Resumo: Atualmente, tem-se discutido, cada vez mais, acerca do papel do Judiciário na sociedade. De um cumpridor autômato de normas legislativas a um agente empreendedor da justiça social, oscilam as exigências de sua atuação, num momento de crise conjuntural e necessidade de aprofundamento democrático. Por um lado, verifica-se um maior interesse da agenda do capitalismo neoliberal na atuação do Judiciário. Trata-se de um certo clamor pela aplicação direta da lei e pelo cumprimento dos contratos, sem deixar maiores margens para uma visão sociológica e uma interpretação constitucional de seu conteúdo. Alega-se que uma discricionariedade judicial que não estimule o cumprimento dos acordos geraria um ambiente inseguro para a circulação de riquezas, o aumento dos custos e a consequente estagnação econômica. Logo, a cartilha neoliberal exige uma menor ingerência estatal nas relações particulares, que seria refletida nos benefícios de previsibilidade, segurança jurídica e maior desenvolvimento econômico. Contudo, o presente momento histórico está marcado por grave desigualdade social, falta de acesso ao Judiciário e esquecimento dos conflitos essenciais. Nota-se que o direcionamento da atuação dos Tribunais tem se destinado para atuações que não são tarefas primordiais do Estado, desviando-se do dever de inclusão social, pacificação com justiça e emancipação. Nesse pórtico, será mister repensar a atividade dos Tribunais, a fim de que sua atuação seja direcionada para as atividades fins do Estado e não se perca em ocupações de rotina e meramente econômicas, tal como um prestador de serviços de empresas particulares. Urge, portanto, a retomada de confiança no Judiciário, sua legitimação e sua conscientização no papel de um dos agentes responsáveis por transformar a realidade social.
Palavras-chave: Judiciário, Crise, Neoliberalismo, Emancipação social, Democratização da justiça.
Sumário: Resumo. Introdução. 1 Crise do Judiciário. 2 Breve retrospecto histórico-social das políticas econômicas e sua relação com a atuação do Judiciário. 3 Agenda neoliberal e o papel exigido do Judiciário. 4 Problemas da visão neoliberal sobre o Judiciário. 5 Necessidade de democratização da justiça e emancipação social. 6 Pela legitimação do Judiciário - novas posturas. 7 Previsão de realização da justiça social no Ordenamento jurídico brasileiro. Conclusão. Referências .
1 Introdução
Trata-se de estudo acerca da influência da agenda neoliberal no comportamento do Judiciário, em face das demandas da sociedade por emancipação social e promoção dos direitos humanos. Assim, haverá uma investigação das influências e pressões sobre os Tribunais para adotar certas posturas e assumir determinados objetivos.
Nesse contexto, haverá uma perscrutação sobre as influências, de um lado, da agenda neoliberal, que visa alcançar a previsibilidade na aplicação da lei e respeito aos contratos, e por outro lado, os efeitos que uma postura judicial mais focada na implementação da cidadania causaria para a construção de uma realidade mais democrática.
A importância da discussão maximiza-se na conjuntura atual, marcada pela crise do Judiciário, questão que se enfrentará para fins de contextualização do tema principal. Nesse sentido os Tribunais tem enfrentado críticas pela sua morosidade, falta de acesso das pessoas mais vulneráveis e corrupção. Igualmente, preocupa o fato da superlotação do Judiciário com questões de menor relevo social que, com isso, deixa de atender os conflitos realmente importantes para a população.
Logo, a preocupação com a postura do Judiciário na regulação dos conflitos sociais, motivou a presente reflexão, donde não se pode ficar alheio às influencias internacionais e à colonização do sistema de justiça que se tem tentado estabelecer nos dias de hoje.
O presente estudo lastreou-se, eminentemente, na literatura sociológica, para melhor compreender a realidade social em sua volta. Inobstante, foi utilizada vasta doutrina da Economia, da História e do Direito para fundamentar a sua construção dogmática. Ainda foi colacionada um reportagem jornalística para se aferir o pensamento de parte da imprensa nacional e uma pesquisa para aferir o pensamento dos juízes sobre o seu papel na sociedade. Além disso, se investigou a legislação brasileira a fim de desvendar a principiologia constitucional que orienta a postura do Judiciário deste país e por fim, foi efetuada consulta à jurisprudência para demonstrar a real atuação do Judiciário brasileiro.
Portanto, no desenvolvimento deste trabalho, proceder-se-á primeiramente a uma visão geral sobre a crise porque vem passando, ultimamente, o Judiciário, a fim de destacar, dentre as suas manifestações, o conflito entre as pressões da agenda neoliberal e a necessidade de emancipação social.
Posteriormente, será traçado um panorama histórico para explicar o presente contexto político-social e suas influências na conformação do Judiciário. Em seguida, haverá um exame de conceitos econômicos neoliberais e a partir daí buscar-se-á entender as expectativas da agenda neoliberal para o comportamento do Judiciário. Será, ainda, discutida a viabilidade do seguimento judicial da agenda neoliberal, bem como, buscar-se-á novas perspectivas sobre o papel do Judiciário na transformação da sociedade, tanto do ponto de vista sociológico, quanto jurídico. Outrossim, serão discutidos casos judiciais paradigmáticos que demonstram as pressões sociais por um Judiciário mais comprometido com a implementação dos valores da cidadania e, por fim, sua fundamentação legal no Ordenamento Jurídico brasileiro.
Portanto, espera-se, deste estudo, que se debatam um maior número de ideias acerca do tema, a fim de oxigenar as impressões propedêuticas e propiciar uma transformação da agenda judicial. A partir daí, que se tenha consciência das influências que certas instituições buscam estabelecer nos destinos sociais, especificamente, no Judiciário, para que ao final se perceba o papel que os Tribunais têm na emancipação social e democratização da justiça.
1 Crise do Judiciário
O presente estudo visa abordar, especificamente, o papel do Judiciário, frente a decisão entre assumir uma atuação condizente com as expectativas do mercado, ávido por desenvolvimento econômico, ou adotar uma postura tendente à emancipação social e democratização da justiça.
Nada obstante, é importante analisar, ainda que en passant, as demais dificuldades que o Judiciário tem enfrentado, para que se tenha uma melhor compreensão sobre o contexto de crise em que o Judiciário se insere.
Assim, ultimamente, tem-se falado, cada vez mais, nas crises por que vem passando o Judiciário. Contudo, ao contrário do que se pode pensar, a crise do Judiciário não se trata de um acontecimento inédito, de surgimento recente ou de manifestação uniforme, mas de um fenômeno longevo, que tem perdurado no tempo (Gomes, 2010, p. 28).
A tensão em torno do Judiciário é um fenômeno contínuo, variando apenas em algumas de suas manifestações e marcado por um processo de erros, consertos e continuidades. Destarte, a crise do Judiciário no Século XXI deita raízes na época dos Tribunais do Século XVIII, tendo seus efeitos se acentuado nos últimos tempos, uma vez que se tem repetido, praticamente, o mesmo modelo de justiça desde aquela época até os dias atuais. (Santos, 1996, p. 51)
Nota-se que ainda domina a ideia de um Judiciário, marcado por uma cultura normativista, técnico-burocrática, assente nas ideias de autonomia do direito, ou seja, a crença de que o Direito é um fenômeno totalmente indiferente a tudo que ocorre na sociedade. Bem como, predomina uma concepção restritiva do que é esse direito e uma percepção burocrática dos processos. (Santos, 2007, p 7-26)
Soma-se a este problemas o fato da formação obsoleta dos juízes e advogados porquanto, se por um lado, sua capacitação poderia vir a contribuir para superar as crises, por outro lado, a continuidade na formação nos moldes de antanho pode acirrar os velhos problemas[1]. Ora, se se deseja um Judiciário que promova os direitos humanos e garanta o sistema constitucional, mister que se confira uma educação adequada e direcionada para esses fins. Inobstante, em regra, a formação jurídica tem sido eminentemente dogmática, formalista e centrada unicamente no Direito, sem uma abordagem social.
Destaca-se, igualmente, a inexistência de treinamento suficiente para lidar com as novas questões do Direito, dentre elas, os temas de família, ou as recentes questões internacionais do mundo empresarial. Bem como, não há a devida capacitação para gerir Tribunais, mas somente para resolver questões jurídicas dos processos. Por essa falta de capacitação, os juízes tornam-se mais vulneráveis para ideologias dominantes de condução dos rumos do Judiciário.
Portanto, a formação judicial é, neste ponto, indispensável para ultrapassar as crises. É preciso, assim, ultrapassar as limitações do Direito a partir da articulação com as diversas áreas de conhecimento, para se conseguir resolver as novas questões, bem como é importante ter consciência das transformações sociais para que se passe a atuar no mundo hipercomplexo com maior interdisciplinariedade.
Além disso, pode-se dizer que a crise do Judiciário, configura-se como um tema multifacetado, tal é a variedade de manifestações com que se apresenta[2]. Para Boaventura de Sousa Santos (1996, p. 19-34), a crise da justiça traduz-se pela falta de eficiência, acessibilidade[3], legitimidade, capacidade e independência com que os Tribunais vêm desempenhando as suas três funções básicas: a instrumental, a política e a simbólica.
Assim, os Tribunais devem ser conscientes que, para além da sua função “instrumental” de dizer o direito, tem também outras funções no contexto social e na condução do Estado. Dentre elas destaca-se a função “política”, que lhe garante autonomia e pela qual realiza o exercício do poder. Portanto, os Tribunais têm o dever de conferir acesso público a partir do cumprimento dos direitos. (Santos, 1996, p 19-34)
Além disso, os Tribunais possuem uma função “simbólica”, ou seja, funcionam como um instrumento de consagração de valores sociais, quais sejam, integração comunitária, igualdade formal, paz, justiça e inclusão social, imparcialidade e defesa de valores (vida, liberdade, dignidade humana etc.). (Santos, 1996,p.34)
Contudo, observa-se na realidade, que os Tribunais não têm conseguido ser efetivos promotores dos direitos, pois tem funcionado de forma mais passiva, bem como, porque estão sobrecarregados com a mera função instrumental, notadamente marcada pelos conflitos de massa que ocupam grande parte do seu tempo. Logo, os Tribunais cumpririam melhor o seu papel constitucional se atendesse mais às suas funções simbólicas e políticas.
