As atribuições finalísticas dos diversos órgãos públicos cada dia se avolumam, para atender o interesse coletivo e o bem comum.
Vê-se, assim, um movimento forte no sentido de fiscalizar os processos e os respectivos resultados.
Ocorre também um grande intercâmbio entre gestores e operadores administrativos, por vezes, oriundos de outros órgãos ou mesmo Poderes da própria União.
Quando dispôs sobre a sindicância e o processo administrativo disciplinar, o Estatuto dos Servidores Públicos Federais foi claro ao discriminar o procedimento em três fases sucessivas e distintas.
Nesse estudo, trataremos de implicações atinentes à fase de julgamento, quando nos deparamos com indiciado com penalidade sugerida que pertencem a órgãos diferentes.
Para a fixação o tema, é importante a leitura do artigo 151: O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases: I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão; II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; III - julgamento. Da leitura do texto da lei, temos que o processo administrativo disciplinar se desenvolve, respeitando as referidas fases.
Na fase de instauração, que deve sempre ser precedida de motivação, havendo indícios de irregularidade, sobrevém o dever de a autoridade mandar apurar os fatos. Vejamos o que diz a Lei nº 8.112/90:
Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
Para instaurar um processo disciplinar, a autoridade que detiver a competência para tal ato, ao instaurá-lo, poderá inclusive fazê-lo contra servidores pertencentes a outro órgão ou mesmo outro Poder, devendo para isto providenciar a edição de portaria conjunta, com a autoridade competente do outro órgão, que cedera o servidor.
Vejamos o § 3o do mesmo artigo acima citado já prevê a possibilidade de dualidade entre a apuração dos fatos e o julgamento do Processo Administrativo:
§ 3o A apuração de que trata o caput, por solicitação da autoridade a que se refere, poderá ser promovida por autoridade de órgão ou entidade diverso daquele em que tenha ocorrido a irregularidade, mediante competência específica para tal finalidade, delegada em caráter permanente ou temporário pelo Presidente da República, pelos presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, no âmbito do respectivo Poder, órgão ou entidade, preservadas as competências para o julgamento que se seguir à apuração.
Isso se dá pelo dever de a Administração apurar os fatos noticiados como supostas irregularidades.
No caso, se houver algum servidor envolvido, e o mesmo estiver na condição de cedido de outro órgão, os fatos obviamente poderão ser apurados contra ele, porque ninguém se exime de ter sua conduta submetida a julgamento, podendo ser responsabilizado no caso de ser comprovada a sua culpabilidade.
Porém, na fase de julgamento, surge um problema: qual autoridade competente para aplicar a penalidade sugerida pela Comissão?
Havendo a comprovação das irregularidades, se os infratores não pertencerem aos quadros do órgão apurador, o julgamento deverá ser encaminhado para a autoridade julgadora a que hierarquicamente o servidor indiciado esteja subordinado. Esta é a regra geral.
É que, pertencendo o servidor indiciado a outro órgão, somente a autoridade julgadora deste poderá aplicar na prática a penalidade. Por exemplo, se a comissão de PAD, conduzida no Ministério da Defesa, sugere a punição de suspensão de 90 (noventa) dias de servidor pertencente aos quadros do Ministério dos Transportes. Em que pese o processo poder ter sido feito no Ministério da Defesa, para aplicar a punição ao servidor dos Transportes, o julgamento da penalidade tem que passar pelo Ministro dos Transportes, e é nesse órgão que será aplicada, de fato, a suspensão, com o afastamento por 90 dias sem remuneração.
Outro exemplo: servidor do Supremo Tribunal Federal, cedido para o INSS, ao conceder benefício previdenciário age com dolo e concede aposentadoria por tempo de contribuição para um parente, sem que haja o tempo necessário para o deferimento. Feito o PAD, com a sugestão da penalidade de demissão, por valimento, deve o processo ser remetido ao STF para julgamento de sua conduta.
Há casos também que a autoridade instauradora, no momento da instauração do processo era competente, e por lei posterior deixa perde esta competência. Tal situação foi vivenciada com o advento da Lei nº 11.457, de 2007, que criou a Secretaria da Receita Federal do Brasil (Super Receita), a qual congrega as atribuições que pertenciam às Secretarias da Receita Federal e da Receita Previdenciária do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A citada lei autorizou a redistribuição de cargos da estrutura do INSS para a Instituição nova criada, dentre os quais podemos citar o cargo de Auditor Fiscal do INSS.
Lembremos que o INSS está vinculado ao Ministério da Previdência Social e a Secretaria da Receita Federal do Brasil está vinculada ao Ministério da Fazenda.
