SÚMARIO: Introdução; 1. A tutela inibitória no direito positivo brasileiro; 1.1. Evolução legislativa; 1.2. Natureza Jurídica da ação prevista no art. 461 do Código de Processo Civil e no art. 84 do Código de Defesa do Consumidor 2. A tutela inibitória puramente preventiva; 2.1. A inibição do ilícito versus a inibição do dano; 2.2. As diferentes espécies de tutelas inibitórias: contra a continuação do ilícito, a repetição do ilícito e prática do ilícito; 2.3. a tutela inibitória puramente preventiva e sua necessária aplicação na ação civil pública; Considerações finais; Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A tutela inibitória veio servir ao grande propósito de preservar direitos que, acaso lesados, não podem ser reparados com precisão. De fato, diversos interesses e direitos, principalmente os chamados coletivos lato sensu, não podem ter sua reparação convertida em pecúnia. A resolução dos litígios em perdas e danos remonta a um processo civilista tradicional em que todos os direitos possuíam certo tarifamento pecuniário, visão essa incompatível com um processo moderno, preocupado com um acesso à justiça efetivo.
Com efeito, o processo moderno está mais preocupado em entregar ao titular do direito o bem da vida pleiteado do que um equivalente monetário. Junto com os direitos de segunda e terceira geração o processo sofre transformação, não apenas através das tutelas coletivas, mas ainda em relação às tutelas executivas e, principalmente, à tutela inibitória. O processo civil foca-se em evitar a lesão, que, uma vez perpetrada, não poderá ser reparada adequadamente. Como retornar ao statu quo após um derramamento de petróleo e a extinção de milhares de espécies? Como reparar adequadamente a destruição de um patrimônio histórico? Trata-se, indubitavelmente, de direitos irreparáveis, ou seja, interesses que podem ser protegidos apenas através da prevenção de lesões.
No entanto, as diversas tutelas preventivas não são fáceis de serem aplicadas, nem ao menos no plano teórico. Quais são as hipóteses que permitiriam ao Judiciário emitir uma decisão inibitória com severas penalidades para o caso de violação da legislação? Ou seja, quando seria permitido ao judiciário aplicar preventivamente uma sanção para o caso de descumprimento de uma lei que já prevê ela própria uma sanção ao seu descumprimento?
É justamente aí que surge a grande controvérsia a respeito da aplicação ou não da tutela inibitória. Voltar-se-ia ela contra o dano ou já contra o ilícito? Seria apta a inibir a repetição de um ilícito, sua continuação, ou também sua prática inicial?
Temos como expoente nacional no assunto Luiz Guilherme Marinoni, que tanto em sua obra Tutela Inibitória, quanto em diversos artigos publicados sobre o assunto, discute os limites de aplicabilidade da tutela inibitória.[1]
Procura-se investigar, neste trabalho monográfico, justamente a aplicabilidade da tutela inibitória na hipótese de prevenção de um ilícito jamais antes perpetrado pelo sujeito passivo, mas com boas probabilidades de ocorrência.
Procura-se diferenciar o dano do ato Ilícito, ressaltando que a tutela inibitória não se volta contra o dano, mas contra o Ilícito, sendo suficiente para seu deferimento a mera probabilidade de ocorrência deste. Visa, ainda, o presente trabalho a questionar se a tutela inibitória seria a resposta adequada do processo civil moderno à preservação de direitos e interesses impossíveis de reparação por equivalência pecuniária e se esta tutela deveria ser dirigida contra a só probabilidade de violação da ordem jurídica.
Poderia o juiz na ação civil pública e de forma preventiva arbitrar sanção para o descumprimento de uma norma jurídica que já prevê em seu bojo sanção própria? Diversos são os questionamentos a serem levantados a respeito do tema, bem como imensa é a importância do tema para a garantia da efetividade do processo na proteção dos direitos de segunda e terceira geração (assim como dos de quarta e quinta para alguns autores).
A tutela específica da obrigação introduzida no direito brasileiro pela Lei n. 8.952/94 e pelo Código de Defesa do Consumidor está ganhando cada vez mais espaço na jurisprudência pátria. A Ação Civil Pública e o microssistema processual coletivo, formado pela simbiose da Lei n. 7.347/85 e do Código de Defesa do Consumidor, utilizam-se em larga escala desta espécie de tutela, sendo instrumento ímpar na concretização dos direitos e garantias fundamentais previstos dentro e fora do catálogo da Constituição da República.