Portanto, é patente o fato de os Tribunais continuarem muito ocupados com conflitos de baixa intensidade, caracterizado por muitos falsos litígios e por uma demanda de massa. Neste diapasão, percebe-se que o Judiciário tem sido intensamente mobilizado por pessoas coletivas, marcadamente empresas, que repetidamente recorrem ao Tribunal por causa de litígios similares, via de regra, a cobrança de dívidas.[4] (Gomes, 2003, p. 84)
Esta circunstância incentivou uma judicialização rotinizada, que compromete a eficiência na prestação jurisdicional, caracterizada pela ocupação com processos menos complexos, esquecendo-se de prolatar decisões inovadoras para resolver as verdadeiras questões que desafiam a sociedade atual. (Gomes, 2003, p. 84)
Contudo, não é para a priorização da microlitigação que foi pensada a atuação do Judiciário. Deve-se, assim, buscar o papel dos Tribunais a partir das funções do Estado. Desta forma, as funções do antigo Estado liberal não são as mesmas do atual Estado democrático. Neste modelo, visa-se a proteção de todas as pessoas e não só de determinados grupos, o que abre o campo de ação dos Tribunais.
Inobstante, a concentração da atuação judicial em conflitos de baixa intensidade, notadamente a cobrança de dívidas atende, de uma certa forma, às exigências da economia neoliberal que vê nos Tribunais mais um mecanismo para o funcionamento do mercado, que um meio democrático emancipador da população.
Neste diapasão, sugere-se levar a resolução dessas questões menores para os meios alternativos de resolução de conflitos (ADR), pois há muitos juízes e dinheiro público empenhados para resolver questões que não têm uma maior relevância social[5]. Assim, começa-se a pensar em novas politicas de justiça, considerando as instâncias de conflitualidade e a divisão social dos trabalhos jurídicos, para analisar o que deve caber por excelência aos Tribunais e o que pode ser delegado.
Ainda em continuação às propostas de um novo modelo de reorganização da Justiça, destaca-se o estudo do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, onde suas inovações têm como objetivo central: “uma melhor qualidade, eficiência e eficácia e maior acessibilidade do sistema de Justiça, fomentando o recentramento das funções dos tribunais nos litígios de alta intensidade, na resposta à grande criminalidade e na promoção e defesa dos direitos dos cidadãos. Neste sentido, propõe-se, designadamente, a extensão a todo o país de uma justiça especializada para determinadas matérias, uma organização judiciária que trate separadamente os litígios, não permitindo, por exemplo, que as ações de dívida tramitem ao lado de outras ações cíveis declarativas, a criação de um sistema de justiça itinerante e de uma rede de serviços de justiça multifacetada, com pessoal altamente qualificado, que integra tribunais e outras unidades polivalentes, ligados em rede”.(Gomes, 2007, p.109 a 128)
Para além disso, discute-se se deveria ser permitido ao Judiciário intervir nas funções do sistema político e econômico, notadamente no que tange aos instrumentos de lutas sociais. Essa postura tem se intensificado, muito devido à crise de legitimação popular dos poderes Executivo e Legislativo que levam os cidadãos a buscarem os Tribunais judiciais, como a última via para fazerem valer os seus direitos. (Gomes, 2007, p. 1 09 a 128)
Esse deslocamento de legitimidade leva a que se criem expectativas positivas elevadas a respeito do sistema Judiciário, esperando-se que resolva os problemas que o sistema político não consegue resolver. Acontece que, nem sempre o Judiciário corresponde à expectativa, o que vai conduzindo a sua deslegitimação popular (Santos, 2008, p. 21).
Assim, o protagonismo dos Tribunais[6] expôs o seu desempenho funcional à discussão pública, mostrando as suas limitações em responder ao volume e à complexidade da procura que lhe é dirigida, via de regra, não correspondendo às expectativas postas.
E não se trata de uma deslegitimação social do Judiciário motivada apenas pela adoção da agenda neoliberal ou adstrita a alguns países capitalistas, mas um fenômeno que tem assumido proporções globais, com um ponto em comum, o distanciamento da sua atuação de uma preocupação social. (Zuckerman, 1999, p. 103)
Para resolver qualquer uma dessas questões de crise, é imprescindível que se faça uma análise em conjunto de todos os seus fatores, sem pretender uma solução apenas parcial. Posto que, quando há uma disfunção de um desses indicadores, todos os demais de alguma forma estão envolvidos e qualquer alteração que se faça estará a intervir em todos os campos, reflexamente. Logo, as boas reformas só respondem bem se ao intervir em numa dessas vertentes não prejudicar as outras (Pedroso, 2003, p. 42).
Neste ponto, a ausência da reflexão sobre o seu verdadeiro papel, é o grande problema atual no trabalho do Judiciário. Ele precisa criar e inovar o Direito posto para conseguir ser um agente responsável nos destinos da sociedade (Teubner, 1986, p. 105). Mesmo que, para isso, venha arriscar a previsibilidade do sistema jurídico e confrontar as orientações neoliberais de desenvolvimento econômico.
Ademais, note que a reflexão sobre o papel do Judiciário, tem sido realizada, na maioria das vezes, apenas por juristas. Contudo, isso não é suficiente, pois é importante conhecer o contexto onde o Direito vai operar. O ideal é que esse diálogo seja realizado com outros especialistas, máxime com a participação do conhecimento das demais ciências sociais.
Ora, os ramos do conhecimento não são campos fechados em si mesmo. É necessário a oxigenação de outros valores nos meandros de cada ciência. Isso porque a realidade é multifacetária e não comporta uma visão fragmentária de seus elementos. Assim, para se conseguir uma efetiva visão global dos fatos, é mister o manejo das ferramentas de várias searas, sempre com consciência dos valores que se pretende eleger e das transformações sociais que se visa obter.
É aqui que a Sociologia do Direito vai dar sua contribuição, pois quanto mais se conhecer sobre a sociedade em que se opera, bem como os efeitos das reformas, maior será a probabilidade da reforma funcionar.
O complicador é que o Judiciário nem sempre compreende os desafios que ele tem perante a sociedade e o que esta exige dele. Daí, fecha-se em si mesmo e não se discute. Logo, não se pode ver o sistema Judiciário apartado da sociedade e do Estado.
Neste sentido, é a importância de uma reflexão sobre o tipo de sociedade que lastreia este Estado e os caminhos que se seguiram para a construção da atual realidade sociopolítica. Desta forma, só com um melhor conhecimento contextual será possível a realização de uma nova agenda para mobilização do Judiciário e superar seus atuais desafios.
2 Breve retrospecto histórico-social das políticas econômicas e sua relação com a atuação do Judiciário
A princípio, é importante que se relembre alguns pontos de algumas políticas econômicas e sociais atravessadas pela história recente ocidental, a fim de se compreender um pouco mais sobre a trajetória da atuação do Judiciário e a necessidade de novos rumos.
Destarte, o papel que os Tribunais desempenham na sociedade atual está diretamente relacionado com a própria evolução do Estado e, por esta razão, não pode ser compreendido sem que se tenham em conta as transformações por que passa o próprio Estado.(Santos, 2001, p. 126)
Observando o contexto anterior à Revolução Francesa, nota-se que vigorou, por muito tempo, um Estado autoritário que concentrava todas as funções e não respeitava a autonomia das pessoas. Esse paradigma refletia-se no sistema jurídico, no qual o aplicador da lei tinha ampla discricionariedade. (Luño, 1986, p. 222-223)
A partir da Revolução Francesa de 1789, acentua-se o combate à interferência do Estado na liberdade das pessoas e marca-se o predomínio do liberalismo econômico. Havia no âmbito político, um Estado liberal e pouco intervencionista, a economia vivia um período de autonomia, com pouca regulamentação estatal e do mundo jurídico. (Facchini Neto, 2003, p.21)
Este contexto de profundas mudanças políticas, econômicas e sociais no Velho Continente gera influências no sistema jurídico, máxime a identificação quase completa do Direito com a lei, muito decorrente da adoção do sistema de codificação do Direito Civil, que era considerado sem lacunas.
Ademais, com a divisão tripartida dos poderes e a formação do contrato social rousseauniano, caberia ao legislador representando a expressão da vontade geral, criar o Direito. Animado pelo racionalismo moderno, o sistema jurídico é pensado como axiomático, de todo completo e coerente, restando aos Tribunais uma atividade passiva, de mero repetidor das palavras da lei. (Melgaré, 2004, p. 107)
Logo, restou diminuída a possibilidade do juiz de proceder livremente com as suas interpretações. Ora, se o poder só se legitimava porque era decorrente da representação popular, qualquer ato de império que emanasse do magistrado seria inconcebível no sistema de então.
Neste contexto, fora adotada pelas Constituições a independência do homem frente à ingerência estatal. Havia, portanto, um a minimização dos poderes do Estado em todos os seus campos. Essa ideologia tinha o desiderato de proteger a classe burguesa emergente, razão porque havia a proteção máxima à propriedade privada e a ampla autonomia para estipular os seus pactos. (Facchini Neto, 2003, p.22)
A posteriori, coincidentemente às duas grandes guerras mundiais, à Revolução russa e à maiêutica da Constituição de Weimar, sobrepôs-se um Estado de bem-estar social, que adota uma postura proativa[7], para propiciar liberdade e igualdade material frente às iniquidades acirradas e não-solucionadas pelo liberalismo. (Silva, 2010, p.289)
O período do constitucionalismo social dos países ocidentais que sucede ao segundo período pós-guerra procura endereçar o Estado no sentido da promoção da igualdade substancial, mesmo que por vezes isso implique reduções ao espaço da liberdade econômica, embora sem sacrificá-la de um todo. De certo modo, o primado do público significa o aumento da intervenção estatal na regulação coativa dos comportamentos dos indivíduos. Ou seja, abandona-se a ética do individualismo pela ética da solidariedade; relativiza-se a tutela da autonomia da vontade e se acentua a proteção da dignidade da pessoa humana. (Facchini Neto, 2003, p.22).