Vejamos o que dizem os artigos 1º e 8º da Lei nº 11.457/2007:
Art. 1o A Secretaria da Receita Federal passa a denominar-se Secretaria da Receita Federal do Brasil, órgão da administração direta subordinado ao Ministro de Estado da Fazenda.
Art. 8o Ficam redistribuídos, na forma do § 1o do art. 37 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, dos Quadros de Pessoal do Ministério da Previdência Social e do INSS para a Secretaria da Receita Federal do Brasil os cargos ocupados e vagos da Carreira Auditoria-Fiscal da Previdência Social, de que trata o art. 7o da Lei no 10.593, de 6 de dezembro de 2002.
Cumpre esclarecer, ainda, que a apuração disciplinar deve ocorrer preferencialmente no local da suposta infração, como forma de, por exemplo, facilitar a colheita de provas, tanto testemunhal quanto documental. De outra sorte a competência para o julgamento (desde o arquivamento à aplicação da penalidade máxima) é da autoridade a qual indiciado estiver hierarquicamente subordinado. Corroborando este pensamento citamos os ensinamentos da Douta Controladoria-Geral da União, in verbis:
(...) se o infrator já se encontra investido em outro cargo público federal de outro órgão, o julgamento (que comporta a decisão de arquivar) e a aplicação de pena, seja qual for, devem ser transferidos para esse outro órgão. Este entendimento foi ratificado pela Advocacia-Geral da União, quando o Advogado-Geral da União, por meio do Aviso-AGU nº 331, de 14/10/10, aprovou o Parecer-MP/CGU/AGU nº 01/2010, nos termos do Despacho do Consultor-Geral da União nº 73/2010. Embora aquele caso concreto se referisse especificamente a esclarecimento de competência ministerial para aplicar pena de demissão, a peça se aproveita de forma genérica para sustentar a tese de que a competência para julgar (em que se insere, quando é o caso, indissociavelmente, a aplicação da pena cabível) atrela-se ao poder hierárquico à época do julgamento. A competência para julgar recai sobre a autoridade a que o servidor se encontra subordinado no momento do julgamento e não sobre a autoridade a que estava subordinado à época dos fatos.
(...)
Por fim, ainda na análise de caráter temporal, também cabe à autoridade jurisdicionante da unidade de lotação do infrator à época do cometimento do fato aplicar o processo administrativo disciplinar a ex-servidor, por ato ilícito cometido quando exercia o cargo, independentemente se, à época da apuração, ele já estiver aposentado, posto em disponibilidade ou tiver sido exonerado (a pedido ou de ofício) ou ainda tiver sofrido pena capital (demissão, cassação de aposentadoria ou de disponibilidade ou destituição de cargo em comissão) em outro processo administrativo disciplinar. Para todos esses casos excepcionais acima de quebra de vínculo da relação estatutária, a apuração e o julgamento competem às respectivas autoridades hierárquicas ao cargo ocupado à época, em respeito ao caráter espacial de privilegiar a busca de provas e à inserção do poder punitivo na esfera de hierarquia (embora pretérita, ou seja, já não mais existente à época do processo).
Nesse sentido, também, o posicionamento institucional da Advocacia-Geral da União, por meio da Nota Decor/CGU/AGU nº 16/2008-NMS, abaixo citada:
Nota Decor/CGU/AGU nº 16/2008-NMS: “35. Por fim, cabe esclarecer que o julgamento e aplicação da sanção são um único ato, que se materializa com a edição de despacho, portaria ou decreto, proferidos pela autoridade competente, devidamente publicado para os efeitos legais, conforme se dessume do disposto nos artigos 141, 166 e 167 do RJU.”
Despacho Decor/CGU/AGU nº 10/2008-JD: “10. De toda sorte, a competência para julgar processo administrativo disciplinar envolvendo servidor cedido a outro órgão ou instituição só pode ser da autoridade a que esse servidor esteja subordinado em razão do cargo efetivo que ocupa, ou seja, da autoridade competente no âmbito do órgão ou instituição cedente. 11. Essa competência decorre do princípio da hierarquia que rege a Administração Pública, em razão do qual não se pode admitir que o servidor efetivo, integrante do quadro funcional de um órgão ou instituição, seja julgado por autoridade de outro órgão ou instituição a que esteja apenas temporariamente cedido. 12. É fato que o processo administrativo disciplinar é instaurado no âmbito do órgão ou instituição em que tenha sido praticado o ato antijurídico. Entretanto, tão logo concluído o relatório da comissão processante, deve-se encaminhá-lo ao titular do órgão ou instituição cedente para julgamento.”