Dessa forma, a inquirição a respeito da tutela inibitória, dos limites para a sua aplicação, de sua função dentro da ação civil pública e do processo coletivo, da sua efetividade no combate à violação da ordem jurídica, especialmente aos direitos fundamentais, faz-se necessário, na medida em que se procura caminhar em direção ao tão propalado efetivo acesso à ordem jurídica justa.
O aprimoramento das formas de aplicação deste instituto contribuirá, e muito, para a solução do grave problema referente à afirmação dos direitos fundamentais e sua efetiva proteção, ao invés de sua singela enumeração em infinitos documentos jurídicos nacionais e internacionais desprovidos, na prática, de maiores impactos sociais.
1 – A TUTELA INIBITÓRIA NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO
O processo é um instrumento de realização do direito material. Dessa forma, para cada direito substancial deve existir uma tutela adequada. Explica-se. Para direitos de conteúdo essencialmente econômico, uma tutela ressarcitória será suficiente para a reparação de uma lesão eventualmente perpetrada. Já para direitos de conteúdo não patrimonial, uma tutela específica será a única capaz de compensar adequadamente o lesado. No entanto, existem direitos de conteúdo não patrimonial em que a única forma de preservá-los é a prevenção, ou seja, é não permitir que sejam lesados.
Justamente para isso, e dentro deste cenário, é que nasce a tutela inibitória. No entanto, no Código de Processo Civil de 1973, ocorria justamente o contrário, na medida em que os instrumentos preventivos existentes eram destinados à proteção da posse e da propriedade, assim leciona Barbosa Moreira:
A tutela preventiva, mediante procedimento especial, fica ordenada no Código, de maneira exclusiva, à proteção da posse e da propriedade. Mal se justifica o tratamento privilegiado, se se considerar, de um lado, que a eventual lesão representada pela turbação, pelo esbulho ou pela execução da obra irregular comporta em geral reparação satisfatória sob a forma da restituição ao estado anterior; de outro lado, que o favor dispensado a tais posições jurídicas mais realça, pelo contraste, o desamparo em que jazem outras, de modo particular exatamente algumas para as quais a falta de adequada tutela preventiva não raro significa, na prática, denegação pura e simples de tutela.[2]
Não existia, dessa forma, na formatação original do Código de Processo Civil de 1973, uma tutela preventiva genérica que pudesse ser destinada à proteção dos direitos de conteúdo não patrimonial. O texto do Código de Processo Civil mencionava como medidas preventivas o interdito proibitório (art. 932) e a nunciação de obra nova (art. 934), in verbis:
Art. 932. O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.
(...)
Art. 934. Compete esta ação:
I - ao proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a edificação de obra nova em imóvel vizinho Ihe prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado;
Com o advento da Constituição da República de 1988, no entanto, não existiram mais dúvidas de que toda a ameaça a direito deveria ser tutelada. Ou seja, a tutela genérica preventiva fazia parte do ordenamento processual brasileiro e era obrigação do Poder Judiciário impedir a violação do direito como medida de efetividade jurisdicional. Ademais, a tutela preventiva foi prevista na forma de garantia fundamental, munida, desta maneira, de todo o status conferidos a estes direitos, como cláusula pétrea e aplicabilidade imediata.
Com efeito, foi no inciso XXXV do art. 5 da Constituição da República que o constituinte previu a proteção judicial à ameaça ao direito, assegurando, no parágrafo primeiro do mesmo artigo, sua aplicação imediata, senão vejamos:
Art. 5 º (...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
(...)
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Dessa forma, poder-se-ia considerar que já a Carta Maior de 1988 assegurava a tutela inibitória genérica no ordenamento jurídico brasileiro. Não bastasse isso, em 1990 foi promulgado o Código de Defesa do Consumidor que em seu art. 84 previu expressamente a tutela específica e inibitória da violação de direito, in verbis:
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
Sem embargos da aplicação do Código de Defesa do Consumidor a todo o processo civil brasileiro, o Código de Processo Civil praticamente repetiu a redação de tal diploma processual em seu art. 461, alterado pela Lei n. 8.952 de 1994:
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
O Poder Judiciário foi munido, portanto, de instrumento legal para a materialização do direito fundamental à tutela inibitória previsto no inciso XXXV no art. 5 da Carta Maior. Conjuntamente com a liminar prevista no mesmo artigo e com os meios de coação do juízo, tendo como principal ator as famosas astreintes, a capacidade do juiz de inibir a ocorrência de uma violação ao ordenamento jurídico foi expressivamente expandida.