Assim, vem a ser pública a tarefa de zelar pela dignidade, liberdade, inclusão social, paridade entre outras prerrogativas atinentes ao âmbito particular das pessoas. Portanto, a intervenção estadual é concebida não como um limite, mas como um fim do Estado. (Canotilho, 1993, p.509)
Verifica-se que a sociedade passa a demandar uma atitude proativa do Estado frente aos indivíduos, pois nem todas as pessoas conseguiam, sozinhas, atender as suas necessidades vitais e em igualdade de condições. (Ferreira, 2000, p. 340). Logo, o Estado lança mão dos institutos jurídicos, como elos transformadores da realidade em benefício da população.[8]
Durante essa política do bem-estar social, o Direito orientava-se no sentido de realizar melhor equilíbrio social, imbuídos seus preceitos, não somente da preocupação moral de impedir a exploração do fraco pelo forte, senão, também, de sobrepor o interesse coletivo, em que se inclui a harmonia social, aos interesses individuais de cunho meramente egoístico. (Gomes, 1967, p. 2-3)
Assim, visava-se corrigir situações injustas a que conduziu, quando imperava na órbita política e econômica, o liberalismo, que concorreu para o desenvolvimento econômico, mas legitimou abusos, ao favorecer a prepotência das pessoas economicamente fortes. Por conseguinte, a política do bem estar social conferia um conteúdo mais humano, social e ético.
Portanto, caracteriza-se o Direito de então, pelo acréscimo de direitos sociais, bem como pela maior margem de interpretação do Judiciário sobre os comandos legais, com o escopo de promover uma maior justiça social.
Posteriormente a esse período, arrefecem-se as ideias intervencionistas do passado, e ultrapassa-se, a primazia do Estado de bem-estar social. Nesta conjuntura, ressurge a ideologia de diminuição do Estado e da entrega da atividade produtiva para a iniciativa privada. É a fase do neoliberalismo, em que foi dado início às grandes reformas administrativas, v.g., privatizações, abertura do mercado e desregulamentações.
A partir da queda do muro de Berlim, passa-se a viver uma nova realidade. De fato, no mundo pós-moderno e globalizado, a gestão da Economia deixou de ser um assunto apenas nacional, pois os Estados nacionais perderam boa parte de seu poder de regulamentação independente. (Facchini Neto, 2003, p. 24-25)
Igualmente, há o surgimento de grandes empresas que precisam expandir os seus mercados. O clima de competição econômica espraia-se pelo mundo. Para isso, é preciso diminuir as amarras impostas pela vinculação ao território nacional. Neste contexto, a globalização está associada à exclusão social, já que uma parte significativa da população parece ter perdido todo o contato com a cidadania.
A presente fase assentava-se, portanto, em quatro consensos fundamentais, o consenso econômico liberal, o consenso sobre o Estado fraco, o consenso da democracia liberal e o consenso sobre o Estado de direito e a reforma judicial. (Santos, 2001, p. 39)
Nesse pórtico, o neoliberalismo transformou-se na doutrina dominante da Economia e se baseava nas seguintes ideias: “liberalização do comércio; a privatização da indústria e dos serviços; mercantilização da terra; o desmantelamento de agências reguladoras e mecanismos de licenciamento; desregulamentação do mercado laboral e a flexibilização da relação salarial; redução e comercialização dos serviços sociais (tais como os mecanismos para partilha de custos, critérios mais estritos para o outorgamento de provisões sociais, a exclusão social dos grupos mais vulneráveis); a secundarização das políticas sociais; subordinação dos problemas ambientais às necessidades do crescimento econômico e reformas educativas mais dirigidas à formação profissional do que à construção da cidadania”. (Meneses, 2010, p.30- 31)
Neste diapasão, nota-se que o Brasil está cada vez mais, rendendo-se à política econômica deste fim de século, qual seja, a globalização do neoliberalismo. Entretanto, o neoliberalismo cria mais problemas do que os que intenta resolver. Sua filosofia do poder é negativa e se move, de certa maneira, rumo à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de soberania. (Bonavides, 2010, p. 524)
A consequência dessa globalização e do acirramento do neoliberalismo foi, em grande parte, a acentuação da marginalização dos países e das pessoas que não conseguem se enquadrar no novo esquema de desenvolvimento capitalista. Nesse contexto, é preclara uma preocupação com os valores mundiais, tais como, a emancipação social, a autodeterminação dos povos, o respeito às minorias e a democratização da justiça. Portanto, torna-se cada vez mais forte a necessidade de implementação desses valores para salvaguardar a convivência entre os povos.
Assim, o primado do neoliberalismo começa a demonstrar as suas debilidades no início dos anos 90 e a partir da década seguinte, os seus consensos começaram a ser questionados
Nada obstante, a política neoliberal passa a enxergar no Judiciário, um possível aliado para a sua ideologia de proteção do mercado de capitais. Ora, num contexto em que impera circulação de riquezas a nível global, é importante para as empresas o cumprimento estrito da lei e a fiel execução dos contratos. Alega-se que só com esse ambiente de segurança jurídica e previsibilidade se conseguiria o desenvolvimento econômico.
Eis, assim, o dilema enfrentado pelo Judiciário na atual conjuntura sócio-econômica. Tal questão para ser solucionada, requer uma consciência do Judiciário do seu papel institucional, uma visão profunda da realidade e razoabilidade na hermenêutica dos dispositivos legais. Assim, exige-se que o Judiciário compreenda a agenda neoliberal, uma vez que se vive em seu atual momento político, contudo, para a aplicação na realidade dos fatos, tempere-a com elementos de emancipação social a fim de se conseguir uma maior democratização da justiça.
3 Agenda neoliberal
Observa-se que são múltiplos os fatores que influenciam o que se coloca na agenda de atuação do Judiciário. A questão é saber quem tem capacidade de influenciar o comportamento do Judiciário.
Nesse sentido, é importante que se perceba que não se trata de escolhas meramente aleatórias e isoladas dos juízes individuais, mas trata-se de orientações políticas, que se vão enraizando na cultura do sistema Judiciário nacional.
Ora, nos últimos tempos tem-se observado um incentivo cada vez maior de agências financeiras e seguradoras internacionais às reformas judiciais dos países periféricos e semiperiféricos (Santos, 1996, p. 43).
Tais agências buscam introduzir um certo monopólio intelectual sobre o funcionamento dos Tribunais, máxime os espaços privilegiados que as ideias de desenvolvimento de mercado desempenham na formação dos juízes.
A agenda neoliberal tem em vista a adoção de políticas para o maior crescimento econômico de uma sociedade. Para isso apregoa a busca pela eficiência nas relações negociais, como valor maior a ser respeitado pelos diversos atores sociais. (Coase, 1960, p. 42)
A eficiência seria concebida como a maximização dos resultados frente a utilização otimizada dos recursos escassos, com vistas a obter uma forma de alocação de recursos para gerar o bem-estar (Gitman, 1997, p. 48). Portanto, se alcançaria a eficiência quando existisse a convivência ótima entre o ônus e o bônus de uma relação de troca de riquezas, com fins de alcançar maior lucratividade.
Um mercado eficiente, nesse sentido, seria aquele em que todas as pessoas têm acesso às informações de forma integral e simultânea. Nesse espaço, as negociações são claras e geram uma maior efetividade nos resultados (Stigler, 1992, p. 98).
A ausência, a insuficiência ou a incerteza das informações conduzem a maiores ‘custos de transação’, ou seja, riscos e atritos do mercado que o distanciam do ideal (Coase, 1960, p. 72).
Para a agenda neoliberal deve-se buscar a eficiência, ainda que se despreze a equidade e entre as pessoas e a justiça social. Pois, seus defensores argumentam que quando se consegue a eficiência, vem o desenvolvimento econômico em geral e, ao fim do processo, se alcançaria benefícios coletivos. (Comparato, 1969, p. 85)
Portanto, em uma visão aplicada ao mercado, o Direito e os tribunais abandonariam a sua função tradicional de busca pela realização da paz social e da justiça, e passaria a servir, apenas, como conjunto de instituições que protege as relações negociais e contribui para sua eficiência. (Cittadino, 2004, p. 206)
Nesses termos, as ciências jurídicas e os órgãos relacionados funcionariam como um indutor de comportamentos, no afã de estimular as atitudes desejáveis ao desenvolvimento econômico e que forcem seu cumprimento.
Portanto, o conceito de eficiência não necessariamente está identificado com a ideia tradicional de busca da justiça, democracia e emancipação social. Há uma variedade de teorias econômicas a respeito da eficiência que justificam as perdas individuais ou sociais, desde que exista o crescimento da economia.[9]
Além disso, para alguns pensadores da Economia, em um ambiente sem custos de transação, em que todos têm acesso às informações, o Judiciário seria desnecessário, pois se chegaria a custos de produção menores se entregasse ao poder de disposição das partes a execução de seus contratos (Sztajn, 1998, p. 36). Contudo, outra parte destes pensadores entendem que não se pode deixar os indivíduos regularem-se sozinhos, porque na economia não há ambiente sem atrito, assim, a solução econômica ótima seria que o Judiciário cumprisse a lei (Vidigal, 1977, p. 208).
De toda sorte, para a agenda neoliberal, a análise econômica do Direito seria essencial para o crescimento da economia. Neste contexto, o juiz deve optar por uma decisão que mais favoreça a maximização da riqueza, onde busca-se mais a eficiência do que a satisfação dos interesses coletivos. (Posner, 1982, p. 119)
Desta feita, verifica-se que a Economia é uma ciência extremamente politizada, ideologizada (Moncada, 1997, p. 39). É uma falácia querer fundamentá-la na neutralidade do discurso científico, em que ela pode ser descrita de forma apolítica. Pois, há o interesse de grupos que tentam impor os seus valores como dominantes para conseguir tirar proveitos, muitas vezes em detrimento da maioria da população.
