O conceito de ação vem sendo modificado no tempo, desde sua criação, passando por uma espécie de evolução. Os conceitos não são estáticos e tendem a se modificar, o que também continuará ocorrendo com o conceito de ação.
Inicialmente, no processo romano, a ação foi entendida como direito material em movimento, em exercício, ou seja, era o próprio direito material violado. O exercício se dava perante os tribunais da época. Posteriormente, a ação foi entendida como direito autônomo em relação ao direito material, o direito de provocar a jurisdição, direito ao processo, direito de instaurar a relação jurídica processual. Nesse sentido, o direito de ação passou a ser entendido como abstrato. Atualmente, entende-se a ação como exercício daquele direito abstrato de agir, ação exercida, ação processual, demanda, pleito, causa, possuindo o sentido de identificar o exercício do direito abstrato de ação, que no caso é sempre concreta, porque relacionada a determinada situação jurídico-substancial. É exercício do direito constitucional de ação levando-se a juízo a afirmação de existência do direito material (ação em sentido material). Nesse contexto, há o ponto de contato entre o direito processual e o direito material.
Durante muito tempo, a ciência processual, notadamente sobre a influência italiana, preocupou-se em delimitar o conceito de ação. Inúmeras foram as teorias. Na fase de afirmação do Processo Civil como ramo autônomo do Direito, o conceito de ação foi o principal tema de pesquisa dos processualistas.
No processo romano não havia distinção nítida entre a relação jurídica processual e a relação jurídica material no processo deduzido. Nesse contexto, a ação era o próprio direito material violado, cujo exercício se dava perante os tribunais da época. A ação era entendida como direito material em movimento, em exercício. Nesse contexto, Didier Jr. explica que,
Esta vinculação do direito de ação ao direito material ainda é bastante visível nas leis civis, que vez por outra falam que alguém “tem ação contra” outrem. Fala-se, por exemplo, em “ação regressiva”, como sinônimo de direito de reembolso.[1]
Posteriormente, o conceito de ação passou a ser entendido como direito autônomo em relação ao direito material. Nesse contexto, ação seria o direito de provocar a jurisdição, direito ao processo. Trata-se, na realidade, de pretensão à tutela jurídica, que exerce contra o Estado para que ele preste justiça. Os autonomistas dividiam-se entre os “abstrativistas”, que consideravam que o direito de ação era abstrato, pois existiria sempre, pouco importando o resultado da causa (existência ou não do direito material), e os “concretistas”, para quem, embora autônomo, o direito de ação só existiria se o autor tivesse o direito material. A concepção abstrativista prevaleceu, embora com o “tempero” que lhe foi ministrado pela concepção eclética de Enrico TullioLiebman.[2]
A ação como exercício daquele direito abstrato de agir. Pela ação processual, exerce-se o direito constitucional de ação levando-se a juízo a afirmação de existência do direito material (ação em sentido material), fato que já revela como o estudo desse instituto se encontra no ponto de contato do direito processual com o direito material.
O racionalismo dominante durante o século XIX influenciou muito o desenvolvimento do Processo Civil. Nesse período, acreditava-se que as ciências humanas deveriam exprimir verdades tão incontestáveis quanto às das ciências exatas. Desse modo, o direito passou a ser uma ciência explicativa e não uma ciência de compreensão, como é considerado atualmente.
Tratava-se do chamado positivismo jurídico. Anteriormente, o direito natural afirmava que uma norma somente poderia ser válida quando fosse justa, pois tal instrumento legislativo derivaria de princípios de justiça universalmente válidos e atemporais. O positivismo substituiu essa inspiração universal pelo culto ao dogma da norma. Uma vez definida legislativamente o fato, a consequência deveria ser aplicada sem maiores interpretações ou temperamentos. O positivismo reduziu a justiça da norma à sua validade: justa era a norma válida.
Portanto, na passagem do jusnaturalismo para o positivismo, o que houve foi somente um deslocamento do fundamento de validade da norma, que deixou de ser material, a justiça, para ser formal, a promulgação por órgão competente.