1.2. Natureza Jurídica da ação prevista no art. 461 do Código de Processo Civil e no art. 84 do Código de Defesa do Consumidor
A natureza jurídica da ação disciplinada no art. 461 é condenatória. Disso difere, portanto, da ação de caráter declaratório que, em que pese poder declarar a situação jurídica de determinado fato e com isso possuir certo caráter preventivo, não possui qualquer método de sanção ou coação.
Ademais, não se confunde com a ação cautelar, uma vez que é ação principal e não acessória, bem como não se trata de processo executivo, em que pese sua tutela ser executiva.
De fato, a ação do art. 461 marca, de certa forma, o início da fusão entre a ação de conhecimento com o processo executivo. Não se mantém aquele isolamento tradicional dos atos executivos que poderiam ser praticados apenas no bojo do processo de execução.
É, dessa forma, ação de conhecimento, condenatória, com caráter inibitório, utilizando-se de medidas executivas, se necessário, para efetivar a prevenção da violação da ordem jurídica.
Nesse sentido advoga Luiz Guilherme Marinoni:
A tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, e assim não se liga instrumentalmente a nenhuma ação que possa ser dita “principal”. Trata –se de “ação de conhecimento” de natureza preventiva, destinada a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito.[3]
Ainda sobre o advento da nova redação do art. 461 e sua natureza jurídica, convém citar Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery:
A ação prevista no CPC 461 é condenatória com caráter inibitório, e, portanto, de conhecimento. Tem eficácia executivo-mandamental, pois abre ensejo à antecipação da tutela (CPC 461 § 3º), vale dizer, autoriza a emissão de mandato para execução específica e provisória de tutela de mérito e seus efeitos, e, quanto ao provimento de mérito, sua eficácia é executiva (...)[4]
A grande novidade do dispositivo pode ser considerada, portanto, a introdução na ação de conhecimento de meios executivos postos à disposição do juízo para garantir a efetividade do processo. A inibição da violação à ordem jurídica é materializada através de ordens do juízo para que o réu se abstenha de praticar ato ilícito – o que, na verdade, já é função da própria norma -, aumentando sensivelmente a sanção na hipótese de descumprimento da ordem para muito além da sanção prevista na própria norma. Ou seja, quanto mais grave e irreparável seja a lesão ao ordenamento jurídico maior deverá ser a sanção arbitrada pelo juiz para a hipótese de descumprimento da própria lei, inibindo, desta forma, com maior vigor, sua violação.
O aparato jurídico-normativo para a concessão da tutela inibitória está positivado constitucionalmente e legalmente, não faltando preceitos que autorizem ao Juiz sua aplicação. Dessa maneira, os limites à aplicabilidade estão mais afetos a construções doutrinárias e jurisprudenciais, bem como a preconceitos na efetiva afirmação dos direitos fundamentais, do que a lacunas normativas.
2 – A TUTULA INIBITÓRIA PURAMENTE PREVENTIVA
2.1. A inibição do ilícito versus a inibição do dano
O dano e o ilícito não se confundem. De fato, pode haver dano sem que haja ilícito e ilícito sem que haja dano. Como exemplo da primeira afirmação, poderíamos citar um dano causado em estado de necessidade, ou legítima defesa, em que não há ato ilícito. Já na hipótese de ilícito sem dano, pode-se mencionar a violação de uma norma de segurança no trabalho, sem que ocorra nenhum contratempo e, consequentemente, nenhum dano.
A inibição do ilícito, desta forma, vai além da inibição do dano, uma vez que pouco importa que se venha a causar dano, o que se pretende é uma tutela que vise à prevenção de uma violação da ordem jurídica. De fato, não basta a prevenção do dano, porque se permitiria a violação da ordem jurídica, potencializando a futura ocorrência do dano.