Portanto, é importante, que se compreendam os paradigmas neoliberais que se pretende incorporar ao funcionamento do Judiciário, para se refletir se deseja adotá-los ou fazer do Judiciário um ponto seguro para neutralizar e equilibrar os interesses em jogo.
Na perspectiva de um mercado eficiente, os Tribunais têm a obrigação de incentivar a certeza das negociações e diminuir os fatores de risco. Assim, o ambiente ideal seria aquele em que o juiz age de forma rápida, imparcial, previsível e com respeito aos contratos e à lei. Esta postura induziria a proliferação das pactuações e o progresso da circulação de riquezas.
Logo, para a agenda neoliberal, um bom Judiciário não é só aquele que pratica a decisão justa, mas aquele que se firma como instituição que traduz confiança para o desenvolvimento do mercado. Há, para isso uma doutrina que exige a redução da discricionariedade judicial e um cumprimento da produção legislativa (Posner, 1982, p. 39).
Para essa doutrina, o sistema de freios e contrapesos deve existir, desde que não subverta, sobremaneira, a tripartição de poderes. Quando o Judiciário se posicionou na condição de protetor da Constituição Federal e passa a descumprir o que o Legislativo produz, gera uma crise democrática, pois há um Poder não representativo, impondo-se como superior à manifestação da soberania popular.
Neste sentido, critica-se o fato de alguns juízes brasileiros não titubearem em afastar as normas legais para aplicar a sua interpretação pessoal, mesmo havendo uma presunção de legitimidade em favor da produção legislativa, o que deveria representar uma barreira para o seu desacato pelos magistrados. (Zylberszatjn, p. 248 a 267)
De outro lado, fala-se que é até possível que a realidade legislativa seja marcada por lobbies e por interesses escusos, o que pode gerar produções legislativas viciadas. Contudo, não se pode alegar isso para não seguir as leis. Afinal, quem garante que o Judiciário é íntegro e livre de influências, a ponto de se entregar unicamente a esse órgão a função moralizadora?
Logo, a cartilha neoliberal exige que o Judiciário respeite e faça cumprir as normas legais e os contratos. Não seria devida a atividade hermenêutica do juiz que alterasse o sentido da norma, uma vez que as regras e os pactos só devem ser desobedecidos, em hipóteses excepcionais, haja vista as influências danosas para a ortodoxia do sistema jurídico.
Ora, em um modelo neoliberal, caracterizado por uma economia de mercado, é necessário que se dê a liberdade para os particulares negociarem. O Judiciário, aqui, deveria funcionar simplesmente como garantidor do cumprimento das normas.
Portanto, a lógica da Economia, parte do pressuposto que o Direito cumprirá com uma função de fornecer as condições negociais. Nesse sentido, propiciará um clima de segurança jurídica dos institutos e estimulará os investimentos.
O problema do Judiciário, para essas agências internacionais, seria que seus órgão emanam decisões diversas para casos semelhantes, sem se preocupar com a coerência e previsibilidade do sistema. Desta feita, a empresa, como um feixe de contratos, exercerá a sua função social ao gerar lucros dentro das regras do jogo (Gitman, 1977, p. 394). Se o Estado cria essas regras, não pode posteriormente descumpri-las.
O Judiciário ao desprezar a objetividade de uma regra e aplicar a sua visão de equidade, visa aplicar justiça social ao caso concreto. Entretanto, as decisões judiciais que contrariam a atual sistemática podem causar um impacto inverso na vida das pessoas. Destarte, para a agenda capitalista, a falta de confiança no Judiciário atrapalha o desenvolvimento e contribui para a estagnação, uma vez que os planejamentos teóricos não irão se concretizar em virtude da desobediência das premissas legais em que estavam apoiados (Quiroga, 1999, p. 268).
Com isso, haveria uma tendência da Economia de não seguir as suas regras de eficiência em virtude das interferências negativas do Judiciário. Isto porque uma vez não cumpridos os contratos, a Economia passaria a adotar mecanismos próprios para se defender das incertezas (Dam, 2002, p. 406).
Deste modo, o desprezo da lei nas decisões, causaria um sentimento generalizado de falta de exigibilidade nos acordos. Essa imprevisibilidade ocasionaria o aumento dos custos para fazer frente aos prejuízos[10]. Quando a classe empresária precisa de arcar com custos não previstos, esta irá repassar os prejuízos para os outros consumidores, como se cobrassem o preço do Judiciário (Williamson, 1977, p. 359).
Assim, feito este apanhado da cartilha neoliberal aplicada à atuação do Judiciário, percebe-se que a importância de se apresentarem os pensamentos dissonantes, é poder compará-los e reconhecer as suas virtudes e os seus pontos fracos. Ademais, é preciso temperar os conceitos tidos como ideais pelos países centrais, com os limites de racionalidade de outras teorias e outras realidades sociais.
4 Problemas da visão neoliberal sobre o Judiciário
Até aqui, foi falado sobre a agenda neoliberal, como opção de compromisso para a atuação do Judiciário. A partir de agora, partir-se-á para alguns pontos fracos dessa visão neoliberal sobre o papel do Judiciário, como um dos fatores da crise do Judiciário.
O sistema judicial idealizado pelas agências econômicas, com inspiração na Escola de Chicago e praticado nos países de orientação neoliberal, está a ser orientado para conduzir ao crescimento econômico e dar previsibilidade aos negócios. Neste modelo, prega-se a doutrina da perfeição dos mercados, da racionalidade dos agentes econômicos e da não intervenção do Estado (desregulamentação dos mercados)
Ora, de um lado pode-se aventar um viés positivo em se conceber uma atuação judicial compatível com os demais países centrais, uma vez que geraria, dentre outras consequências, maior confiabilidade dos investidores internacionais no mercado nativo.
Contudo, o problema do desenvolvimento nos países não é somente a adequação das normas ou do comportamento judicial à agenda neoliberal, pois é possível permitir o desenvolvimento atacando outros fatores, tais como o combate à corrupção e à falta de transparência, o que não se pode é querer beneficiar a Economia através do sacrifício da população.
Nesse diapasão, Jürgen Habermas (2007, p. 301-347) critica as soluções encontradas pelo neoliberalismo para a atuação judicial, haja vista seu conteúdo genérico e egoístico não ser apropriado para solucionar, com justiça, todos os conflitos existentes na realidade[11].
Assim, vislumbra-se, atualmente, um momento de crise de paradigmas político-sociais. O neoliberalismo revelou as suas debilidades, não garantiu o crescimento, aumentou tremendamente as desigualdades sociais, a vulnerabilidade, a insegurança e a incerteza na vida das classes populares, e, além disso fomentou uma cultura de indiferença à degradação ecológica. (Santos, 2008, p. 23)
Nesta conjuntura, o mundo passa a ensaiar uma nova fase, onde pode-se verificar uma verdadeira crise da das premissas da Escola de Chicago, posto que as políticas neoliberais não tem sido plenamente capazes de conduzir a um desenvolvimento sustentável.
Outrossim, põe-se em cheque as máximas neoliberais sobre o Judiciário, segundo as quais, os Tribunais têm como missão principal conferir previsibilidade aos mercados; que o crescimento econômico é um bem incondicional e que só é Direito, aquele produzido pelo Estado.
A exportação deste modelo neoliberal é feita a partir do centro do sistema mundial, com a consequência de impor a superioridade do modelo tido como universal sobre as práticas periféricas, gerando consequências negativas quanto às ideologias e práticas adotadas. (Meneses, 2010, p. 30)
Assim, a aproximação voluntária ou forçada dos sistemas judiciais dos países periféricos aos modelos dos países centrais implica a adoção de normas e procedimentos em contextos sociais, políticos e culturais muitos distintos daqueles em que ambas se originaram. Seria, portanto, um erro tentar copiar os modelos internacionais sem adaptar as especificidades locais.
Neste contexto, constata-se que o Brasil padece do complexo de ser um bom aluno da política econômica dos norte-americanos. Daí, porque é preciso repensar esse modelo de franchising da política jurídica dos países centrais para os periféricos e semiperiféricos. (Santos, 2008, p. 57)
Esse consenso se agrava, quando se leva em consideração que os Tribunais representam o caráter nacional na construção das instituições modernas, e das quais, por essa razão, se poderia esperar uma maior resistência às pressões da globalização. (Santos, 2001, p. 128)
Nada obstante, deve-se salientar a diversidade infinita das ideologias, culturas e práticas judiciais no mundo e, ter em mente que os sistemas judicias não convergem necessariamente para uma única solução e que a aprendizagem entre o centro e a periferia pode ser recíproca. (Meneses, 2010, p. 30).
Ainda é mister salientar que, se é certo que não se pode querer desconsiderar a importância da análise econômica e a introdução da noção de eficiência no Direito. De outro lado, não se pode querer submeter o Direito à Economia. Logo, precisa-se de uma Justiça eficiente no tempo e na qualidade, mas não uma Justiça que esteja a serviço exclusivamente da Economia, sacrificando os direitos individuais. Nesses termos, o papel do Judiciário no desenvolvimento de um país não pode ser através do sacrifício da sociedade.
Assim, é preciso que também se pense no “preço social” de aplicar a lei restritivamente e ver a norma se afastar da justiça social (Frade, 2006, p. 65). Logo, questiona-se se a sociedade, em geral, sofre mais em acatar certa margem de discricionariedade judicial ou se deixar as pessoas entregues à soluções sem equidade no caso concreto, conduzindo a marginalização de grupos menos favorecidos. Desta forma, se o neoliberalismo pugna pelo não sacrifício das empresas, muito menos se pode aceitar o sacrifício da população.[12]
Neste contexto, nota-se que a agenda neoliberal para o Judiciário é indiferente à problemática social e considera as agruras humanas como dano colateral inevitável ante a manutenção da ortodoxia do sistema. Esta visão não traduz a realidade, pois os pressupostos neoliberais deveriam ser vistos apenas um opção a ser cotejada e não uma ponto de partida inexorável.
