, às informações e documentos que não sejam sigilosos, considerando-se que o direito à intimidade foi erigido como fundamental no art. 5º, X.
Também a possibilidade conferida ao MP em requisitar diligências investigatórias (art.129, VIII, da CF/88) em nada leva a interpretar que o MP tem o poder de decretar a quebra do sigilo financeiro. É claro que o MP pode requisitar a instauração de inquérito policial e outras diligências investigatórias. Entretanto, para que o MP possa obter, licitamente, os dados, documentos e informações de caráter sigiloso, é necessário, primeiro, que requeira a quebra do seu sigilo perante a Justiça.
Nesse diapasão, deve-se atentar que quem conferiu essa “atribuição” do MP em requisitar informações e documentos de caráter sigiloso foi o legislador infraconstitucional. Em nenhum momento algum a CF/88 consignou expressamente esse poder ao MP.
Sendo assim, como cediço, não cabe ao legislador infraconstitucional ampliar a atribuição do Ministério Público, que já foi devidamente traçada pela Constituição Federal.
Dessa forma, a antinomia entre a norma jurídica inserta no art. 5º, X, da CF/88 e a norma estabelecida no art. 8º, §2º, da Lei Complementar 75/93, deve ser resolvida, obviamente, com a prevalência da regra constitucional, eis que de maior hierarquia dentre todas as normas jurídicas (Hans Kelsen).
A propósito, é relevante observar, outrossim, que a Lei Complementar nº 105/2001 – portanto, posterior à LC 75/93 -, que dispõe, especificamente, sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, “não confere atribuição ao Ministério Público para a requisição direta das informações sigilosas” (BELLOQUE, 2003, p.139).
A ODIOSA FIGURA DO JUIZ INQUISIDOR (ART. 3º, DA LEI 9.034/95)
O art. 3º, da Lei 9.034/95 pecou gravemente ao prever que, em se tratando de quebra de sigilo financeiro (que engloba sigilo bancário, e o sigilo que, antigamente, era conhecido como o financeiro, como já foi explicado) e eleitoral, o próprio juiz realizará a diligência investigatória pessoalmente.
Com efeito, assim previa o dispositivo:
Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.
§ 1º Para realizar a diligência, o juiz poderá requisitar o auxílio de pessoas que, pela natureza da função ou profissão, tenham ou possam ter acesso aos objetos do sigilo.
§ 2º O juiz, pessoalmente, fará lavrar auto circunstanciado da diligência, relatando as informações colhidas oralmente e anexando cópias autênticas dos documentos que tiverem relevância probatória, podendo para esse efeito, designar uma das pessoas referidas no parágrafo anterior como escrivão ad hoc.
§ 3º O auto de diligência será conservado fora dos autos do processo, em lugar seguro, sem intervenção de cartório ou servidor, somente podendo a ele ter acesso, na presença do juiz, as partes legítimas na causa, que não poderão dele servir-se para fins estranhos à mesma, e estão sujeitas às sanções previstas pelo Código Penal em caso de divulgação.
§ 4º Os argumentos de acusação e defesa que versarem sobre a diligência serão apresentados em separado para serem anexados ao auto da diligência, que poderá servir como elemento na formação da convicção final do juiz.
§ 5º Em caso de recurso, o auto da diligência será fechado, lacrado e endereçado em separado ao juízo competente para revisão, que dele tomará conhecimento sem intervenção das secretarias e gabinetes, devendo o relator dar vistas ao Ministério Público e ao Defensor em recinto isolado, para o efeito de que a discussão e o julgamento sejam mantidos em absoluto segredo de justiça.
Com isso, o legislador acabou ressuscitando a odiosa figura do juiz inquisidor, existente no sistema inquisitorial, na qual se concentram no magistrado as funções de acusar, defender e julgar (MARQUES, 1998).
Conforme explica Jacinto Miranda Coutinho, citado por Paulo Rangel: “a característica fundamental do sistema inquisitório, em verdade, está na gestão da prova, confiada essencialmente ao magistrado que, em geral, no modelo em análise, recolhe-a secretamente” (2007, p.46).
Como características do sistema inquisitorial, aponta Paulo Rangel:
a) as três funções (acusar, defender e julgar) concentram-se nas mãos de uma só pessoa, iniciando o juiz, ex officio, a acusação, quebrando, assim, sua imparcialidade;
a) o processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, longe dos olhos do povo;
b) não há o contraditório nem a ampla defesa, pois o acusado é mero objeto do processo e não sujeito de direitos, não se conferindo nenhuma garantia;
c) o sistema de provas é o da prova tarifada ou prova legal e, conseqüentemente, a confissão é a rainha das provas (com grifos no original). (2007, p.46).