Despacho do Consultor-Geral da União nº 143/2008: “2. Estou de acordo com a NOTA/DECOR/CGU/AGU Nº 016/2008-NMS (...) e com o despacho posterior [Despacho Decor/CGU/AGU Nº 010/2008-JD] que a aprovou, que inclusive, revê posicionamento anterior, no sentido de que cabe ao titular do órgão cedente a competência para julgamento e imposição de penalidade a servidor cedido, cujo cargo efetivo seja vinculado ao órgão cedente.”
Ante o exposto, no caso em tela, após a redistribuição dos cargos de Auditor Fiscal da Previdência Social, trazida pela Lei nº 11.457, de 2007, o Ministro de Estado da Previdência Social não mais detém competência para julgar os servidores redistribuídos.
Nota-se que apenas o órgão que tem poder para fazer cumprir a penalidade é que deve julgar a conduta. Como não existe uma regulamentação dessa matéria, no passado, tivemos notícia de vários processos cujo julgamento se deu no órgão cessionário, o qual, ao remeter a decisão para, por exemplo, excluir do sistema de pagamento de pessoal o servidor infrator, teve como resposta que o servidor não seria demitido, porquanto sua conduta não tinha passado pelo crivo do órgão cedente.
Para excluir do quadro de pessoal, nos casos em que a penalidade a ser aplicada é a expulsória, mais sensível é a questão. Por isso, deve sempre remeter-se o processo para análise e julgamento pela autoridade que poderá aplicar a penalidade de demissão e, de pronto, mandar excluir o servidor do sistema de pagamento.
Anote-se, caso a penalidade seja aplicada pelo Chefe do Poder Executivo, entendo que qualquer outra autoridade deverá de imediato cumprir, pois neste caso a regra de competência emana do próprio superior, que outrora delegara a atribuição. Diz o Decreto nº 3.035, de 27 de abril de 1999:
Art. 1o Fica delegada competência aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União, vedada a subdelegação, para, no âmbito dos órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vinculados, observadas as disposições legais e regulamentares, especialmente a manifestação prévia e indispensável do órgão de assessoramento jurídico, praticar os seguintes atos:
I - julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores;
II - exonerar de ofício os servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo ou converter a exoneração em demissão;
III - destituir ou converter a exoneração em destituição de cargo em comissão de integrantes do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, níveis 5 e 6, e de Chefe de Assessoria Parlamentar, código DAS-101.4;
IV - reintegrar ex-servidores em cumprimento de decisão judicial, transitada em julgado.
Ora, se o Presidente da República detém legalmente a competência para aplicar a punição de demissão, no âmbito do Poder Executivo Federal, embora haja a delegação, esta não impede que o Chefe do Poder venha a exercer de maneira plena a sua competência, que está inclusive na Lei nº. 8.112/90, vejamos:
Art. 141. As penalidades disciplinares serão aplicadas:
I - pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade;
Vale ressaltar, ainda, que a autoridade possui o prazo de 20 (vinte) dias para o julgamento do feito nos termos do artigo 167, da Lei 8.112/90. In verbis:
Art. 167. No prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a sua decisão.
É bem de ver que o prazo estipulado pela lei, de 20 dias, no qual a autoridade julgadora competente procederá ao arquivamento ou à aplicação da penalidade, não é peremptório, não acarretando nulidade nenhuma, pois nenhum prejuízo decorre desse atraso para a defesa do acusado, como já sedimentado pela jurisprudência pátria.
Diante do exposto concluímos que não há necessariamente vinculação entre a autoridade instauradora e a autoridade julgadora, devendo apenas ser respeitado o princípio do juiz natural onde o servidor apenas pode ser apenado pela autoridade julgadora de a que estiver vinculado hierarquicamente, independente do local onde a conduta reprovável foi praticada.
BIBLIOGRAFIA
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COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 3ª edição, Brasília Jurídica, 1999.
REIS, Palhares Moreira. Processo Disciplinar, Recife, Editora Consulex, 1997.
REZENDE, Adriana Menezes. Do Processo Administrativo Disciplinar e da Sindicância, Rio de Janeiro, Lumen Júris, 2000
Procurador Federal. Coordenador-Geral de Direito Administrativo e Consultor-Geral Jurídico Substituto do Ministério da Previdência Social. Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Estudante do Curso de Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Público pela ESMAPE.Ex-Assessor da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira. A competência para o julgamento do PAD, quando o servidor processado pertence a outro órgão ou a outro Poder dentro da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37005/a-competencia-para-o-julgamento-do-pad-quando-o-servidor-processado-pertence-a-outro-orgao-ou-a-outro-poder-dentro-da-administracao-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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