Portanto, falta uma certa responsabilidade ética dos agentes neoliberais, onde os principais atores do sistema financeiro tem interesse em transformar o Judiciário em um prestador de serviços exclusivo do mercado financeiro e alheio às demais necessidades sociais.
Destarte, o Judiciário não pode ser reduzido a um departamento jurídico das empresas de um país, que sirva para cobrança de dívidas e lhes dê condições de melhor entabular negócios e angariar lucros. Portanto, deve-se buscar estabelecer uma justiça sustentável, que vise o bem-estar para o maior número de pessoas, em detrimento de uma justiça empresarial, particular, egoísta, que não conduz ao bem-estar coletivo.
Deve-se, portanto, ter uma visão maximizada das funções dos Tribunais, para incluir outros critérios de sua eficiência, como a promoção da cidadania e a efetividade dos direitos. Pois, quando se busca a proteção da Economia, sempre se visa o interesse dos empresários e nunca os dos trabalhadores ou dos consumidores.
Agregue-se, nesse norte, que um dos possíveis efeitos da recepção judicial das teorias neoliberais é o de proteger as atividades empresariais que visam o desenvolvimento econômico em detrimento de interesses mais relevantes da população, principalmente os mais vulneráveis.
Em face disto, é mister que se tenha em mente a necessidade de proteção judicial de outras realidades que são tratadas como inexistentes, haja vista a sua diminuta força de pressão ante as políticas públicas e desconsideração propositada pelas análises dominantes, o que vem a caracterizar uma verdadeira “sociologia das ausências” (Santos, 2006, p. 87-126)
Logo, se o magistrado interpretar mal a sociedade, ficará mais vulnerável à ideias dominantes, representativas de uma classe política muito pequena. Portanto, é preciso que os juízes saibam, para além de aplicar friamente a lei, extrair dos processos a essência da sociedade e a violação de direitos humanos. (Santos, 2008, p. 70)
E daí exsurge a importância da compreensão dos juízes sobre o seu papel, pois se adota uma influencia neoliberal e assume uma postura normativista técnico-burocrática, ele até poderá ser diligente na aplicação da legislação, mas, muitas vezes, incompetente para pacificar a sociedade. (Santos, 2008, p. 70)
Então, a atuação do Judiciário não pode se limitar à mera aplicação das normas, tal como positivadas pelo legislador, em uma tarefa mecânica de subsunção da lei. Isto porque compor uma contenda é mais que identificar um dispositivo adequado, antes é propiciar a decisão justa à realidade social. Caso contrário, se fosse correto colar automaticamente uma regra a um litígio, não precisaríamos de juízos pensantes, mas de meras máquinas.
Neste sentido, pode-se afirmar que a substituição da decisão humana pela racionalização maquinal no âmbito de sistemas mecânicos e sobretudo eletrônicos, seria a “automação” do Judiciário (Müller, 2005, p. 80). Entretanto, o Direito não deve restringir-se a tal axiomatização, que só fazem sentido onde a aplicação do Direito se apresenta como positivismo legalista e não como transformação.
Mas, para que o Judiciário consiga cumprir esse intento, é essencial a definição de uma agenda estratégica de reforma dos sistemas judicial eficiente para toda a sociedade, com vias a emancipação popular.
5 Necessidade de democratização da justiça e emancipação social
A discussão sobre o papel dos Tribunais e as suas consequentes reformas deveriam contar com um maior debate público de toda a comunidade, para discutir a melhor forma de desenvolvimento social, porque é algo que atinge a toda a sociedade.[13] Deveras, os temas jurisdicionais trazem questões que afetam o dia-a-dia das pessoas e, portanto, deveria contar com a participação popular na formulação da agenda de atuação judicial.
Destarte, tem-se investido recursos e realizado reformas judiciais, eminentemente direcionadas à área econômicas, tais como na reformulação das normas do processos de execução e recursal, mas pouco se preocupado com a promoção da cidadania.
Ora, as ideias neoliberais, embora relevantes para o mercado de capitais, leva a ausentar-se da visão das outras formas do Direito e da justiça, e só leva em consideração a sua realidade, esquecendo-se dos demais dramas da sociedade (Santos, 1996 C, p. 50).
Esse fato conduz à uma concentração de reformas para o interesse das corporações empresariais, sem atentar para busca de soluções para os dramas das classe mais vulneráveis, ou seja, as reformas se centram, muito seletivamente, nos setores que melhor servem a Economia, deixando de fora todos os outros (Santos, 1996 B, p. 65)
Pensa-se que a continuidade da atual política judicial, do padrão de litigação e de desempenho dos Tribunais contribuirá fortemente para a erosão de sua legitimidade (Zuckerman, 1999, p. 103).
Assim, quanto mais a sociedade civil for forte para influenciar a agenda das reformas melhores resultados sociais se alcançarão. (Santos, 2008, p. 44) É preciso, portanto, a sociedade fazer campanhas para impor os seus anseios e resistir a determinados aspectos da agenda neoliberal.
Com essa prática de cidadania ativa na definição do papel do Judiciário, as pessoas terão consciência da sua importância na condução da atividade dos Tribunais. Para isso, mister a realização de uma mobilização social, quer seja, organizada com o intermédio do Estado, quer seja, com a iniciativa popular, num movimento de baixo para cima (Santos, 2008, p. 45). Certamente, que, se por um lado os Tribunais sofrerão pressão para atuarem segundo uma agenda popular, de outro lado se sentirão respaldados para se posicionar em face aos apelos das empresas por crescimento econômico.
Esse diálogo facilitará a definição dos objetivos judiciais mais importantes, o equilíbrio dos interesses dos diversos agentes envolvidos e otimização de um desenvolvimento humanamente sustentável.
Desta feita, pode-se inferir que o resultado sobre a escolha do papel do Judiciário passará, inevitavelmente, por decisões políticas. Neste ponto, o discurso dos poderes hegemônicos, via de regra, preconizador dos valores da escola de Chicago, tem, em grande escala, influenciado as reformas judiciais, mesmo que na prática não tenha demonstrado os melhores resultados sociais.
Logo, não se deve deixar o Judiciário dominado pela mesma corrente, pois o Direito como ciência social, não pode seguir uma metodologia das ciências duras, como se a realidade fosse única, qual seja, composta somente pela posição hegemônica. É necessário um pluralismo de visões, contrário a um monolitismo do discurso neoliberal.
Assim, é preciso atentar para o verdadeiro papel que o Judiciário deve ter em sociedade. Analisar se sua função seria apenas reproduzir as leis de um Código em um caso concreto, regular as disputas econômicas e favorecer o progresso do capitalismo. É preciso ver se existem outros conflitos enredados pelo excesso de atenção a temas econômicos, e que classes da população estão obtendo a quase exclusividade de atenção judicial em detrimento das demais.
Dentre os desafios judiciais da contemporaneidade destacam-se o combate às desigualdades (quer sejam elas, sociais, de gênero, de etnia...); assegurar as liberdades, garantias e segurança; velar pelo multiculturalismo, máxime nos contextos migratórios; combater a criminalidade global (econômica ou contra as pessoas); reprimir a corrupção; lidar com a transformação da conflitualidade, que passa de sujeitos individuais para organizações, atentar para as transformações da família; tratar das questões biotecnologia, genética e ambientais; ver até onde vão os limites de alcance do direito e dos tribunais, em face de outras fontes de poder como a religião e a mídia; proteger os direitos da personalidade frente aos novos instrumentos de exposição e de segurança; criar um sistema jurídico compatível com o desenvolvimento econômico; promover os direitos fundamentais e humanos; enfim saber lidar com o novo modelo de sociedade de risco. (Gomes, 2006, p. 39)
Além disso, tem se observado nos últimos tempos o acirramento das lutas sociais que, para além de suas manifestações tradicionais, tem sido marcadas pelas lutas contra o racismo, a destruição ambiental, na defesa do sexismo, da homofobia, da autodeterminação dos povos indígenas, da identidade étnico-cultural, pelo direito à diferença, à liberdade religiosa e à defesa dos bens comuns, da economia solidária, da saúde, da educação etc. (Santos, 1996, p.41)
Trata-se de uma conflituosidade de grande relevância social, que nem sempre chega, devidamente, à análise judicial, ou seja há uma procura suprimida[14], caracterizada pela consciência das pessoas, de seus problemas, mas não têm condições, cultural e economicamente, para levar a juízo. Aqui, o Judiciário tem um papel importante na construção da democracia. Portanto, precisa-se de uma maior política de acesso para essa demanda ser conhecida. (Gomes, 2003, p. 71)
Ora, por muito tempo as pessoas foram submetidas a uma situação de exclusão social, à precarização do trabalho, à violência, que Boaventura de Sousa Santos (2006, p. 333) , chama de fascismo social, e que não é criado pelo Estado, mas por um sistema econômico e social injusto que deixa os cidadãos vulneráveis”
Nada obstante, a situação parece tomar novos rumos, os movimentos sociais deixam para trás aquela ideia de que o direito é um instrumento da burguesia e das classes oligárquicas, e sempre funcionou a favor delas, em desfavor dos menos favorecidos[15] (Santos, 2009, p. 401).
Desta feita, tem se formado o que Boaventura de Sousa Santos (2006, p. 333) chama de campo contra-hegemônico, onde os cidadãos tomaram consciência de que os processos de mudança constitucional lhes deram direitos significativos e, por isso, veem nos tribunais, um instrumento importante para fazer reivindicar os seus direitos e as suas justas aspirações a serem incluídos no contrato social.
Assim, começaram a surgir processos judiciais em que os movimentos sociais consagram-se vencedores. Passa-se, desta forma, a germinar a ideia de que o Direito é contraditório e pode ser usado pelas classes populares. Desta forma, o sistema judicial precisa assumir a sua quota de responsabilidade na resolução dessas injustiças sob pena de se tornar irrelevante socialmente. (Santos, 2005, p. 219)
Para isso é mister que adote o ideal de justiça social para enfrentar as iniquidades acirradas pelo capitalismo. Logo, a questão do desenvolvimento nacional não pode ser enfrentada através de uma concepção liberal e individualista dos direitos humanos (Sen, 1999, p. 391).
