O credenciamento, cada vez mais freqüente no âmbito da Administração Pública Federal, vem sendo enquadrado como hipótese de inexigibilidade de licitação tanto pela doutrina quanto pelos órgãos de controle externo, visto que, todos os interessados em contratar com a Administração Pública são efetivamente contratados, sem que haja relação de exclusão. Como todos os interessados são contratados, não há que se competir por nada, forçando-se reconhecer, por dedução, a inviabilidade e a inexigibilidade de licitação pública.
Trata-se de situação oposta à prevista no inciso I do artigo 25 da Lei n. 8.666/93, pertinente à contratação de fornecedor exclusivo. Nela, só uma pessoa dispõe do bem que a Administração Pública pretende que acaba compelida a contratá-la diretamente, inviabilizando a competição. Agora, com o credenciamento, todos aqueles que pretendem contratar com a Administração são contratados, por efeito do que falta o objeto da disputa. Em resumo: a inexigibilidade consagrada no inciso I do artigo 25 funda-se no fato de que só uma pessoa pode ser contratada; já a inexigibilidade que ocorre com o credenciamento pressupõe que todos os interessados sejam contratados.
Importante ressaltar, desde já, que a hipótese de credenciamento não foi prevista expressamente na Lei n. 8.666/93. Não há qualquer dispositivo que aborde o assunto, regrando suas premissas e procedimentos. Por outro lado, impende destacar, por oportuno, que a inexigibilidade não depende de autorização legal expressa, tanto que ocorre em todas as situações de inviabilidade de competição, o que remonta à questão fática. Destarte, a ausência de dispositivos normativos em torno das hipóteses de credenciamento não há óbice em reconhecer sua existência, bem como a sua inviabilidade de competição, o que acarreta em hipótese de inexigibilidade de licitação.
É entendimento assente na doutrina especializada e nos órgãos de controle externo, que os casos de inexigibilidade de licitação, indicados no art. 25 da Lei de Licitações, constituem rol meramente exemplificativo. Isso implica dizer que, além das hipóteses tratadas nos incisos I a III do referido dispositivo, outros casos não previstos expressamente podem ensejar a inexigência de licitação. Esse entendimento, inclusive, encontra-se consolidado na publicação do Tribunal de Contas da União: “Licitações e Contratos – Orientações Básicas”, Brasília – 2003, p.172.
A licitação pública só é viável nas hipóteses em que há relação de exclusão, isto é, em que a Administração Pública escolhe uma pessoa ou um grupo limitado de pessoas para firmarem contrato administrativo excluindo outras tantas interessadas. Desse modo, alguém acaba por colher os benefícios econômicos do contrato administrativo e outros não, pelo que é necessário garantir a todos o mesmo tratamento, preservando, ademais, o interesse público e a moralidade administrativa.
Seguindo essa linha de raciocínio, nas hipóteses em que o interesse público demanda contratar todos os possíveis interessados, todos em igualdade de condições, não há que se cogitar de licitação pública, porque não há competição, não há disputa. Em apertadíssima síntese: a licitação pública serve para regrar a disputa de um contrato; se todos são contratados, não há o que se disputar, inviável é a competição e, por corolário, estamos diante de mais um caso de inexigibilidade, quer queira ou não o legislador.
A teor das lições de Carlos Ari Sundfeld[1],
“a invocação do princípio da igualdade, como razão de ser da obrigação de licitar, já indica quais são as operações que, apesar de gerarem vínculos entre a Administração e particular, independem, por razões lógicas, de licitação. São aquelas em que a disputa é desnecessária ou impossível.”
E adiante, acrescenta:
“se a Administração pretende credenciar médicos ou hospitais privados para atendimento à população e se admite credenciar todos os que preencham os requisitos indispensáveis, não há de falar em licitação. É que o credenciamento não pressupõe qualquer disputa, que é desnecessária, pois todos os interessados aptos serão aproveitados.”
