INTRODUÇÃO
A evolução histórica da interação da América Latina remonta ao projetor unificador de Simón Bolivar, que, em 1826, tentou promover uma integração continental ao convocar o I Congresso Panamericano, convocado para o Panamá. Com isso, o líder revolucionário venezuelano pretendia reunir as novas repúblicas hispano-americanas numa mesma comunidade. Contudo, esse desiderato não logrou êxito, sobretudo porque compareceram apenas os representantes dos governos do México, da Federação Centro-Americana, da Grã-Colômbia (Colômbia, Equador e Venezuela) e do Peru. Assim, as nações latino-americanas desenvolveram-se de costas umas para outras.
A primeira tentativa efetiva de integração somente ocorreu em 1960, com a Associação Latino-Americana de Livre Comércio – ALALC, que se propunha a constituir uma zona de livre comércio na América Latina, isto é, instituir a livre circulação de mercadorias, mediante a isenção mútua do pagamento de impostos de importação e exportação e retirada dos obstáculos não tarifários.
Inicialmente, ela era formada por Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru, e Uruguai e, em 1970, expandiu-se com a adesão de Bolívia, Colômbia, Equador, e Venezuela. A ALALC constituía-se basicamente de dois órgãos: a conferência das partes contratantes e um comitê permanente, com caráter executivo. Todavia, o surgimento de controvérsias sem solução culminou por gerar o desinteresse dos participantes, de sorte que essa tentativa de integração comercial da América Latina foi mal sucedida.
Aos 12 de agosto de 1980, na tentativa de retomar os objetivos da ALALC e dar prosseguimento ao processo de integração da América Latina, surgiu, por meio do Tratado de Montevidéu, a Associação Latino-Americana de Integração – ALADI. No entanto, essa nova organização tinha um objetivo mais modesto, de estabelecer uma zona de preferência, como forma de, posteriormente, alcançar o nível de livre comércio.
Em 1985, Brasil e Argentina, superando os históricas divergências, assinaram a Ata de Iguaçu, assumindo o compromisso de crescerem juntos, com vistas a estabelecer um mercado comum aos moldes do existente na Europa. Em 29 de novembro de 1988, os dois países assinaram o Tratado de Cooperação e Desenvolvimento, que estabeleceu o prazo de 10 (dez) anos para a retirada dos obstáculos tarifários e não-tarifários de circulação de bens e serviços e para a harmonização das políticas macroeconômicas dos dois países.
Através do Tratado de Assunção, firmado em 26 de março de 1991, finalmente chegou-se ao Mercosul, subscrito por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com o objetivo de estabelecer uma zona de livre comércio entre os países, através da liberização das trocas e de uma união aduaneira, mediante o estabelecimento de uma tarifa externa e uma legislação aduaneira comuns.
Ao Tratado de Assunção suscederam diversos acordos, entre os quais tomam destaque o Protocolo de Brasília para a solução de controvérsias, de 17 de dezembro de 1991; o Protocolo de Las Leñas sobre a Cooperação e Assistência Jurisdicional em matéria de direito civil, comercial, trabalhista e administrativo, datado de 27 de junho de 1992; o Protocolo de Ouro Preto, de 17 de dezembro de 1994; e o Protocolo de Olivos, de 2002, que modificou o Protocolo de Brasília, constituindo o diploma normativo atualmente vigente para a solução de contrivérsias no âmbito do Mercosul.
Por meio deste trabalho, buscar-se-á aferir, a partir de uma análise da doutrina pertinente, a necessidade e a oportunidade da criação de um Tribunal Internacional para o Mercosul. Antes disso, porém, será realizado um estudo acerca dos mecanismos de solução de controvérsias em organizações de natureza integrativa e do sistema adotado atualmente pelo Mercosul, o que nos fornecerá os subsídios necessários ao enfrentamento do tema central deste trabalho.
1 DOS MECANISMOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
Os métodos de solução de controvérsias estão ligados às funções de prevenção e solução de conflitos no âmbito dos organismos internacionais de integração, tanto no que concerne às lides entre Estados e particulares de uma organização e esta organização, quanto às entre membros entre si e entre órgãos da própria organização.