É necessária uma concepção contra-hegemônica que permita um desenvolvimento que leve em conta os direitos individuais e direitos coletivos da população. Essa concepção tem de enfrentar a situação dos desempregados e dos trabalhadores precários, dos camponeses sem-terra, dos indígenas espoliados, das vítimas de despejos, das mulheres violentadas, das crianças e adolescentes abandonadas, dos pensionistas pobres. É adotando esta concepção que o Judiciário assumirá a sua quota-parte de responsabilidade na execução das políticas sociais.(Santos, 1996, p.35)
Portanto, o papel do Judiciário deverá ser, para além do favorecimento ao mercado econômico, o de consolidador da cidadania e dos direitos humanos. Neste sentido, as reformas para a sua reestruturação devem estar comprometidas com o acesso e desempenho da justiça e com o desenvolvimento social, da democracia e da cidadania.
Para Boaventura de Sousa Santos (1996, p. 33), essa nova concepção do Judiciário pressupõe uma reformulação do acesso ao direito e à justiça, consoante os seguintes vetores, em conjunto: profundas reformas processuais; novos mecanismos e novos protagonismos no acesso ao direito e à justiça; nova organização e gestão judiciarias, revolução na formação de magistrados desde às Faculdades de Direito até a formação permanente; novas concepções de independência judicial; uma relação do poder judicial mais transparente com o poder político e a mídia, e mais densa com os movimentos e organizações sociais; bem como uma cultura jurídica democrática e não corportativa.
Logo, é preciso estabelecer uma agenda estratégica em que o Judiciário tenha como compromisso o enaltecimento dos direitos humanos e a democratização da justiça, de modo que venha a corroborar para que a sociedade reconheça no Judiciário um aliado na luta pela sua emancipação.
6 Pela legitimação do Judiciário - novas posturas
Durante este estudo, tem-se observado uma certa deslegitimação popular do Judiciário, motivado por diversos fatores, sendo o objetivo desta análise, um deles, qual seja, a influência que uma atuação judicial baseada na agenda neoliberal tem causado para o desalento popular frente a este Poder.
Ora, tendo em vista que os direitos essenciais da maioria da população tem sido descurados em prol da promoção de interesses financeiros de grupos hegemônicos, é patente a falta de reconhecimento de grande parte da população no papel, em grande parte, eleito pelo Judiciário.
Em virtude disso, o Judiciário parece estar ciente da gravidade deste fato e preocupado com as consequências daí subsequente, o que desemboca na disposição para mudar de orientação, no afã de conseguir um maior respaldo social na sua atuação.
Nesse diapasão, importante citar a pesquisa acerca da concepção dos magistrados brasileiros sobre o bom emprego do Direito. Consoante a aludida análise, 73,7% dos juízes entendem que o magistrado não pode ser um mero aplicador das leis, antes tem de ser sensível aos problemas sociais. Ainda responderam que 73,1% que preferiam desrespeitar os contratos, desde que consigam alcançar a justiça social com isso, pois acreditam que a sociedade deseja isso deles (Zylberszatjn, 2010, p. 248 a 267),
Pode-se intuir a partir desses dados que os juízes brasileiros, estão dispostos a se afastar da previsibilidade e ortodoxia do sistema legal, para buscar a concretização da justiça e transformação social. Para os magistrados, o Judiciário deve ter um papel proativo na redução de desigualdades sociais, logo, já não se aceita ser um mero aplicador do direito produzido pelo Legislativo, consoante preconiza a agenda neoliberal.
Partindo do campo das intenções para a análise de alguns casos práticos, tem se observado que os juízes brasileiros tem tomado algumas decisões com maior preocupação social e que visam a promoção dos direitos humanos.
Para fins de exemplificação pode-se mencionar a decisão judicial em registro de transexual que desacata a imposição da lei de transcrever sua anterior condição de gênero no registro, como forma de evitar discriminação e velar pela dignidade.[16] (VASSILIEFF, 2005, p. 01)
Ainda observando a postura judicial de buscar justiça social, contudo adentrando no espaço de confronto com a agenda neoliberal, é válido citar a decisão inédita proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 25-04-2005, onde foi reconhecida a inconstitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei 8.009/90. Assim, considerou-se inconstitucional a penhora de imóvel familiar para o pagamento de fiança em contrato de locação, ao julgar o recurso extraordinário nº 352940 (p. 208), baseado nos princípios constitucionais da proteção à família e à moradia, que devem prevalecer sobre uma lei infraconstitucional. (LONGO, 2005, p. 194)
Igualmente é importante citar o trecho de uma sentença judicial brasileira em que o magistrado sobrepõe a justiça social em face da preservação das cláusulas contratuais: “Modernamente, o contrato não é mais visto como algo estático e individual, mas como algo dinâmico e social, necessário para o comércio jurídico e satisfação de interesses legítimos. Com essa nova perspectiva relativiza-se o princípio pacta sunt servanda e abre-se espaço para a justiça contratual, a tutela da confiança e a boa fé. O contrato, então, deve ser o instrumento de necessidades individuais e coletivas, não para a supremacia de um contratante sobre o outro ou para que esse enriqueça às custas daquele. (TJCE. 2007, p.3)
Logo, observa-se por parte da jurisprudência brasileira, um maior ativismo judicial, marcado pela busca por proporcionar um maior grau de cidadania, mesmo em face do temperamento da lei e dos contratos.
Por fim, para trazer mais uma amostra em que o Judiciário priorizou a busca pela promoção da cidadania, pode-se citar um dos casos mais emblemáticos da história recente brasileira sobre a luta pelos direitos indígenas. Trata-se do Caso da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde foi interposta ação popular para declaração de nulidade do procedimento administrativo (Pet 3.388), tendo em visto a alegação de vícios no procedimento legal, bem como o respaldo de registros imobiliários da propriedade daquelas terras indígenas em nome de particulares. O seu julgamento declarou a constitucionalidade do processo administrativo de demarcação da TIRSS, desconsiderando os vícios formais.[17]
Sobre o caso o Supremo Tribunal Federal manifestou-se que nas fazendas situadas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, sua ocupação por particulares não arrefeceu nos índios sua capacidade de resistência e de afirmação da sua peculiar presença em todo o complexo geográfico da 'Raposa Serra do Sol'. Destarte, a terra Indígena, no imaginário coletivo aborígine, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade, e toda posteridade de uma etnia. Donde a proibição constitucional de se remover os índios das terras por eles tradicionalmente ocupadas, assim como o reconhecimento do direito a uma posse permanente e usufruto exclusivo, de parelha com a regra de que todas essas terras 'são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis' (§ 4º do art. 231 da Constituição Federal).
Portanto, mesmo que se observe uma certa prevalência dos princípios neoliberais a orientar a atuação do Judiciário brasileiro, o que o deslegitima em larga medida face aos olhos da maioria da população, passa-se a ver atuações positivas, muito por contribuição dos movimentos sociais e pela conscientização da necessidade de se tomar novos caminhos para evitar um colapso dos Tribunais.
Desta feita, pode-se dizer que, a exemplo da realidade internacional, se o Brasil ainda não concretizou, plenamente, uma atuação ideal dos Tribunais de compromisso com a emancipação social[18], ao menos, já percebe-se a intenção de grande parte de seus magistrados e observa-se práticas concretas de conferir um maior grau de democratização da justiça, mesmo sem desprezar por completo a necessidade nacional de crescimento econômico.
São atitudes que demonstram o esforço de um Judiciário, ora deslegitimado, para buscar reverter este quadro a partir de uma postura judicante em prol da justiça social, e que vem ganhando força do discurso nacional.
Para que essa postura judicial, comprometida com a cidadania, tenha um maior respaldo jurídico, uma das formas de se fundamentar a sua atuação será o recurso à ideologia das próprias Constituições de cada país que, via de regra, determinam o tipo de Estado em que se constituem, expressam a política que pretendem seguir e orientam os nortes para a atuação de suas instituições. Assim, analisando detidamente as Constituições, muitas vezes, observa-se a opção por uma agenda judicial de construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária, tal qual este estudo pretende demonstrar.
7 Previsão de realização da justiça social no Ordenamento jurídico brasileiro
No caso brasileiro, argumenta-se que emprego de uma visão mais humana e social, do Judiciário, na aplicação do Direito, respaldar-se-ia na sua própria Constituição Federal de 1988 (CF). (Dallari, 1989, p. 395)
Dessa forma, aduz-se que o Brasil está constituído em um Estado Democrático de Direito, e adotou dentre os seus fundamentos, a cidadania e a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1, inc. I e II) Igualmente, determinou como objetivos, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, bem com reduzir as desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3, I e III).
Daí, infere-se que deve haver uma concordância prática entre os princípios fundamentais da Constituição e os princípios da ordem econômica. Essa ponderação de valores induz que a aplicação das leis não tem compromisso só com o mercado, mas com todos os princípios da Constituição Federal. (Mendes, 2000, p. 28)
Portanto, no caso concreto, haveria uma preponderância maior de um determinante constitucional, qual seja a redistribuição de renda. Ora, num país com significante concentração de renda, bem como com uma grande porcentagem da população vivendo abaixo da linha de pobreza, proteger essas pessoas mais fracas, ainda que aumentando os custos sociais, estaria causando um efeito solidário. (Brasil, 2011, p. 48)
Nesta perspectiva, a lei deve ser entendida como um mecanismo para se alcançar a redução das desigualdades sociais e não apenas para imprimir comportamentos baseados na racionalidade econômica.
Desse modo, não se poderia argumentar a aplicação restrita da lei ordinária para não aplicar a Constituição, porquanto a Carta Maior é hierarquicamente superior às leis. Consequentemente, a efetivação daquela deve ser sublimada quando suas disposições estejam em conflito com estas.
