Resumo: No presente artigo se tratará brevemente das diferenças existentes entre os sujeitos do processo penal, se mostrará a consagração do princípio da paridade de armas no Direito nacional e internacional, se explicitará os fundamentos doutrinários e da jurisprudência desta garantia, e, por fim, se elencará em rol exemplificativo as medidas que devem ser sempre observadas para se concretizar a paridade de armas no processo penal e se possibilitar uma decisão jurídica legítima.
Palavras-chave: Estado Democrático de Direito. Processo Penal. Paridade de Armas. Direito de Defesa do Acusado.
1 Introdução
O réu possui em toda a persecução penal o Estado de Inocência[1], que apenas pode ser relativizado pelo devido processo legal; se nenhum elemento de prova for encontrado e nenhuma ação dirigida na formação da culpa for efetuada, este mesmo réu permanece com seu Estado de Inocência; assim, a persecução penal não tem como proporcionar ao réu um estado melhor do que o mesmo inicia já possuindo; mesmo no caso de ser absolvido, o que o réu teria como consequência seria a manutenção deste Estado de Inocência.
Desta sorte, na persecução penal, na busca pela verdade (processual)[2] tudo o que existe quanto ao réu é em relação à alteração ou à manutenção de seu Estado de Inocência.
Buscando elementos que podem alterar o status quo do réu se encontram: a Polícia Civil (PC), a Polícia Militar (PM), a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), a Polícia Federal (PF), o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), o Banco Central do Brasil (BACEN), as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), o Ministério Público (MP), entre outros, além de todo o aparato estatal e a pressão popular[3].
Buscando a manutenção do status quo de inocência do réu, se tem: o advogado de defesa.
É óbvio que a disparidade econômica faz com que, em regra, exista uma desigualdade real entre os sujeitos do processo penal – nomeadamente entre acusação e defesa. Todavia, tal desigualdade real não pode provocar que isso “[...] desemboque em desigualdade processual comprometedora da verdade que deve alicerçar a sentença penal.”, como diz Geraldo Prado[4].
A legitimidade da jurisdição exige um tratamento paritário entre os sujeitos do processo[5], provocando que ambas tenham igual oportunidade de participação na construção do provimento final[6]. E tal igual oportunidade de participação só pode ser obtida no processo penal se existir uma atividade dinâmica[7], ativa, na busca do equilíbrio da formação do procedimento[8].
Como se concretizar a tão buscada paridade de armas no processo penal é do que se tratará no presente ensaio.
2 A PARIDADE DE ARMAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Diz o artigo 3º, I, da Constituição Federal: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;”.
Impõem o artigo 5º de nossa Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (Sem destaques no original)
Por sua vez, conforme o artigo 7º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Art. 7º Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. (Sem destaques no original)
E ainda, conforme Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), incorporado ao Direito brasileiro pelo o Decreto nº 678, de 1992:
Artigo 8º - Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: [...] (Sem destaques no original)
Assim, é categoricamente consagrada em nosso ordenamento jurídico a igualdade entre as partes no processo penal, o que só é atingido com o a ação ativa no cumprimento da paridade de armas.
Em seguida mostraremos as palavras da doutrina e da jurisprudência de como concretizar tal direito fundamental.