Observe-se, assim, que esse sistema fulmina, dentre outras, a garantia da imparcialidade do juiz, do princípio da publicidade e da fundamentação das decisões judiciais. O “julgamento” se realiza, pois, sem a garantia que do devido processo legal. Nesse sentido, Gamil Föppel é enfático:
Nos termos da Lei, irá este juiz, inicialmente, comprometer a sua imparcialidade – colhendo as provas fora do devido processo legal –, para depois afrontar, com todas as forças, o princípio da publicidade e da fundamentação das decisões jurisdicionais. Em suma síntese, irá este juiz colher provas, guardá-las em sigilo e depois utilizá-las na formação de seu convencimento, sem que, evidentemente, possa usá-las na sua fundamentação. Imagine-se uma sentença condenatória lastreada em tais provas!
Consoante Ada Pellegrini Grinover, Scarance Fernandes e Magalhães Gomes Filho,
esta é a razão pela qual os ordenamentos processuais modernos abandonaram o sistema inquisitório em que as funções de acusar e julgar estavam concentradas no mesmo órgão (juiz ou Ministério público). E é por isso que desperta preocupações o texto da Lei 9.034, de 03.05.1995, destinada a regular a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão dos crimes oriundos de organizações criminosas, que transforma o juiz em verdadeiro inquisitor, atribuindo-lhe a colheita das provas, com que fere a mais importante garantia do devido processo legal, que é a garantia de imparcialidade (GRINOVER, et al; 2006, p.148).
Nem precisa dizer, só pelas características, que esse sistema não foi o adotado pela Constituição Federal de 1.988, adotando-se, no Brasil, o sistema acusatório.
A ADIN 1.570-2/2004
Apenas em 2004 (oito anos após à Lei 9.034/95) foi que o Supremo Tribunal Federal julgou o mérito da ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 1.570-2, proposta pelo Ministério Público Federal. Eis a ementa:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 9034/95. LEI COMPLEMENTAR 105/01. SUPERVENIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR. REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. "JUIZ DE INSTRUÇÃO". REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE. COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA. FUNÇÕES DE INVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL. 1. Lei 9034/95. Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e conseqüente violação ao devido processo legal. 3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte.
Assim, conforme decidiu o STF, o art. 3º, da Lei 9.034/95 foi integralmente revogado, extirpando-se do ordenamento jurídico a odiosa figura do juiz inquisidor. Quanto aos dados bancários e financeiros, entendeu o STF que a ADIn ficara prejudicada, tendo em vista que a Lei Complementar nº 105/2001, por regular toda a matéria referente aos sigilos bancários e financeiros, acabou por revogar tacitamente a parte do art. 3º, da Lei 9.034/95, que lhes toca. E nesta LC nº 105/2001 não existe essa figura do juiz inquisidor.
Já em relação aos dados fiscais e eleitorais, entendeu o STF, muita acertadamente, pela inconstitucionalidade, por todas as razões apontadas acima, retirando-se, assim, a parte restante do art. 3º - que não fora revogada pela LC nº 105/2001 –, da mesma Lei, da órbita jurídica.
[1] Sobre o tema, ver excelente artigo de Rômulo de Andrade Moreira: Sistemas de Código Aberto e a Urna. Disponível em: http://www.cic.unb.br/~pedro/trabs/entrevistaRCC.htm
11 Sobre os fundamentos centrais de cada teoria, ver obra de Maria José Oliveira Lima Roque: “Sigilo Bancário & Direito à Intimidade”.
[2] No sentido, ver: GRINOVER, Ada Pellegrini. SCARNCE, Antonio Fernandes. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As Nulidades no Processo penal. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
[3] Ver artigo de Rômulo Moreira: Inquérito Policial. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=2959&p=1
Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado. Ex-Procurador do Estado do Paraná. Ex-Advogado da Petrobras Distribuidora S/A. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Extensão em Direito Constitucional Avançado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. Extensão em Licitações Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOTA, Luig Almeida. Quebras dos sigilos fiscal, bancário e financeiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 abr 2013, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34703/quebras-dos-sigilos-fiscal-bancario-e-financeiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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