Recentemente a Defensoria Pública do Estado de São Paulo foi intimada do acórdão abaixo colacionado, onde se decidiu ser crime impossível a tentativa de furto vigiada. Confira-se:
Vê-se, destarte, que não haveria o agente como ultimar a ação criminosa tentada. O segurança do estabelecimento comercial, como asseverado, monitorou o percurso do recorrente desde que este teve a posse dos bens, estando preparado para evitar a consumação da subtração. Nesse contexto, sem descurar a divergência que grassa na jurisprudência pátria, e preservando, como sói acontecer, a intelecção diversa do Juízo de origem até por uma questão de política criminal, a ação do incriminado deve ser tida como crime impossível (cf. artigo 17 do Código Penal). Afinal de contas, não se pode punir a tentativa quando se demonstra ser impossível a consumação do crime. E, no caso, isso ficou bem definido, não só pelo comportamento atento do funcionário do açougue que, desde logo, acionou o segurança, como pela ação deste, que observou o incriminado pelo estabelecimento até a sua saída do local, como já explicitado alhures, pois treinado a impedir a ocorrência de crimes como o da presente espécie. Enfim, diante de tais considerações, a melhor solução para o caso é ditar-se pela absolvição do apelante (cf. artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal), deixando-se de analisar as demais teses pelo que restou decidido. (TJSP - Apelação Criminal nº 0005292-21.2011.8.26.0344 - Marília - Des. SYDNEI DE OLIVEIRA JR)
A questão jurídica, como bem frisado no aresto, não é pacífica em nossa jurisprudência, mas o acórdão chamou nossa atenção, principalmente pela sensibilidade do magistrado ao trazer para si a responsabilidade de julgar com os olhos voltados à necessária reforma pela qual deve passar a política criminal de nosso país.
Segundo sustentou a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a tentativa de furto vigiada, em determinadas hipóteses, pode configurar crime impossível ante a ineficácia absoluta do meio empregado, já que em tais casos o fato criminoso não se consumará, tendo em vista a inconteste prevalência dos agentes de segurança - ou do sistema de vigilância - sobre a conduta do agente.
Nesse passo, crime impossível - ou tentativa inidônea - de acordo com o artigo 17, do Código Penal, é aquele que jamais poderá se consumar, quer por ineficácia absoluta do meio, quer por impropriedade absoluta do objeto.
Nessa toada, deve-se compreender por ineficácia absoluta do meio aquele inteiramente incapaz de permitir a concretização do intento delituoso, restando, via de conseqüência, inviável punir-se o agente.
É o caso da tentativa de furto vigiada.
Em tal hipótese, a depender do caso concreto, o réu não logrará o êxito almejado na subtração, já que permanece, por todo o tempo, sob os olhares atentos de seguranças ou funcionários responsáveis pela vigilância, que acompanham toda a ação e não irão permitir o êxito do delito.
O mesmo raciocínio vem sendo utilizado pela doutrina mais abalizada para declarar a invalidade do denominado flagrante esperado, onde a prática futura de um crime é comunicado às autoridades, que se deslocam até o local da infração, colocando-se em prontidão para evitar a consumação delitiva.
Tal hipótese de prisão flagrante vem sendo equiparada ao chamado flagrante provocado (ou preparado), onde há a decisiva intervenção de um terceiro que prepara ou incita a prática da ação criminosa, provocando, assim, o próprio flagrante.
Neste caso, diante da impossibilidade da consumação delitiva, inexiste o crime, não sendo outro o teor da Súmula 145, do Supremo Tribunal Federal, que assim desfia: “não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível sua consumação”.
Neste sentido, merece nota a lição de Rogério Greco:
“Não vislumbramos qualquer distinção que importe em atribuir a tentativa no flagrante esperado e o crime impossível na flagrante preparado. Se o agente, analisando o caso concreto, estimulado ou não a praticar o crime, não tinha como alcançar sua consumação porque dela soubera com antecedência a autoridade policial e preparou tudo de modo a evita-lo, não podemos atribuir-lhe o ‘conatus’. Não importa se o flagrante é preparado ou esperado. Desde que o agente não tenha qualquer possibilidade, em hipótese alguma, de chegar á consumação do delito, o caso será de crime impossível, considerando-se a absoluta ineficácia do meio por ele empregado, ou a absoluta impropriedade do objeto.” (Curso de Direito Penal. 7. Ed., Niterói: Impetus, 2006, p. 310)
Confiram-se, também, os ensinamentos de Eugênio Pacceli de Oliveira:
Do tudo quanto se disse, pode chegar a algumas conclusões. A primeira delas seria de que não existe real diferença entre o flagrante preparado e o flagrante esperado, no que respeita à eficiência da atuação policial para o fim de impedir a consumação do delito. Duzentos policiais postados para impedir um crime provocado por terceiro (agente provocador) têm a mesma eficácia ou eficiência que outros duzentos policiais igualmente postados para impedir a prática de um crime esperado. (Curso de Processo Penal. 12. Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 482)
Assim, tal como ocorre na flagrante esperado, no caso da tentativa de furto vigiada o réu, a depender do caso concreto, jamais logrará êxito na consumação do delito, sendo imperativo o reconhecimento da figura legal prevista no artigo 17, do Código Penal, inviabilizando-se a punição do agente, já quem em momento algum o patrimônio da vítima permanece desprotegido.
Mas não é só.
Como bem frisou o acórdão, também por razões de política criminal é que se deve reconhecer tratar-se de crime impossível a tentativa de furto vigiada.
Com efeito, de acordo com o Depen - Departamento Penitenciário Nacional - a população carcerária do país, em 2011, atingiu o expressivo número de 514.582 presos, alcançando a 4ª colocação dentre os países com o maior número de segregados, com um crescimento de 120% na última década.
No mesmo período, o número de presos provisórios dobrou, passando de 78.437 para 173.818. Em virtude deste desabalado crescimento, hoje faltam 208.085 vagas nos estabelecimentos prisionais, havendo 68% mais presos do que vagas disponíveis.
É a falência do sistema prisional, que por razões de política criminal, como bem ressaltado no acórdão, ainda que implicitamente, deve ser reservado apenas para crimes graves, o que seguramente não é o caso da tentativa de furto vigiada.
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