3 A DOUTRINA E A JURISPRUDÊNCIA
É salutar a enunciação concreta dos atos pela qual a paridade de armas se dá para que se possa cumprir um princípio tão amplo. Luigi Ferrajoli conceitua:
Para que a disputa se desenvolva lealmente e com paridade de armas, é necessária, (...), a perfeita igualdade entre as partes: em primeiro lugar, que a defesa seja dotada das mesmas capacidades e dos mesmos poderes da acusação; em segundo lugar, que o seu papel contraditor seja admitido em todo estado e grau do procedimento e em relação a cada ato probatório singular, das averiguações judiciárias e das perícias ao interrogatório do imputado, dos reconhecimentos aos testemunhos e às acareações.[9]
Objetivamente na elucidação do conceito, diz Kai Ambos:
Segundo a concepção moderna, a igualdade de armas exige que as partes possam apresentar o caso sob condições que não impliquem nenhuma posição desvantajosa a respeito da parte contrária.[10]
Por sua vez, enumeram Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli:
Mas a igualdade não pode ser, evidentemente, somente formal: o correto enfoque da 'paridade de armas' leva ao reconhecimento não de uma igualdade estática, senão dinâmica, em que o Estado deve suprir desigualdades para vivificar uma igualdade real. Se o devido processo é a expressão jurisdicional democrática de um determinado modelo de Estado, essa igualdade somente pode ser a substancial, efetiva, real. As oportunidades dentro do processo (de falar, de contraditar, de reperguntar, de opinar, de requerer e de participar das provas etc.) devem ser exatamente simétricas, seja para quem ocupa posição idêntica dentro do processo (dois réus, v.g.), seja para os que ostentam posição contrárias (autor e réu, que devem ter, em princípio, os mesmos direitos, ônus e deveres).[11]
Sendo que esta referida atuação dinâmica do Estado se dá tanto pelo Estado-Legislador na elaboração de normas diferenciadas em relação ao direito de defesa do acusado, quanto pelo Estado-Juiz em sua atuação ativa em favor da proteção dos direitos e garantias do cidadão. São luminosas quanto a isto as anotações de Antônio Magalhães Gomes Filho:
[...] em primeiro lugar, que a atribuição e os poderes do juiz – notadamente no terreno probatório – não impede a realização do contraditório, mas até o integra e estimula, suprindo as deficiências e temperando os desiquilíbrios naturais entre as partes.
A segunda consequência do desejado equilíbrio entre os dois ofícios do processo penal relaciona-se à tutela diferenciada que deve ser dada ao direito de defesa do acusado no confronto com as prerrogativas da acusação. Longe de configurar uma violação da igualdade entre as partes, o tratamento privilegiado de quem se defende atende não apenas a um princípio geral, que impõem maior consideração à posição daquele que poderá vir a ter sacrificado o seu direito à liberdade, mas igualmente resulta da constatação histórica de que na generalidade dos casos a acusação criminal recai sobre sujeitos já desfavorecidos no plano social e econômico.[12]
Assim, cumpre observar que o princípio da paridade de armas é a aceitação das diferenças entre as situações dos sujeitos no processo penal, e, assim como na doutrina, tal garantia é também consagrada na jurisprudência; exemplificativamente, por todos, citamos o julgamento do HC 83.255/SP, pelo Supremo Tribunal Federal:
DIREITO INSTRUMENTAL - ORGANICIDADE. As balizas normativas instrumentais implicam segurança jurídica, liberdade em sentido maior. Previstas em textos imperativos, hão de ser respeitadas pelas partes, escapando ao critério da disposição. INTIMAÇÃO PESSOAL - CONFIGURAÇÃO. Contrapõe-se à intimação pessoal a intimação ficta, via publicação do ato no jornal oficial, não sendo o mandado judicial a única forma de implementá-la. PROCESSO - TRATAMENTO IGUALITÁRIO DAS PARTES. O tratamento igualitário das partes é a medula do devido processo legal, descabendo, na via interpretativa, afastá-lo, elastecendo prerrogativa constitucionalmente aceitável. RECURSO - PRAZO - NATUREZA. Os prazos recursais são peremptórios. RECURSO - PRAZO - TERMO INICIAL - MINISTÉRIO PÚBLICO. A entrega de processo em setor administrativo do Ministério Público, formalizada a carga pelo servidor, configura intimação direta, pessoal, cabendo tomar a data em que ocorrida como a da ciência da decisão judicial. Imprópria é a prática da colocação do processo em prateleira e a retirada à livre discrição do membro do Ministério Público, oportunidade na qual, de forma juridicamente irrelevante, apõe o "ciente", com a finalidade de, somente então, considerar-se intimado e em curso o prazo recursal. Nova leitura do arcabouço normativo, revisando-se a jurisprudência predominante e observando-se princípios consagradores da paridade de armas. (STF, HC 83.255/SP, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12/03/2004) (Sem destaques no original)[13]
Veja-se que, apenas se as garantias do cidadão forem observadas em todos os atos da estrutura procedimental é que existirá legitimidade da decisão jurídica. Num processo penal absurdamente desigual é fundamental que tanto o legislador, quanto o juiz, quanto todos os sujeitos do processo atuem ativamente para a proteção diferenciada do direito de defesa do acusado, pois é desta forma que se possibilita a concretização da paridade de armas no processo penal.