Sobre o assunto não é possível deixar de citar Luiz Guilherme Marinoni, cuja obra “tutela inibitória” foi marco do estudo do tema no Brasil:
Uma das mais importantes conquistas da doutrina italina mais recente está na distinção – elaborada a partir de uma revisão do conceito de ilícito – entre ato ilícito e fato danoso.
A necessidade de uma tutela antecedente ao dano, de conteúdo nitidamente preventivo, levou os estudiosos a tentar explicar o fundamento e finalidade deste tipo de tutela.[5]
Desta forma, é possível perceber a importância da diferença entres estes dois institutos, na medida em que o processo tradicional sempre se voltou apenas contra o dano e seu ressarcimento.
Inúmeros exemplos, no entanto, podem ser pensados em que uma tutela inibitória do ilícito é imprescindível à garantia de direitos fundamentais e a concretização de uma tutela preventiva eficiente. Sem dúvida, em toda a legislação de risco – aquela que impõe deveres que, acaso descumpridos, podem acarretar, ou não, lesões a bens jurídicos – é necessária uma tutela inibitória do próprio descumprimento da lei. Ou seja, tanto na seara de acidentes ambientais, como na hipótese de acidentes do trabalho, a ocorrência do ilícito não necessariamente acarretará a ocorrência do dano, mas deve ser inibido para que justamente não se potencialize a ocorrência do último.
A tutela inibitória, portanto, simplesmente independe do dano, nisso diferindo da tutela ressarcitória. Em que pese esta afirmação poder parecer óbvia aos estudiosos do processo civil moderno, o processo civil tradicional sempre foi voltado ao ressarcimento do dano, sendo impossível imaginar-se uma tutela que não fosse voltada ao fato danoso. Sobre o tema vale citar, mais uma vez, Luiz Guilherme Marinoni:
É óbvio que o dano não pode estar entre os pressupostos da inibitória. Sendo a inibitória uma tutela voltada para o futuro e genuinamente preventiva, é evidente que o dano não lhe diz respeito.
Na realidade, se o dano não é elemento constitutivo do ilícito, podendo este último existir independentemente do primeiro, não há razão para não se admitir uma tutela que leve em consideração apenas o ilícito, deixando de lado o dano.[6]
Este esclarecimento a respeito da diferença entre dano e ilícito é de vital importância, não só para a boa compreensão do instituto da tutela inibitória no seu plano teórico, bem como para uma efetiva tutela preventiva de lesão aos direitos fundamentais.
Salienta-se desde já, e isso será abordado com maior ênfase na última parte deste capítulo, que quanto mais fundamentais os direito tutelados, maior será o campo de aplicação da tutela inibitória. Ou seja, quanto mais irreparáveis os direitos lesados, maior deverá ser a liberdade do magistrado ao analisar os pressupostos para concessão da tutela inibitória, principalmente em relação à puramente preventiva.
2.2. As diferentes espécies de tutelas inibitórias: contra a continuação do ilícito, a repetição do ilícito e prática do ilícito.
Existem três espécies de tutela inibitória que poderão ser deferidas pelo Juiz: contra a repetição do ilícito, a continuação do ilícito e a prática do ilícito.
A tutela inibitória contra a repetição do ilícito diz respeito à hipótese em que o réu já descumpriu previamente a legislação e, portanto, há fortes indícios que venha a feri-la novamente. É uma das formas mais comuns de tutela requerida em ação civil pública, na qual o autor ideológico, sabedor do descumprimento da ordem jurídica por parte de determinada pessoa, ajuíza a ação coletiva cumulando o pedido ressarcitório, com o pedido inibitório. Pode-se citar como exemplo desta situação uma empresa que descumpriu a legislação ambiental, despejando dejetos tóxicos numa determinada corrente de água. Neste exemplo caberia ao Ministério Público requerer, em sede de ação civil pública, o ressarcimento do dano causado, cumulado com uma tutela inibitória, materializada em obrigação de não fazer consistente em não mais despejar dejetos tóxicos em fluxos d´água.