Como observa Marçal Justen Filho[2],
“somente se impõe a licitação quando a contratação pressupuser a competição entre os particulares. Somente se pode conceber a necessidade de licitação nesses casos de competitividade. São as situações de excludência, em que a contratação pela Administração com determinado particular exclui a possibilidade de contratação de outrem. Já que haverá uma única contratação, excludente da viabilidade de outro contrato ter o mesmo objeto, põe-se o problema da seleção da alternativa mais vantajosa e do respeito ao princípio da isonomia. É necessário escolher entre diversas alternativas e diferentes particulares interessados. A licitação destina-se a assegurar que essa escolha seja feita segundo valores norteadores do ordenamento jurídico”.
Assim, não deve restar dúvida de que o credenciamento é um procedimento administrativo cujo fundamento de validade é o art. 25 da Lei n. 8.666/93. Isso implica dizer que somente será possível adotar o sistema de credenciamento quando a inviabilidade de competição estiver suficientemente demonstrada.
O credenciamento é espécie de cadastro em que se inserem todos os interessados em prestar certos tipos de serviços, conforme regras de habilitação e remuneração prefixadas pela própria Administração Pública. Todos os credenciados celebram, sob as mesmas condições, contrato administrativo, haja vista que, pela natureza do serviço, não há relação de exclusão, isto é, o serviço a ser contratado não precisa ser prestado com exclusividade por um ou por outro, mas é prestado por todos.
O Tribunal de Contas da União[3] destacou que o sistema de credenciamento atende aos princípios norteadores da licitação. Senão vejamos:
“a) legalidade – a conveniência social no caso da assistência médica é latente, uma vez que com o credenciamento todos serão amplamente beneficiados e a legalidade encontra respaldo no art. 25 da Lei n. 8.666/93; b) impessoalidade – o credenciamento obedece este princípio, pois a finalidade da Administração é prestar a melhor assistência médica, com o menor custo possível e dentro dos limites orçamentários; é o que se pretende fazer, atingindo todas as entidades prestadoras de serviço que se enquadrem nos requisitos estabelecidos; c) igualdade - no credenciamento o princípio da igualdade estará muito mais patente que na licitação formal. Poderá ser credenciada da pequena clínica, ou um consultório de apenas um médico, ao hospital de grande porte, com direito de participação de todos, sendo sua utilização em pequena ou grande escala vinculada à qualidade e à confiança dos beneficiários, que, conforme a aceitação destes permanecerão ou serão descredenciados; d) publicidade – antes de se concretizar o credenciamento, deverá ser dada ampla divulgação com aviso publicado no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação podendo, inclusive, a Administração enviar correspondência aos possíveis prestadores de serviço; e) probidade administrativa – o credenciamento da maneira que será executado obedece rigorosamente aos postulados do princípio da probidade administrativa, uma vez que, embora tal procedimento não esteja expressamente previsto na Lei de Licitação nenhum comprometimento ético ou moral poderá ser apontado, já que foram observados os demais princípios elencados para o certame; f) vinculação ao instrumento convocatório – é um princípio bastante fácil de ser seguido no esquema do credenciamento, pois os parâmetros serão definidos em ato da Administração que mediante divulgação para conhecimento dos interessados, permitirá que sejam selecionados apenas aqueles que concordarem e se adequarem a seus termos; g) julgamento objetivo – no credenciamento, o princípio do julgamento objetivo será muito mais democrático que na licitação formal, pois nesta o julgamento é de uma Comissão, que escolherá um número reduzido de prestadores de serviço que depois terão que ser aceitos pelo usuários. No caso do credenciamento as entidades prestarão serviços aos beneficiários de assistência médica de acordo com a escolha de cada participante em razão do grande número de opções, portanto, não basta ser credenciado para prestar serviço, tem que contar com a confiança da clientela.
A princípio, os contratos firmados em vista de credenciamento se sujeitam às regras da Lei n. 8.666/93, da mesma forma que qualquer outro contrato. Destarte, faz-se imprescindível prever qual a quantidade dos serviços, bem como as verbas orçamentárias pertinentes.
Interessante transcrever o comentário do doutrinador Joel de Menezes Niebuhr, disposto em sua obra “Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública”, Ed. Dialética, p. 212 e 213.