Assim, o juiz quando aplica uma interpretação constitucional estaria seguindo a norma, só que a constitucional. Essa atitude se faz necessária quando a lei ordinária não consagra os valores da CF.
Então, alega-se que o problema situa-se no trabalho do Legislativo, pois não positivou as leis de acordo com a CF. Por isso os juízes não precisam continuar no mesmo erro, afinal o juiz é um ser pensante e não uma máquina reprodutora de leis injustas. O que não se admite é que, por descaso de um poder, as injustiças imperem e a CF continue a ser desacatada, por inércia dos demais poderes.(Muller, 2005, p. 200)
Funcionaria, assim, o Judiciário como reduto de legitimidade do Direito quando o Legislativo não positivar conforme a CF. Essa postura tem sido sublimada, máxime em face dos abusos na postura de alguns parlamentares (Gomes, 2001, p.61-86)
Logo, não haveria que se falar em surpresa dos jurisdicionados com os julgamentos com cunho social, posto que quando uma empresa entra em um país, ela deveria saber qual a ideologia constitucional daquele Estado.
Outrossim, na defesa do ativismo judicial, traz-se a ideia de combate a uma ideologia dos grupos dominantes. Ora, a Economia visa a eficiência e a aplicação ortodoxa da lei pelo juiz, mas essa postura vem da Revolução Francesa, que enaltecia a proteção ao patrimônio em face das pessoas. É preciso se adaptar aos atuais paradigmas de direitos humanos, justiça distributiva, valores éticos, morais e sociais, que ventilam a atualidade. (Canotilho, 2010, p. 529)
Destarte, o sistema de neutralidade e de não implementação da justiça social, poderia funcionar bem em países com pessoas com mesmo nível econômico/social/cultural. No Brasil há uma grande disparidade social, então como se pode querer que o Judiciário feche os olhos a essa realidade e aplique a letra fria da lei, como se estivesse todos em nível de igualdade?
Agregue-se que há uma tendência internacional de o Judiciário adotar uma visão política nos julgamentos[19]. Contudo, isso é muito decorrente da existência de conceitos abertos na legislação. Acontece que nesse caso o juiz não está atuando em desconformidade com a lei, já que é a própria norma que permite a sua complementação (Costa, 2004, p. 58).
Desta feita, não basta aplicar a lei para realizar a tarefa judicante com perfeição. A fria aplicação da lei pode produzir iniquidades, como o holocausto que ocorreu com respaldo em mandamentos legais. Logo, não se pode execrar um ser humano para que se salve ortodoxia do sistema, pois o Direito não é só o respeito à letra fria da lei, mas também justiça e legitimidade.
Conclusão
O Judiciário brasileiro, a exemplo de uma realidade que parece ser global, tem enfrentado uma crise de legitimidade sem precedentes que parece por em cheque a sua própria atuação e utilidade. Nesse sentido, tem se destacado um dos fatores desta turbulência institucional, qual seja, os apelos da agenda neoliberal para sua atuação num momento em que se faz presente uma postura tendente ao aprofundamento democrático.
Assim, o bom funcionamento de uma instituição, via de regra, pressupõe a reflexão sobre quais os fins que se pretende alcançar. A eleição deste ideal, entretanto, nem sempre é feita de forma desinteressada ou sem a influência de agentes externos à sua composição. Muitas vezes, forças hegemônicas impõem a defesa de seus interesses, mesmo que em contraposição com o bem estar da maioria da população.
Nesse sentido, o papel que a agenda neoliberal cobra do Judiciário é, primordialmente, a de um assegurador da exigibilidade dos contratos e do fiel cumprimento das leis. Pois, garantindo-se uma maior previsibilidade e segurança jurídica, haveriam melhores condições para o crescimento da economia.
Consoante essa teoria, uma postura dos Tribunais, que analisasse os processos caso a caso e comprometida com a justiça social, geraria insegurança no mercado, redundando em aumento de preços e estagnação econômica.
Nada obstante, a teoria neoliberal tem mostrado os seus pontos fracos ao decorrer dos tempos, principalmente quando o seu pretenso crescimento econômico tem acirrado as desigualdades sociais e comprometido a emancipação popular. Igualmente, uma postura do Judiciário indiferente aos reais conflitos sociais, à dignidade da pessoa humana e à promoção da cidadania, tem acirrado a crise de legitimidade pelo qual este poder vem passando.
Portanto, é preciso temperar as proposições neoliberais pelo desenvolvimento econômico até se chegar a um ponto de equilíbrio, em que os Tribunais tomem consciência de seu papel na construção de uma sociedade mais democrática.
Neste sentido, o Judiciário brasileiro, tem começado a tomar consciência de seu papel ativo na construção de uma sociedade mais solidária, o que pode ser feito com uma agenda lastreada na própria Constituição Federal de 1988, a partir de seus princípios fundamentais e objetivos, tendo assim, um forte aliado para a concretização de uma política de justiça emancipadora.
Desta forma, é mister ter a consciência da importância do Judiciário para os destinos da sociedade, visando a melhoria das condições de vida da população. Para isso, os Tribunais devem funcionar como agente proativo e consciente de seu papel na realidade. Essa atitude será efetivada quando o Judiciário, focar a sua atuação na resolução dos reais conflitos que influenciam na vida das pessoas, bem como quando perceber a importância de decidir menos comprometido com a letra da lei e mais obstinado a democratização da justiça.
Da mesma sorte, a participação popular na formulação da agenda judicial, bem como reformas judiciais que levem em conta mais a promoção dos direitos humanos que simplesmente os anseios econômicos, seriam uma maneira mais eficiente de conceber um desenvolvimento humanamente sustentável a todos da coletividade.
A partir desses novos valores, seria possível tentar resolver alguns dos conflitos mais fundamentais da sociedade brasileira, dentre eles, cite-se a promoção dos direitos indígenas, que retrata uma questão que há muito tempo vem sendo desacatada no cenário nacional.
Nesses termos, estariam lançadas as bases contributivas para transformar em emancipador, um Judiciário que luta contra a deslegitimação social.
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[1] É de se destacar também o papel do ensino do Direito, que começa nas Faculdades e vai até a formação dos juízes e advogados, que influenciará na compreensão mais social da legislação e dos órgãos judiciais.
[2] Ademais, há os problemas da regulação jurídica que dependem da constelação jurídica em cada sociedade; da coexistência de várias ordens jurídicas (estadual, supra-estadual e infra-estadual; da interlegalidade/pluralidade de ordenamentos jurídicos; da tensão entre regulação/emancipação; e da tensão entre o direito produzido nos diversos espaços: ( doméstico, produção, mercado, comunidade, estado, mundo). (Santos, 2000, p. 91)
[3] “Os cidadãos costumam ficar totalmente desalentados sempre que entram no sistema judicial, sempre que contactam com as autoridades, que os esmagam pela sua linguagem esotérica, pela sua presença arrogante, pela sua maneira cerimonial de vestir, pelos seus edifícios esmagadores, pelas suas labirínticas secretarias etc” (Santos, 2008, p. 31)
[4] Boaventura de Sousa Santos (1996 B, p. 125 a 230), constata que a Justiça em Portugal está colonizada pela cobrança de dívidas. Nesse sentido, agrega que não faz sentido que a Justiça se ocupe desses casos de baixa complexidade, que bloqueiam o Judiciário e o tornam lento para as questões mais emancipadoras e relevantes da sociedade. Tanto que em alguns países esses casos foram desjudicializados, tais como na Dinamarca em que esses casos são resolvidos na secretaria do Tribunal.
[5] De toda sorte, como já observava Boaventura de Sousa Santos (2008, p. 48), deve ser garantida a igualdade de armas na resolução dos litígios por meios alternativos, caso contrário, o Poder Judicial é mais compensador das desigualdades sociais. Isso não desvaloriza as ADR , mas significa que não são uma panacéia pura e simples. A questão dos meios alternativos de resolução de conflitos é bastante mais complexa. Assim, em que medida os meios alternativos de solução de conflitos não são uma ferramenta de manutenção do status quo impedindo as pessoas de virem ao Judiciário e concretizarem o direito fundamental de acesso à justiça, impedindo também os juízes de enxergarem esses conflitos? Portanto, os meios alternativos de resolução de litígios podem ser formas de manter o status quo, pois não há sempre a mesma igualdade de poder, por exemplo, entre o dono do supermercado e o cliente da favela; entre uma mulher e um homem. A conciliação pode, muitas vezes alterar as relações de poder. Ela não tem força para eliminar essas relações de poder. Pode ser, por vezes, um placebo. Não se recomenda os meios alternativos de resolução de litígios em situações em que as diferenças sejam muito grandes, porque pode dar origem ao que se designa de conciliação repressiva. A pessoa na posição mais vulnerável aceita porque não tem alternativa. O que se pensa como algo progressista em teoria pode ser, na prática, altamente reacionário.
[6] “O protagonismo social e político dos tribunais judiciais é um fenómeno das sociedades contemporâneas. Nas últimas duas décadas, um pouco por todo o lado, os tribunais e os seus agentes, as suas decisões e o seu desempenho funcional, ou os casos que protagonizam surgem nas primeiras páginas dos jornais, nos noticiários de rádios e televisões e constituem tema frequente de debates e de artigos de opinião. Não se trata de um protagonismo esporádico em resposta a determinada conjuntura, a acontecimentos políticos excepcionais, ou a bruscas transformações sociais, como ocorreu no passado. É um protagonismo recorrente, ainda que ocorra numa pequena percentagem do trabalho judicial, e muito mais complexo, quer na forma como se manifesta, quer na orientação política que lhe subjaz”. (Santos, 2000, pp. 243-303). “É a “justiça dramática” que judicializa a política e politiza os Tribunais. Trata-se daqueles casos que levaram ao Tribunal pessoas conhecidas da comunicação social, políticos ou agentes econômicos de alto perfil na sociedade. Daí advém o protagonismo dos Tribunais e não da litigação em massa”. (Santos, 1996 B, p. 82)
[7] Ana Maria D’Ávila Lopes (2001, p. 64) leciona que: “Com o tempo, a visão liberalista foi superada pelo próprio processo histórico-dialético das condições econômicas. Nos séculos, XVIII e XIX o desenvolvimento industrial e o aparecimento de um proletariado, sujeito ao domínio da burguesia capitalista, deram origem a novas relações intersubjetivas, propiciando o aparecimento de novos direitos.”