Tais conflitos estão relacionados basicamente à implementação e à interpretação dos acordos e normas derivados do sistema integrativo, bem como ao eventual descumprimento de obrigações assumidas por parte de um Estado-membro. Diante disso, a doutrina classifica tais litígios de acordo com o meio utilizado pelas partes para a sua solução, que podem destinar-se à interpretação, à reparação de danos ou interesses lesados ou à anulação de atos emanados da organização.
Assim, o doutrinador Luis Fernando Franceschini da Rosa[1] trata de três funções: a interpretativa, a de controle do cumprimento e a de controle da legalidade. Por meio da primeira, garante-se uma adequada interpretação e uma aplicação uniforme do direito comunitário entre os Estados.
Segundo o autor retrocitado, “essa função é tanto mais bem realizada quando esteja atribuída a uma Corte de Justiça, de caráter permanente, a quem caiba interpretar uniformemente o direito primário e derivado e a quem devam, os Estados, obrigatoriamente, submeter as questões onde esteja suscitada a dúvida interpretativa”.[2]
Quanto à função de controle do cumprimento, ela está relacionada às violações praticadas pelos Estados integrantes da organização integrativa, seja pela não internalização das normas criadas pela organização, seja porque, embora as internalizem, eles as descumprem. Por fim, a função de controle da legalidade refere-se ao controle dos atos institucionais das organizações de integração, controle este que abrange tanto os atos normativos gerias quanto os individuais, emitidos pelos órgãos comunitários, quando eles violem as competências das instituições ou estejam eivados de abuso de poder.
No que concerne à classificação dos mecanismos de solução de controvérsias em organizações de natureza integrativa propriamente ditos, Luis Fernando Franceschini da Rosa[3] os divide em duas categorias: os mecanismos diplomáticos – também denominados métodos não jurisdicionais – e os jurisdicionais.
Os primeiros, que se caracterizam pela inexistência de um foro especializado e independente, procuram compatibilizar os interesses dos litigantes, podendo ser realizados mediante a negociação direta ou a intervenção de um terceiro, que irá figurar como mediador. Os últimos, por seu turno, buscam uma solução baseada em uma norma jurídica, através de um árbitro ou de um juiz. No âmbito da Organização Mundial do Comércio – OMC, há uma combinação dos mecanismos não jurisdicionais e jurisdicionais.
1.1 DOS MECANISMOS NÃO JURISDICIONAIS
Conforme já foi dito, os métodos diplomáticos ou não jurisdicionais não se baseiam em critérios jurídicos, mas nos interesses das partes conflitantes. Os mecanismos não jurisdicionais caracterizam-se por sempre depender da vontade das partes em submeter a solução da disputa a um procedimento alternativo à jurisdição de uma corte.
As diferenças existentes entre os mecanismos de solução de controvérsias estão diretamente relacionadas a dois fatores, os elementos de controle e a formalidade, os quais variam de forma inversa na seqüência gradativa dos meios alternativos. Nesse sentido, enquanto os métodos não jurisdicionais viabilizam um amplo controle de todo o processo pelas partes e não são revestidos de maiores formalidades, a arbitragem permite um controle menor do processo às partes e é caracterizada por uma maior formalidade.
A instrumentalização dos mecanismos de solução diplomáticos dá-se mediante a atuação dos órgãos das organizações de cooperação ou integração econômica, de natureza deliberativa ou executiva. Os métodos de solução não jurisdicional de controvérsias em organizações de natureza integrativa terão seus contornos gerais doravante delineados.
O primeiro deles é a negociação. Segundo Luis Fernando Franceschini da Rosa, ele constitui “um dos mecanismos de solução de controvérsias em que as partes envolvidas buscam, diretamente, uma solução. O sucesso de uma negociação, por sua vez, está relacionado à convicção das partes de que há, efetivamente, ganhos maiores do que perdas, quando buscam uma solução que prescinda da intervenção de terceiros”. [4]
A negociação, que é o único mecanismo de solução de controvérsias que prescinde da intervenção de um terceiro, pode revestir-se de procedimentos diversos. Um deles é a consulta, que previne o próprio surgimento do conflito, consiste em precaver a parte de eventuais medidas que, uma vez tomadas pelo Estado, poderão afetá-la. A consulta é utilizada, por exemplo, no Tratado Antártico, no que concerne a questões ambientais, e no GATT-OMC.