“O credenciamento vem sendo utilizado com grande freqüência, destacando a contratação de laboratórios médicos, serviços de saúde em geral, serviços bancários, serviços de inspeção em automóveis etc.[4] Nada obstante esse extenso rol, é relevante destacar que o credenciamento só tem lugar nas hipóteses em que verdadeiramente não houver relação de exclusão. Ocorre que, para tanto, é imperativo observar certos parâmetros, evitando que a possibilidade de credenciamento seja deturpada e utilizada indevidamente como escusa da Administrativa Pública para se ver livre dos rigores do procedimento de licitação pública e para direcionar os benefícios resultantes de contratos administrativos.
Em tributo à parte inicial do inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, não se deve esquecer que a obrigatoriedade de licitação pública é a regra e que a contratação direta, quer por dispensa, quer por inexigibilidade, é a exceção, que demanda ser interpretada excepcionalmente, isto é, de modo restrito. Não é correto conceber a contratação direta de modo tão amplo a ponto de transformá-la em regra, à esquerda da Constituição Federal. Como o credenciamento traduz situação de inexigibilidade, ele deve ser tomado como excepcional, interpretado restritivamente, destinado apenas aos casos em que efetivamente for inviável a competição. Importa repelir, com ênfase, tentativas artificiosas de hipóteses de credenciamento para situações que, por natureza, admitem a disputa, em que a competição é viável.[5]”
Importantíssimo salientar que todos os interessados em colher os benefícios econômicos do contrato sejam credenciados. Não deve haver limites para o credenciamento, número máximo de credenciados.
E, como se disse, o contrato decorrente do credenciamento deve tratar da mesma maneira todos os credenciados, sendo a todos garantida a mesma remuneração e as mesmas condições sob as quais o serviço deve ser prestado. Não é possível que, por efeito da intervenção da Administração Pública, um credenciado receba mais benefícios do que os demais.
Outro ponto a ser considerado no tocante ao credenciamento, reside na remuneração a ser paga aos credenciados. Ocorre que a licitação pública busca apurar qual dos interessados em contratar com Administração Pública oferece a ela a proposta mais vantajosa, a fim de receber produto de melhor qualidade, por preço reduzido, no mínimo justo. Quer dizer que um dos objetivos almejados com a licitação pública é apurar a proposta mais vantajosa. Poder-se-ia objetar, seguindo o exemplo dos laboratórios, que, em vez de credenciar a todos para realizarem determinados exames por preço já fixado de antemão, dever-se-ia realizar licitação pública, para determinar qual dos laboratórios oferecesse a proposta mais vantajosa, talvez de preço inferior ao que seria fixado no regulamento do credenciamento.
Em direção oposta, é valioso realçar que a Administração Pública não tem a obrigação de pagar sempre o menor preço, porém não pode pagar preço acima do mercado. Tanto isso é verdade, que a licitação pública, assaz das vezes, não serve para escolher proposta com o menor preço do mercado, freqüentemente praticado por alguém que não se dispôs a participar da disputa. Se a licitação pública seleciona proposta cujo preço não seja o menor do mercado, mas que com ele é compatível, não é lícito revogar o procedimento e deixar de celebrar o contrato com o vencedor do certame. No entanto, é lícito extinguir a licitação pública nas hipóteses em que a melhor proposta consigna preço superior ao praticado no mercado, de acordo com o que preceitua o inciso VII do artigo 24 da Lei n. 8.666/93. Então, repita-se, a Administração Pública não tem obrigação de pagar sempre o menor preço do mercado, até porque a licitação pública não se presta a isso. Por conclusão, é lícito à Administração Pública fixar de antemão o quanto pretende pagar por dado contrato, estabelecendo preço justo pelos serviços e vantajoso em relação ao praticado no mercado.
Por fim, mas, não menos importante, faz-se necessário registrar os comentários do Prof. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes[6] acerca dos requisitos que devem ser observados no processo de credenciamento. O entendimento do referido autor, adiante esposado, tem merecido reconhecimento em algumas decisões do TCU, inclusive no processo TC nº 017. 481/ 2002-2, que tratou dessa matéria em contratações feitas pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Assim ensina o citado doutrinador:
“Nos cursos de auditoria em licitações que temos ministrado, lembramos que há três aspectos fundamentais que definem a possibilidade de uso ou não da pré-qualificação do tipo credenciamento:
a) possibilidade de contratação de todos os que satisfaçam às condições exigidas.