A tutela inibitória contra continuação do ilícito é aquela em que há um ato continuado de descumprimento da legislação. Desta forma, a empresa não apenas descumpre em um só ato, mas mantém-se num estado de permanente violação da ordem jurídica. Também é uma espécie muito comum de tutela pleiteada em ações civil públicas na prática. Pode-se citar como exemplo desta situação uma empresa que vem descumprindo a legislação trabalhista, não fornecendo os devidos EPIs (equipamentos de proteção individual), em que há o ajuizamento, por parte do Ministério Público do Trabalho, de uma Ação Civil Pública, pleiteando um ressarcimento por danos morais pelo descumprimento da norma (destinado ao fundo mencionado no art. 13 da Lei nº 7.347/85), bem como uma tutela inibitória, materializada numa obrigação de fazer para que e empresa forneça os EPIs, sob pena de multa diária – astreintes – também destinadas ao fundo do art. 13. Salienta-se que no presente exemplo sequer é necessário tenha ocorrido dano.
Por fim, a tutela inibitória voltada contra a prática do ilícito, também chamada de puramente preventiva, é aquela em que não houve nenhuma violação da norma ainda por parte do sujeito passivo da ação. É a hipótese mais rara e nem sempre aceita pela jurisprudência pátria na prática. Trata-se de uma tutela que se projeta unicamente para o futuro, sem levar em conta violações passadas da ordem jurídica.
Estas três espécies de tutela inibitória foram delineadas com precisão por Luiz Guilherme Marinoni, maior expoente nacional sobre o tema:
Como se vê, o problema das três formas de ação inibitória é ligado diretamente à prova da ameaça. Enquanto que duas delas – a que visa inibir a repetição e a que objetiva inibir a continuação –, ao se voltarem para o futuro, e assim para a probabilidade da repetição ou da continuação, podem considerar o passado, ou seja, o ilícito já ocorrido, a outra não pode enxergar ilícito nenhum no passado, mas apenas atentar para eventuais fatos que constituam indícios de que o ilícito será praticado.
(...)
Note-se que as três ações se diferenciam na medida em que se distingue o que nelas deve ser provado. Isso não quer dizer, como é óbvio, que a necessidade de ação inibitória possa ser vista de forma diferenciada diante das três hipóteses elencadas. A necessidade de ação inibitória não tem nada a ver com a questão da prova. A dificuldade da prova não pode constituir obstáculo à ação inibitória, seja ela qual for.[7]
Desta forma, nota-se que a diferença entre as três espécies de tutela inibitória está mais afeta ao aspecto probatório de sua necessidade do que de permissivo teórico dentro da ciência processual. Ou seja, as três espécies devem ser plenamente aceitas dentro do processo civil, devendo sua real necessidade ser averiguada especificamente em cada caso concreto.
Esclarecida a existência das três espécies de tutela inibitória, bem como suas diferenças e hipóteses de aplicação, passa-se à análise mais detida da tutela inibitória puramente preventiva, espécie mais polêmica das três, mas, sem dúvida, a mais eficaz para a prevenção absoluta de qualquer lesão a direitos fundamentais irreparáveis.
2.3. a tutela inibitória puramente preventiva
Conforme tratado no item anterior três são as espécies de tutela inibitória. Destas a de aplicação mais polêmica refere-se à tutela para prevenção do ilícito, ou, tutela puramente preventiva.
A grande dificuldade desta espécie de tutela é provar, justamente, o interesse de agir. Ora, o sujeito passivo da tutela jamais infringiu a legislação, nunca praticando o ilícito objeto de prevenção. Desta forma, poderia alegar que o autor não teria interesse de agir na demanda.
Ou seja, conforme afirmado por Marinoni no trecho supracitado, a questão da admissão da tutela puramente preventiva é mais uma questão afeta à prova do que à teoria processual. Explica-se: é sim admitida essa espécie de tutela na teoria, mas a sua aplicação na prática dependerá das provas do caso concreto.
No entanto, e em que pese a possível dificuldade probatória que pode ser enfrentada para pleitear esta espécie de tutela, é ela a mais efetiva de todas para a salvaguarda de direitos irreparáveis. Ora, se as duas outras espécies de tutela inibitória são justamente a tutela contra a repetição do ilícito e contra a continuação do ilícito, a tutela inibitória puramente preventiva é a única em que ainda não ocorreu a violação à ordem jurídica. Ou seja, caso se admita apenas as outras duas espécies, sempre haverá violação ao ordenamento jurídico e a prática de um ato ilícito. Dessa forma, os direitos que se visa proteger, muitas vezes direitos fundamentais inalienáveis e irreparáveis pelo seu equivalente em pecúnia, sempre estariam expostos à violação.