O conceito de atividade jurisdicional típico deste período é bem retratado na teoria de Chiovenda. Segundo esse autor, jurisdição seria “a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva”[3]. Exposta em 1903, esta teoria representa uma continuidade da filosofia do liberalismo e positivismo que marcaram o século anterior.
Mesmo reconhecendo a autonomia do direito de ação, Chiovenda sustentava ser ele um direito potestativo do autor contra o réu e não um direito pertencente ao Estado. O autor defendia o caráter concreto do direito de ação, inovando o entendimento até então vigente.
Conclui-se, assim, que, como toda construção teórica, a doutrina de Chiovenda foi elaborada segundo as concepções e de acordo com as necessidades de sua época. Todavia, conquanto seu conceito não seja mais suficiente para explicar a atuação do poder jurisdicional, uma vez que não abarca toda a problemática envolvendo a interação entre regras e princípios, além de ignorar o papel positivo a ser exercido pelo Estado, ele mantém o mérito de indicar a imparcialidade como requisito sem o qual inexiste jurisdição.
Para entender essa inovação é preciso conhecer as teorias da ação.
A teoria concretista é uma corrente de pensamento, do início do séc. XIX, que afirmava que o direito de ação era o direito a uma decisão favorável. Portanto, para eles o direito de ação estava relacionado à vitória em um processo. Só tinha o direito de ação o titular do direito material.
Nessa época, condições da ação eram condições de um julgamento favorável, ou seja, questões de mérito. As condições da ação seriam as condições para a vitória. Surge neste contexto a expressão carência de ação, é a falta de condições da ação. Era igual à improcedência da ação.
Para esta concepção, carência de ação e improcedência da ação são expressões sinônimas, ambas são decisões de mérito. Por serem decisões de mérito, fazem coisa julgada. Esta teoria deve ser estudada por ser a origem do conceito de condições da ação.
Essa concepção está superada há muito tempo, notadamente porque não consegue explicar o que ocorreu com o processo no espaço de tempo entre o início da ação e o indeferimento do pedido ao final do processo.
A teoria abstrativista, por outro lado, afirmava que o direito de ação era um direito ao processo, um direito à jurisdição. O direito de ação seria o direito a qualquer decisão, pouco importa se favorável ou desfavorável. Por conta disso, os abstrativistas não falam em condições da ação, por ser a ação incondicionada. Aquilo que o concretismo discutia sob o nome de condições da ação, passou a ser tratado ou como problema de mérito, ou como pressupostos processuais.
Do ponto de vista internacional, essa é a corrente que prevalece.
Porém, foi a teoria eclética a que mais influenciou o direito brasileiro. Para essa corrente, o direito de ação é um direito a um julgamento de mérito, favorável ou desfavorável. Não são questões de mérito, e sim, questões anteriores ao mérito. Servem para ver se o mérito será analisado.
Por conta disso, carência de ação é diferente de improcedência da ação, uma vez que, por não ser decisão de mérito, não faz coisa julgada. Portanto, carência de ação não é uma decisão de mérito.
O principal pensador dessa corrente é Liebman. Durante a Segunda Guerra Mundial saiu da Europa e veio para o Brasil. Os alunos dele eram Frederico Marques, Alfredo Buzaid, entre outros. Este último se tornou ministro da justiça do governo militar e fez o projeto do CPC, e o fez em homenagem à Liebman.
Portanto, o Código de Processo Civil atualmente em vigor no Brasil adotou a concepção eclética.
Diante do exposto, é possível concluir que apesar do esforço empreendido pelas teorias modernas em separar o direito processual do direito material, a condição de direito individual da ação continua tão presente quanto nos tempos da teoria clássica.
[1] DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento. 7. ed., Volume 1, Salvador: Jus Podium, 2007, p. 157.
[2] Idem, p. 157/158.
[3] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000. V. II, p. 8.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARTURI, Claudia Adriele. A evolução do conceito de ação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jul 2013, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/35867/a-evolucao-do-conceito-de-acao. Acesso em: 22 nov 2024.
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