Por tudo dito, podemos afirmar que para se concretizar a tutela diferenciada do direito de defesa do acusado - consolidando o direito fundamental já consagrado da paridade de armas - se faz mister a atitude dinâmica e ativa de todos os sujeitos do processo na aplicação das garantias penais e processuais do cidadão, as quais, em relação ao tema, referimos em rol exemplificativo (numerus apertus): a) obediência ao princípio do estado de inocência; b) obediência ao princípio do favor rei; c) obediência ao princípio do in dubio pro reo; d) a plenitude de defesa como princípio exclusivo do acusado em procedimento do Tribunal do Júri; e) a assistência por advogado técnico; f) a igual oportunidade entre acusação e defesa de participação na construção do provimento final em todos os atos do procedimento; g) igual potencial probatório entre acusação e defesa; h) igual oportunidade de falseamento das alegações de cada um dos sujeitos processuais; i) a carga probatória como dever da acusação; j) a proposição da produção de provas por a iniciativa do juiz exclusivamente em favor do acusado[14]; k) a obediência ao ne reformatio in pejus; l) aplicação do tantum devolutum quantum appellatum como limitação recursal exclusivamente ao acusador[15]; m) recursos exclusivamente defensivos; n) a possibilidade da concessão do Habeas Corpus de ofício; o) a possibilidade de Revisão Criminal exclusivamente em favor do acusado. Desta forma, cumpridas tais garantias, se aproxima da concreta aplicação do princípio da paridade de armas no processo penal.
Citamos, em epílogo, Jorge de Figueiredo Dias:
Foi intenção primacial – já o sabemos – das reformas processuais do séc. XIX, operadas sob o influxo das ideias revolucionárias, ligar a investigação da verdade material aos pressupostos do Estado-de-Direito, limitando-a assim pela observância escrupulosa dos direitos, liberdades e garantias do cidadão. Daí, justamente, que importasse assegurar de novo ao arguido, no processo penal, a posição de sujeito dotado de um real e efectivo direito de defesa. Com isto não se pretendeu apenas – ou nem tanto – limitar o poder do Estado e o arbítrio de seus representantes, mas corresponder à ideia, finalmente adquirida por uma consciência jurídica mais desperta, de que não há verdade material onde não tenha sido dada ao arguido a mais ampla e efectiva possibilidade de se defender da suspeita que sobre ele pesa, onde, numa palavra, não tenha sido conferida ao arguido a protecção do direito.[16] (Sem destaques no original)
4 Conclusão
Como conclusão tem-se que ante a desigualdade real entre os sujeitos do processo penal, e, tendo-se como premissa o Estado Democrático de Direito, é fundamental que tanto o Legislativo quanto o Judiciário, e juntamente com estes todos os sujeitos do processo, atuem de maneira ativa na concretização das garantias penais e processuais do cidadão, para que, com isto, se tenha a paridade de armas no processo penal e consequentemente uma decisão jurídica legítima.
Referências
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[1] Constituição Federal: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”.
[2] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 48-56.
[3] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A palavra dos mortos: conferências de criminologia cautelar. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 303-346.
[4] PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999, p. 131.
[5] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 7. ed. São Paulo: Forense, 2008, 60-64.
[6] GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 146.
[7] GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual de acordo com a Constituição de 1988. São Paulo: Forense Universitária, 1990, p. 6.
[8] Conforme anota Rogério Lauria Tucci “[...] evidenciada a desigualdade entre as pessoas, sejam físicas, sejam jurídicas ou formais, deverão ser consideradas as condições desiguais, para que possa haver igualdade.” in TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 159-160.
[9] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 565.
[10] AMBOS, Kai. Processo penal europeu. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 77.
[11] GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à convenção americana sobre direitos humanos: Pacto de San José da Costa Rica. 3. Ed. São Paulo: RT, 2010, p. 113.
[12] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001, p. 42-43.
[13] A paridade de armas se encontra absolutamente consagrada nos Tribunais de Direito Europeu, vide Kai Ambos, idem, p. 77-81.
[14] Ante a complexidade do tema da gestão da prova, remetemos o leitor a “MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. O juiz moderno diante da fase de produção de provas: as limitações impostas pela constituição. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, v. 24. 2007, p. 159-174.”; e “COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Crítica à Teoria Geral do Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 3-55.”.
[15] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1178-1179.
[16] DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: 1974, p. 429.
Advogado criminalista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOPES, Marcus Vinícius Pimenta. A paridade de armas no processo penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 set 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36490/a-paridade-de-armas-no-processo-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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