O credenciamento, procedimento que leva a Administração Pública à contratação de todos que com ela queiram contratar, não está expressamente previsto na Lei n. 8.666/93, inexistindo qualquer dispositivo que discipline suas premissas e procedimento. A ausência de procedimento específico sobre o credenciamento na Lei de Licitações acaba gerando incertezas quanto à aplicação de alguns de seus dispositivos, como a possibilidade de prorrogação contratual estabelecida no art. 57, II.
Apesar da ausência de previsão legal do referido procedimento, é consenso na doutrina e nos órgãos de controle a sua admissão como forma de contratação da Administração. Destarte, a lacuna de dispositivos normativos em torno do credenciamento não gera óbice em reconhecer sua existência, por caracterizar inviabilidade de competição - contratação de todos os interessados que satisfaçam as exigências do edital -, o que acarreta, por conseguinte, hipótese de inexigibilidade de licitação. Assim, reconhecido o procedimento de credenciamento passemo-nos à análise da possibilidade de prorrogação da sua vigência.
De início, entendemos que o credenciamento é procedimento para a contratação e a natureza do objeto a ser contratado por meio desse processo é o que define a possibilidade legal da previsão de prorrogação de sua vigência, com fundamento legal no art. 57, II, da Lei n. 8.666/93.
De acordo com a Lei de Licitações, os contratos administrativos são firmados com prazos determinados. Escoado o prazo, a regra é licitar. No entanto, a citada norma prevê algumas hipóteses excepcionais em que, estando o prazo finalizado, o administrador, em vez de licitar, prorroga o prazo contratual. Essa prorrogação contratual não se comporta somente na conveniência do administrador: é atividade que se converte em dever-poder, uma vez presentes, no plano dos fatos, os elementos inscritos na hipótese de prorrogação.
Ressaltamos que a análise em tela não se refere à prorrogação contratual especificamente, mas sim à prorrogação de procedimento de credenciamento. Sendo assim, por se tratar o credenciamento de um processo inovador na Administração, o juízo de valor a ser aqui despendido deve ter como norte e fundamento a inteligência do multicitado art. 57, II, da Lei n. 8.666/93, que trata da possibilidade de prorrogação da duração dos contratos, in verbis:
“Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos:
(...)
II - a prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a 60 (sessenta) meses.
(...).”
Sobre a prorrogação contratual, ainda vale observar o art. 92 da Lei n.8.666/93, na dicção abaixo:
“Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei:
Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.” (Grifo Nosso)
Interpretando sistematicamente ambos os artigos da lei, temos os seguintes elementos que integram o núcleo da hipótese normativa da prorrogação:
a) serviço de execução contínua;
b) finalidade de obter preços e condições mais vantajosos para a Administração;
c) previsão da possibilidade de prorrogação no instrumento convocatório.
Assim, para que o procedimento de credenciamento seja passível de ter o seu prazo de vigência prorrogado devem estar reunidos os três elementos acima referidos. Ausente um deles, é ilegal a prorrogação.
Em primeiro, o serviço a ser contratado por meio do processo de credenciamento deve ser de natureza contínua. É que, a toda prova, tal serviço não pode “sofrer solução de continuidade na prestação que se alonga no tempo, sob pena de causar prejuízos à Administração Pública que dele necessita.”[1]
Interessante ainda, o comentário do eminente autor Marçal Justen Filho:
“A identificação dos serviços de natureza contínua não se faz a partir do exame propriamente da atividade desenvolvida pelos particulares, como execução da prestação contratual. A continuidade do serviço retrata, na verdade, a permanência da necessidade pública a ser satisfeita. Ou seja, o dispositivo abrange os serviços destinados a atender necessidades públicas permanentes, cujo atendimento não exaure prestação semelhante no futuro.”
Lembrando que a prorrogação contratual requer a presença de um requisito ímpar, qual seja, a obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração, o preço deve estar condizente com o aplicado no mercado. Acrescente-se ainda, o fato do credenciamento se enquadrar, diante da inviabilidade de competição, na fórmula legal da inexigibilidade, nos termos do art. 25 da Lei n. 8.666/93, não afasta a necessidade de constar deste a justificativa do preço.
Resta, ainda, mencionar que deve constar, expressamente, do edital de credenciamento, com fundamento nos princípios da legalidade, isonomia e segurança jurídica, a data limite para a habilitação dos interessados, bem como, a possibilidade de prorrogação. Como se trata de um procedimento em que há inviabilidade de competição e a Administração contratará com todos os interessados que atendam aos requisitos previstos no edital, mediante sorteio das demandas, faz-se necessário um prazo limitado para habilitação, viabilizando com isso uma gestão segura do procedimento, sem mencionar que se trata de uma forma de resguardar a transparência da Administração e assegurar o respeito ao princípio da igualdade.
Por fim, realizado o credenciamento, a demanda que surge é sorteada entre os credenciados para sua realização. Durante a vigência do credenciamento as empresas aptas a realizarem o serviço são aquelas credenciadas, não podendo empresa não habilitada realizá-lo. Ocorrendo a prorrogação do credenciamento, entendemos que a Administração deverá reabrir prazo para nova habilitação, com a devida publicação do chamamento aos interessados.
Assim, pelos fundamentos acima expostos, entendemos que a vigência do procedimento de credenciamento é passível de prorrogação desde que se trate de contratação de serviço contínuo, esteja comprovada a vantajosidade econômica e exista previsão no instrumento convocatório da possibilidade de prorrogação.
Notas:
DIÓGENES GASPARINI, in Revista Diálogo Jurídico, n° 14, Prazo e prorrogação do contrato de serviço continuado.
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