[8] Cita-se a lição de Andreas Krell (2000, p. 27): “Neste contexto, exige-se do Poder Público certas prestações matérias. O Estado, através de leis, atos administrativos e da criação real de instalações de serviços públicos deve definir, executar e implementar, conforme as circunstâncias, as chamadas ‘políticas sociais’.”
[9] A seguir, serão citados breves comentários com linhas gerais sobre algumas teorias econômicas. Consoante o ‘Teorema de Pareto’ haverá eficiência sempre que alguém melhore sua situação sem que ninguém venha a se prejudicar por causa disso. É o que se chama de Pareto superior, posto que para uma pessoa continuar a ganhar as outras não podem perder. Outra teoria que explica a eficiência é o ‘Princípio de Kaldor Hicks’, pelo qual uma pessoa sempre pode continuar perdendo, o que importa é que as demais pessoas ganhem mais que o que a outra perdeu. Logo, se o quantitativo das pessoas que se beneficiam for maior que o daquelas que experimentaram prejuízo, haverá eficiência. Outro estudo que merece destaque acerca da efetividade é a ‘Teoria dos Jogos’. Essa doutrina explica qual a melhor estratégia a ser tomada num ambiente em que as regras são claras, mas que não se conhece qual a atitude que será tomada pelo outro, visando alcançar o ‘equilíbrio de Nash’, v. g., a situação em que considerando a atitude da outra parte, o sujeito não saiu perdendo ou não se arrepende. Por fim, o ‘Teorema de Coase’ a parte que tem menor custo é que deve arcar com os prejuízos, independente de que esteja certa ou errada. Busca-se, com isso, a eficiência em detrimento da justiça (Coase, 1960, p. 40-162).
[10] Nesse sentido, cita-se reportagem de revista brasileira que faz a divulgação da cartilha neoliberal, talvez por compromisso com os interesses de seus anunciantes ou seu próprio crescimento enquanto empresa: “A imprevisibilidade, como se sabe, é o maior veneno do capitalismo. É também a representação da supremacia do individualismo sobre as instituições. Os juízes entendem que estão promovendo justiça social com esse tipo de decisão. Essa suposta justiça social se transforma em mais custos para as empresas e, em conseqüência, num número menor de empregos protegidos pela legislação.” Exame (2007, p. 111 - 112)
[11] O pensamento liberal tem por objetivo proteger a liberdade do indivíduo enquanto cidadão da sociedade (liberdades subjetivas iguais para todos). Essa visão, porém, permite o surgimento de uma interpretação egoísta da liberdade. [...] A liberdade ética igual para todos cai em contradição consigo mesma no decorrer da execução do programa liberal, pois uma Constituição liberal garante a todos os cidadãos a igual liberdade de configurar sua vida seguindo os ditames de sua própria concepção do bom. [...] Daí a retomada pelo republicanismo, de uma idéia de liberdade ampliada intersubjetivamente e ligada ao papel de cidadão democrático (solidário, participativo). [...] Mesmo assim, a fusão entre cidadania do Estado e cultura nacional gera uma interpretação dos direitos dos cidadãos insensível às diferenças culturais. Por isso, no âmbito de sociedades pluralistas, quando se atribui precedência política a um bem comum impregnado politicamente em detrimento da garantia efetiva de liberdades éticas iguais, gera-se discriminação de modos de vida divergentes. [...]Apenas o universalismo igualitário que exige iguais direitos, sem deixar de ser sensível às diferenças, tem condições de satisfazer as exigências individualistas que consistem em garantir equitativamente a integridade vulnerável do indivíduo que é insubstituível e cuja biografia é inconfundível.
[12] Mesmo assim, ainda há forte apelo da agenda neoliberal pela adoção da ideia de racionalidade dos agentes econômicos, que são a base das políticas austeras e apelos pela flexibilização dos mercados de trabalho para corrigir o desemprego.
[13] Não se pode deixar um campo do saber entregue apenas aos seus especialistas (nem o Direito, nem a História, nem a Economia). E isso contribui para crescimento de seus profissionais e da ciência. Deve haver uma discussão que permita dizer o papel de cada um. Portanto, os diversos campos dos saberes devem ser convocados para a tomada de decisões sobre o rumo da sociedade. (Santos, 2001, p.303)
[14] Há uma “demanda ou procura efetiva” dos tribunais, que é a que se conhece na praxe forense. Há uma “demanda ou procura potencial”, que é aquela que se pode conquistar pelas reformas processuais”. Já a “Procura suprimida” é a procura dos cidadãos que tem consciência de seus direitos, mas que se sentem totalmente impotentes para os reivindicar quando são violados. Para se resolver a questão da procura suprimida, mais que uma alteração do direito substancial e adjetivo, é necessária uma profunda reforma jurídica e judiciaria. Nesse sentido, nos dias atuais, observa-se que a crescente conscientização dos direitos levou a uma maior “procura efetiva” pelo Judiciário. Algumas questões, que outrora ficavam a margem da praxe judicial, agora têm se tornado uma “demanda emergente”, tais como o tráfico de seres humanos, violência doméstica, meio ambiente e alguns direitos sociais. Portanto, a procura suprimida é uma área da sociologia das ausências, isto é, é uma ausência que é socialmente produzida, algo ativamente produzido como não existente. E se ela for considerada, vai levar a uma transformação do sistema judiciário e do sistema jurídico em geral, tão grande que faz sentido falar da “revolução democrática da justiça". (Santos, 1996, p. 93 e 310)
[15] Para Boaventura de Sousa Santos (1996, p. 110), as lutas populares têm de saber usar o direitos em fetichismo jurídico, isto é, sabendo que, por vezes, há momentos de ilegalidade. Trata-se de misturar a legalidade com a ilegalidade.
[16] Apelação civil nº 70006828321, Plenária, TJRS, 10.0311 de dezembro de 2003, p. 97 -101
[17] Pet 3388 / RR - RORAIMA PETIÇÃO Relator (a): Min. CARLOS BRITTO Julgamento: 19/03/2009 Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJe-181 DIVULG 24-09-2009 PUBLIC 25-09-2009.EMENT VOL-02375-01 PP-00071. Parte(s) REQTE.(S): AUGUSTO AFFONSO BOTELHO NETO ADV.(A/S): CLÁUDIO VINÍCIUS NUNES QUADROS.ASSIST.(S): FRANCISCO MOZARILDO DE MELO CAVALCANTI .ADV.(A/S): ANTONIO GLAUCIUS DE MORAIS E OUTROS REQDO.(A/S): UNIÃO. ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO. EMENTA: AÇÃO POPULAR. DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO- DEMARCATÓRIO. OBSERVÂNCIA DOS ARTS. 231 E 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BEM COMO DA LEI Nº 6.001/73 E SEUS DECRETOS REGULAMENTARES. CONSTITUCIONALIDADE E LEGALIDADE DA PORTARIA Nº 534/2005, DO MINISTRO DA JUSTIÇA, ASSIM COMO DO DECRETO PRESIDENCIAL HOMOLOGATÓRIO. RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO INDÍGENA DA ÁREA DEMARCADA, EM SUA TOTALIDADE. MODELO CONTÍNUO DE DEMARCAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE. REVELAÇÃO DO REGIME CONSTITUCIONAL DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL COMO ESTATUTO JURÍDICO DA CAUSA INDÍGENA. A DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS COMO CAPÍTULO AVANÇADO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. INCLUSÃO COMUNITÁRIA PELA VIA DA IDENTIDADE ÉTNICA. VOTO DO RELATOR QUE FAZ AGREGAR AOS RESPECTIVOS FUNDAMENTOS SALVAGUARDAS INSTITUCIONAIS DITADAS PELA SUPERLATIVA IMPORTÂNCIA HISTÓRICO-CULTURAL DA CAUSA. SALVAGUARDAS AMPLIADAS A PARTIR DE VOTO-VISTA DO MINISTRO MENEZES DIREITO E DESLOCADAS PARA A PARTE DISPOSITIVA DA DECISÃO. (BRASIL, 2009, p. 01)
[18] Citam-se casos em que os Tribunais ainda se mantem resistente na promoção da cidadania em face de formalidades legais, como os conflitos entre empresas e povos indígenas, onde o Judiciário, por vezes, tem privilegiado a manutenção de contratos e projetos de extração de petróleo, madeira e minerais, mesmo que realizados em territórios destinados à exclusiva ocupação dos índios[18]. (Fajardo, 2001, p. 10)
[19] Citando o escólio de Rachel Sztajn (2010, p. 264-265), há dois sintomas na atividade judicante atual: a ‘judicialização do conflito político’ e a ‘politização das decisões judiciais’. O primeiro, decorre da falta de maioria no legislativo o que não possibilita que estes cheguem a um consenso sobre matérias específicas da lei e, portanto só aprovem textos genéricos, deixando ao magistrado a responsabilidade de construir a norma em cada caso concreto. Já a politização das decisões judiciais decorre, em parte, do sentimento do juiz de proteger a parte mais fraca, tal como pequenos devedores e trabalhadores, ou ainda de suas convicções pessoais. A politização é um fenômeno mais frequente nas operações de crédito, consumidor, meio ambiente, trabalhista e previdenciária, que em relações entre empresas.
Procurador Federal (atualmente Coordenador do Contencioso, Cobrança e Recuperação de Crédito do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LUíS DE FREITAS JúNIOR, . O Judiciário entre os apelos do neoliberalismo e a necessidade de aprofundamento democrático Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 ago 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36323/o-judiciario-entre-os-apelos-do-neoliberalismo-e-a-necessidade-de-aprofundamento-democratico. Acesso em: 22 nov 2024.
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