Por que estamos indignados? é o livro mais recente de minha autoria (Saraiva). Analiso as razões dos protestos de junho, seus protagonistas, os alvos das manifestações e o futuro delas e do Brasil. Em regra saíram para as ruas e se mobilizaram pela internet os jovens escolarizados. Não se conformam com as condições injustas e desumanas do lado do Brasil que deu errado. Depois de 300 anos de colonização e de mais 200 de urbanização confusa e discriminatória, os serviços públicos continuam indecentes. Os miseráveis nunca vão protestar porque estão preocupados antes de tudo com o prato de comida de cada dia. As classes opulentas são conservadoras porque (grande parte dela) vive do parasitismo do trabalho neoescravagista (insalubre e mal remunerado). A classe política está blindada em razão da sua profunda corrupção, mancomunada com o mundo econômico-financeiro. Não lhes interessam mudanças.
O jovem escolarizado está descontente até mesmo com a política econômica de incentivo ao consumo. Que possui o mesmo efeito das drogas: cada vez o usuário quer mais! Educação de péssima qualidade mantém o povo na ignorância. Quanto mais fugimos dela, mais estamos perto dela (diria Zé Ramalho). Com quase 99% das crianças dentro das escolas, o problema não é ir para a escola, é ser escolarizado, com qualidade. Em 1822, 90% dos brasileiros eram analfabetos (Laurentino Gomes). Duzentos anos depois, 75% dos brasileiros continuam nesse estágio (não sabe ler ou escrever ou não compreende o que lê ou não sabe fazer operações matemáticas básicas – M. A. Setúbal, Folha 15/9/13, p. A3).
A polícia, violenta, se mostrou durante os protestos completamente despreparada. Pouco mais que os capitães do mato dos senhores de engenho. A confiança na representação política desmoronou (81% acham os políticos corruptos ou muito corruptos). O político profissional deve ser abolido. Instituições esclerosadas. Representação política sem legitimidade e sem credibilidade. O descompasso entre a política e a realidade é imenso. A governança é fisiológica e instável. Sem maioria no Congresso há risco de “impeachment”. Toma lá, dá cá. Oposição minguada. Os interesses do país ficam em segundo plano. Fundamental é a conquista ou a manutenção do poder (sendo irrelevantes os meios, como diria Maquiavel).
Os programas proativos contra a pobreza são muito válidos. Brasil é exemplo mundial (diz a ONU). Mas os vícios da colônia se agravam a cada dia (parasitismo, patrimonialismo, personalismo, nepotismo, fisiologismo, filhotismo, selvagerismo e muitos outros “ismos”). Resultado: infraestrutura indecente; quase 300 mortos por dia no trânsito e intencionalmente; a saúde está doente. A educação, por falta de meios, difunde a ignorância. As classes parasitárias se valem disso para seu enriquecimento. É o ignorantismo em marcha.
Na medida em que vamos descobrindo que a vida que vale a pena é esta, a que vivemos, importa então a sua qualidade. Prazer é o que comanda, diria filósofo grego Epicuro. Melhor ainda quando comedido (diria o poeta romano Lucrécio). É o sonhado bem-estar social, implantado depois da Segunda Guerra Mundial em vários países. Mas que nunca aterrissou no nosso país injusto e desigual. Carga tributária pesada (36% do PIB), mas com Estado muito caro e baixíssimo investimento (3% do PIB).
Democracia não é só eleição a cada quatro anos. O mundo da internet nos permite participar, deliberar juntos e vigiar os destinos e os governantes do país. Nossa transição democrática ainda não acabou. Cabos soltos aos montes. Os filhos da democracia querem outra democracia: a direta digital. Um Fórum Cidadão na internet tem que nascer prontamente. Sem os radicalismos polarizados e mascarados do mundo da web. Estar indignado não significa odiar tudo e todos (veja o livro Reprodução). Outra vida distinta da boca espumando ódio é possível. Existe vida além dos reducionismos e radicalismos da esquerda e da direita. Chegou a hora dos debates sérios na internet, eliminando-se ou eclipsando-se as vulgaridades. Sem reflexão não existe evolução.
A mídia tradicional conservadora e ideologicamente comprometida não representa os manifestantes. Está com suas entranhas expostas. Substituiu a objetividade da informação pela mentira e pela manipulação. O ignorante a ecoa, mas isso destoa de quem sonha com o futuro do país.
Estar empregado já não basta. O jovem quer melhores salários e perspectiva de futuro. Quer mais participação na vida do país, o fim da corrupção, o fim do parasitismo, o fim da violência e da selvageria. Depois de 513 anos, o lado do Brasil que deu errado continua muito doente, padecendo os males do parasitismo, do selvagerismo e do ignorantismo.
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