Sumário: 1. Introdução; 2. Jurisprudência dos tribunais; 3. Conclusão; 4. Referências.
1. Introdução
Como se sabe a obrigatoriedade de realização do prévio procedimento licitatório para a contratação de bens, serviços, obras e alienações é a regra em todos os âmbitos da administração pública brasileira. Há, entretanto, situações legalmente estabelecidas em que se permite a contratação direta sem licitação, seja por clara opção do legislador em permiti-la ou pela material impossibilidade de disputa entre eventuais interessados.
Ainda é dúvida recorrente, principalmente de gestores públicos, a possibilidade de contratação direta de profissionais da advocacia com base no art. 25 da Lei nº 8.666/93, que trata das hipóteses de inexigibilidade de licitação e dispõe, in verbis:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;(grifo nosso)
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
§ 1o Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
Depreende-se do inciso II supra que a contratação de profissional ou escritório de advocacia, por se tratar de serviço de natureza técnica, pode ser legalmente enquadrada como hipótese de inexigibilidade de licitação. Aliás esse é o entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, consubstanciado na Súmula N. 04/2012/COP.
Em que pese a aparente facilidade na configuração da inexigibilidade, aliada ao entendimento, inclusive sumulado da OAB, a aplicação indiscriminada desta prática tem redundado, por vezes, na condenação de gestores públicos às penas do art. 89 da Lei Geral de Licitações. É que a comprovação da observância dos requisitos da singularidade do serviço e da notória especialização, exigidos pelo próprio permissivo legal, fica quase sempre, relegada a segundo plano.
2. Jurisprudência dos Tribunais.
Principal órgão de controle em nível federal, o Tribunal de Contas da União, como se verá a seguir, vem consolidando ao longo do tempo o entendimento segundo o qual são irregulares as contratações diretas, por inexigibilidade de licitação, de serviços advocatícios sem a comprovação da singularidade do objeto contratado e da notória especialização do profissional escolhido. É o que se observa nos seguintes julgados:
"Mantém-se o entendimento pela irregularidade da contratação direta de serviços advocatícios, se não demonstrada a singularidade do objeto ou outra circunstância justificadora da inexigibilidade de licitação."
(Acórdão nº 190/2006, Plenário - TCU)
"Realize o devido certame licitatório para fins de contratação de serviços advocatícios de acompanhamento das ações judiciais que não sejam, de forma inequívoca, caracterizados como serviços de natureza singular, permitindo-se a continuidade do mencionado contrato pelo tempo estritamente necessário a realização da referida licitação."
Acórdão 1299/2008 Plenário - TCU
"Abstenha de contratar serviços advocatícios, por inexigibilidade de licitação, quando não restar efetiva e formalmente demonstrada a inviabilidade de competição a que se refere o artigo 25, caput, da Lei n° 8.666/1993."
Acórdão 1208/2009 Segunda Câmara - TCU
Tal posicionamento da Corte de Contas encontra-se, inclusive, sumulado pelos verbetes nº 252/2010 e nº 39/2011, in verbis:
Súmula 252 - TCU
A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado.
Súmula 39 (NOVA REDAÇÃO) - TCU
A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/1993.
Por seu turno, as decisões dos E. STF e STJ se coadunam com o entendimento consolidado pelo órgão de controle, fortalecendo a tese da imprescindibilidade de comprovação da natureza singular do objeto e da notória especialização do executante. Vejamos:
"[...]
III. Habeas corpus: crimes previstos nos artigos 89 e 92 da L. 8.666/93: falta de justa causa para a ação penal, dada a inexigibilidade, no caso, de licitação para a contratação de serviços de advocacia.
1. A presença dos requisitos de notória especialização e confiança, ao lado do relevo do trabalho e ser contratado, que encontram respaldo da inequívoca prova documental trazida, permite concluir, no caso, pela inexigibilidade da licitação para a contratação dos serviços de advocacia."
(STF, HC 86198/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, j. 17/04/2007)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SERVIÇO DE ADVOCACIA. CONTRATAÇÃO COM DISPENSA DE LICITAÇÃO. VIOLAÇÃO À LEI DE LICITAÇÕES (LEI 8.666/93, ARTS. 3º, 13 E 25) E À LEI DE IMPROBIDADE (LEI 8.429/92, ART. 11). EXECUÇÃO DOS SERVIÇOS CONTRATADOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. APLICAÇÃO DE MULTA CIVIL EM PATAMAR MÍNIMO.
1. A contratação dos serviços descritos no art. 13 da Lei 8.666/93 sem licitação pressupõe que sejam de natureza singular, com profissionais de notória especialização.
2. A contratação de escritório de advocacia quando ausente a singularidade do objeto contratado e a notória especialização do prestador configura patente ilegalidade, enquadrando-se no conceito de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, caput, e inciso I, que independe de dano ao erário ou de dolo ou culpa do
agente.
(STJ, REsp. 436869 / SP, Recurso Especial, 2002/0054493-7, 2ª Turma, grifo nosso).
3. Conclusão
Ante os argumentos brevemente expostos, pode-se concluir que a legalidade da contratação sem licitação de serviços advocatícios depende, diretamente, da comprovação do devido enquadramento do caso concreto às exigências legais, dispostas no inc. II do art. 25 da Lei 8.666/93.
Cumpre ressaltar, a teor do disposto nos artigos 131 e 132 da Constituição Federal, que a representação judicial e extrajudicial de União, Estados e DF, compete, respectivamente, à Advocacia Geral da União e às Procuradorias Estaduais, através de seus membros, regularmente aprovados em concurso público.
4. Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.
_________. Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 1993.
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 19ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. São Paulo: Dialética, 2008.
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