Por aí é possível medir a relevância da tutela inibitória puramente preventiva, uma vez que seria a única que, teoricamente, poderia impedir a prática do ilícito, mantendo os bens jurídicos sempre incólumes. Jamais haveria – e aqui, evidentemente, fala-se hipoteticamente – violação à ordem jurídica e os direitos tutelados seriam resguardados de qualquer lesão e, consequentemente, a chance de quaisquer danos seria reduzida a zero.
O importante é justamente admitir a aplicação desta espécie de tutela caso reste provado que há boas chances da prática do ato ilícito por parte do sujeito passivo.
No entanto, e como já mencionado anteriormente, o rigor da análise da prova deverá variar conforme o bem jurídico tutelado. Acreditamos não deva ser deferida a tutela puramente preventiva quando o bem jurídico tutelado possa ser substituído com precisão pelo seu equivalente pecuniário, como na hipótese de danos patrimoniais.
Ou seja, desponta que esta espécie de tutela está mais vocacionada à proteção dos direitos fundamentais, do que de direitos meramente patrimoniais. Está, na verdade, a serviço da proteção de direitos irreparáveis – o que, frise-se, não corresponde a todos os direitos fundamentais (basta o exemplo do direito de propriedade, facilmente convertido no seu equivalente pecuniário).
Por essa razão, esta tutela será aplicada especialmente na ação civil pública, justamente por ser um instrumento processual destinado à proteção dos direitos fundamentais metaindividuais. Outro exemplo de tutela puramente preventiva é aquele que diz respeito ao direito fundamental à saúde. Seria possível, desta forma, que, antes mesmo de qualquer violação ao ordenamento jurídico por parte de um ente público, fosse determinada uma obrigação de fazer para que um determinado hospital mantenha número suficiente de leitos para seus pacientes. Negar esta espécie de tutela e reivindicar, para sua concessão, que o hospital já tivesse antes descumprido as normas, seria, fatalmente, aceitar que alguns pacientes deveriam antes falecer para que se pudesse editar este tipo de comando.
Na prática esta espécie de tutela ainda encontra diversos óbices à sua aplicação, seja em virtude dos processos em que já houve ilícito, e até mesmo dano, já assoberbarem os órgãos protetores de direito fundamentais, seja em virtude de um preconceito em relação a esta espécie de tutela.
Não reconhecer a aplicação da tutela inibitória puramente preventiva significa aceitar que sempre haverá a violação à ordem jurídica, e conseqüentemente a um direito, para que se possa exigir uma ordem judicial inibitória, violando-se, desta forma, o inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República - o direito fundamental ao acesso à justiça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tutela inibitória desempenha papel imprescindível na concretização do direito fundamental ao acesso à justiça, conforme propugnado no inciso XXXV na Carta Maior. De fato, a atuação efetiva do judiciário contra a ameaça ao direito é pressuposto para a plena garantia da inafastabilidade de jurisdição.
Não se pode mais conceber a existência apenas de uma tutela ressarcitória, conforme os moldes do processo civil tradicional. A defesa da propriedade como prioridade, conforme propugnado por um processo eminentemente civilista do Código de Processo Civil de 1973, não se adequava aos contornos da Constituição da República de 1988. A tutela preventiva unicamente para a defesa da posse e da propriedade, consubstanciada nos institutos do interdito proibitório e da nunciação de obra nova, demonstravam o caráter patrimonialista de um processo ainda não adequado ao fundamento maior da nova Constituição – a proteção aos direitos fundamentais.
Diante deste cenário, e do reconhecimento de que os direitos fundamentais não podem ser violados para posterior ressarcimento, surge, com o Código de Defesa do Consumidor e com a Lei n. 8.952/94, a tutela inibitória. Trata-se de instituto processual essencial para a salvaguarda de direitos que, uma vez lesados, acarretam danos irreversíveis.
Para a correta aplicação deste instituto, mister se faz reconhecer a distinção entre ilícito e dano, uma vez que o segundo, nas palavras de Marinoni, é mera consequência eventual do primeiro. A tutela inibitória volta-se contra o ilícito e não contra o dano. Dessa forma, não há necessidade de se provar o dano, ou mesmo, sua potencial ocorrência, bastando indícios de provável violação ao ordenamento jurídico.