Se o objeto só pode ser realizado por um, como uma ponte ou um só curso, descabe a pré-qualificação, pois característica fundamental do tipo credenciamento, é que todos os selecionados serão contratados, embora demandados em quantidades diferentes;
b) que a definição da demanda, por contratado não seja pela Administração.
Observe que a jurisprudência já consagrou pelo menos três possibilidades do uso do credenciamento, mas sempre excluindo a vontade da Administração na determinação da demanda por credenciado.
c) que o objeto satisfaça à Administração, desde que executado na forma definida no edital.
São serviços em que as diferenças pessoais do selecionado têm pouca relevância para o interesse público, dado o nível técnico da atividade, já bastante regulamentada ou de fácil verificação...
d) que o preço de mercado seja razoavelmente uniforme, e que a fixação prévia de valores seja mais vantajosa para a Administração.
A fixação dos valores previamente pela administração implica o dever inafastável de comprovar e demonstrar, nos autos, a vantagem ou igualdade dos valores definidos em relação à licitação convencional ou preços de mercado. Essa justificativa será objeto de futuro exame perante as esferas de controle, nos termos da lei.”
Assim, entendemos que o credenciamento configura hipótese de inexigibilidade de licitação por inviabilidade de competição - contratação de todos os interessados que satisfaçam as exigências do edital - com fundamento legal no caput do art. 25 da Lei n. 8.666/93.
Out. 2013
[1] SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo, p. 42.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, p. 46.
[3] Pleno, TC-016.522/95-8, Decisão 656/95, rel. Min. Homero Santos. J. 6.12.1995
[4] Adilson Abreu Dallari é autor de estudo precursor sobre o tema, publicado em obra coletiva em homenagem a Geraldo Ataliba. Logo na introdução, o Professor inventaria casos em que legislação esparsa admite o credenciamento. Nessa linha, acentua: a) a alínea c do § 2° do artigo 9° da Lei n.° 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que diz respeito ao credenciamento de instituições de ensino superior; b) o inciso I do artigo 149 da Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984, pertinente ao credenciamento de entidade ou programa comunitário para a realização de trabalho gratuito por condenados; c) o § 2° do artigo 1° da Lei n° 8.010, de 29 de março de 1990, que versa sobre as importações realizadas por entidades credenciadas pelo CNPq; d) a alínea a do inciso I do artigo 3° do Decreto n.° 1.691, de 28 de setembro de 1995, que envolve o credenciamento de serviços no âmbito do Sistema Único de Saúde; e) a Resolução n.° 809, de 12 de 1995, do Contran, que dispõe sobre a vistoria de veículos a ser realizada por entidade credenciada; f) além de ressaltar projetos de lei que tratavam do assunto. (DALLARI, Adilson Abreu. “Credenciamento”. Estudos em Homenagem a Geraldo Ataliba. MELLO, Celso Bandeira de (org.). São Paulo: Malheiros, 1997, p. 38-40).
[5] Como adverte Marcelo Rodrigues Perracini: “Essa é, aliás, a primeira preocupação que deve ter o administrador diligente: em obediência ao disposto no art. 37, inc. XXI, da Constituição Federal, a licitação é o meio de que dispõe a Administração Pública para contratar. A adoção do Sistema de Credenciamento deve ser tomada como exceção, que será permitida se forem cumpridos os requisitos analisados adiante.” (PERRACINI, Marcelo Rodrigues. “Sistema de Credenciamento”. Boletim de Licitações e Contratos. Op. cit., p. 334).
[6] JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Contratação Direta Sem Licitação, Brasília Jurídica, 5ª Edição, ps. 532 e 533.
Procurador Federal. Especialista em Direito Sanitário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Maxiliano D'avila Cândido de. O credenciamento no âmbito da Administração Pública Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 out 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36853/o-credenciamento-no-ambito-da-administracao-publica-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
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