A aplicação pelo Poder Judiciário da tutela inibitória, seja ela contra a repetição do ilícito ou contra sua continuação, já significou grande avanço na garantia de acesso à justiça e na proteção preventiva aos direitos fundamentais.
No entanto, com estas duas espécies de tutela inibitória sempre haverá a violação ao direito e a prática de um ato ilícito. Apenas através da tutela inibitória puramente preventiva é que se poderá assegurar, de fato, o respeito ao ordenamento jurídico, evitando-se uma lesão a direitos irreparáveis.
Não se pode mais conceber que apenas quando já violado o direito haverá carga probatória suficiente para se impedir nova violação. Ou seja, por este posicionamento, antes de praticado qualquer ato ilícito pelo sujeito passivo, não poderia ser ele sujeito passivo de uma tutela inibitória. Sem a tutela inibitória puramente preventiva, a apreciação pelo poder judiciário de ameaça a direito (XXXV, art 5º da CF) seria letra morta, uma vez que, nas demais espécies de tutela inibitória, o direito já teria sido violado.
Evidente que para aqueles direitos que podem ser facilmente ressarcidos pelo seu equivalente pecuniário, tal tutela se tornará, muitas vezes, desnecessária, ou se exigirá, pelo menos, provas mais robustas de potencial violação. No entanto, quanto mais irreparáveis forem os bens jurídicos protegidos, mais elástica deverá ser a apreciação dos indícios de potencial violação.
A Carta de 1988 deu especial atenção aos direitos fundamentais, seja através da localização topográfica, que os deslocou já para o início de seu texto, seja através de diversas garantias que lhes foram assegurados, como sua imutabilidade (parágrafo 4º, art. 60), sua aplicação imediata (parágrafo 1º, art. 5º) e a extensão de seu catálogo (parágrafo 2º, art. 5º). Pode-se afirmar, indubitavelmente, que os direitos fundamentais foram erigidos ao objetivo maior da República Federativa do Brasil. A própria razão de existência do Estado é a promoção e proteção destes direitos.
Dessa forma, o caráter instrumental do processo indica que este deve se amoldar ao direito substancial, criando instrumentos efetivos de proteção dos direitos na exata medida necessária. Pela relevância dos direitos fundamentais na nova ordem constitucional, o máximo de efetividade para evitar sua lesão é medida que deve ser imposta e todas as espécies de tutela postas a seu serviço deverão ser utilizadas da forma mais abrangente possível.
Por esta razão, é imprescindível se admita a utilização da tutela inibitória puramente preventiva, em larga escala, para a proteção dos direitos fundamentais, tanto individuais como transindividuais. Para a defesa destes últimos, maior relevância ganha ainda esta espécie de tutela, uma vez que sua violação ocorre em prejuízo de toda uma coletividade e, muitas vezes, de gerações futuras.
Cada vez mais não se pode aceitar que o judiciário aja apenas depois de descumprido o ordenamento jurídico, sob pena de se causar danos irreversíveis ao meio ambiente, à saúde pública, à dignidade das pessoas, e à própria vida.
A tutela inibitória puramente preventiva representa um grande passo em direção à efetividade do processo, visto este como um instrumento a ser moldado em consonância com o direito substancial, visando alcançar o tão propalado acesso a uma ordem jurídica justa.
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[1] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 2. Ed.- São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000.
[2] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela Sancionatória e Tutela Preventiva. Temas de direito processual civil, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 66.
[3] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 272, 5 abr. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5041>.
[4] NERY, JÚNIOR, Nelson; MARIA DE ANDRADE NERY, Rosa. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
[5] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 2. Ed.- São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 30.
[6] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 2. Ed.- São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, p. 37.
[7] MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 272, 5 abr. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5041>.
Procurador da Fazenda Nacional. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto AVM. Ex-Auditor Interno do Poder Executivo do Estado de Santa Catarina. <br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PIMENTA, Andre Afeche. A tutela inibitória puramente preventiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2013, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35499/a-tutela-inibitoria-puramente-preventiva. Acesso em: 22 nov 2024.
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