Além da consulta, existem, ainda, a notificação e a obtenção de consentimento prévio. A primeira objetiva a redução dos efeitos de uma decisão tomada unilateralmente, sem o consentimento da outra parte. Já por meio da última, que está relacionada à existência de uma obrigação anteriormente pactuada, a medida é comunicada ao outro Estado quando este poderá exercer o direito de veto.
Ademais, verifica-se, no âmbito da atividade comercial, um quarto procedimento negociatório, o chamado mini-trial. Ele consiste na submissão das posições contrapostas à opinião de um terceiro, que eliminará as eventuais dúvidas existentes e, em resultando frustrada a tentativa de uma solução negociada, apresentará sua opinião sobre o provável resultado que poderá ser advindo de uma eventual demanda judicial, facilitando, assim o deslinde da controvérsia.
Diante da forte tendência de a tentativa de uma negociação direta restar inócua, torna-se aconselhável o estabelecimento de um prazo máximo de negociação, ao término do qual as partes comprometer-se-iam a buscar a solução através de um outro mecanismo de solução de controvérsias.
Outro mecanismo de solução de controvérsias é a mediação, que, a exemplo dos outros instrumentos que serão adiante abordados, caracteriza-se pelo fato de introduzir um terceiro elemento alheio ao conflito. Nela, o terceiro poderá ter função de meramente aproximar as partes, restabelecendo as vias de comunicação rompidas, hipótese na qual ele não irá interferir nas negociações entre os litigantes, mas, apenas, os aproximará.
Poderá o terceiro, também, intervir em maior grau, sugerindo soluções às partes, com base nas informações por elas fornecidas. Essa última espécie de mediação aproxima-se bastante da conciliação, mas dela se difere por, nesta última, o conciliador atuar com base em informações obtidas por investigação própria.
Por seu turno, a conciliação caracteriza-se por conceder ao conciliador uma maior autonomia, pois ele poderá formular soluções para o litígio não só com base nos elementos de convencimento oferecidos pelas partes, mas, também, por elementos investigatórios obtidos por sua própria iniciativa. Frise-se, porém, que as propostas de solução indicadas pelo conciliador não se apresentam como uma decisão, ou seja, não vinculam os países, pois a decisão sobre o que e o quanto conceder permanece, ainda, sob os seus controles.
Esse método tem vantagem a correção das eventuais distorções advindas das versões apresentadas pelas partes, que, por estarem diretamente interessadas numa solução do litígio, acabam interpretando a realidade fática e as normas dos tratados da maneira que for mais favorável aos seus interesses.
A conciliação pode dar-se em duas modalidades: a investigação e o painel de especialistas. A primeira, cuja origem remonta à Convenção de Paz de Haia de 1899, há meramente um esclarecimento dos fatos por meio de um relatório, de sorte que os investigadores não adentram na análise de legalidade das condutas. Por sua vez, o mecanismo dos painéis de especialistas, ao qual a Organização Mundial do Comércio – OMC confere bastante relevância, sucedem os métodos de negociação, mediação e conciliação, quando estes não forem suficientes para solucionar a controvérsia.
No que concerne às diferenças e às semelhanças entre as duas figuras, Luis Fernando Franceschini da Rosa pontifica que:
Os painéis de especialistas da OMC distinguem-se do mecanismo da investigação, porquanto os painéis não se limitam à elucidação dos fatos que geraram a controvérsia, mas adentram na análise de direitos e obrigações das partes. Contudo, o que ambos possuem em comum é o fato de que suas conclusões servem de subsídios ao órgão que cumpre a função de conciliador.[5]
1.2 DOS MECANISMOS JURISDICIONAIS
Os mecanismos jurisdicionais de solução de controvérsias assemelham-se aos não jurisdicionais pelo fato de em ambos haver a intervenção de um terceiro[6], que, naqueles, poderá ser um tribunal de caráter permanente, composto por juízes independentes e imparciais; ou um tribunal arbitral, de caráter permanente ou temporário, composto por árbitros e regulado por um procedimento pré-estabelecido ou decidido pelas partes posteriormente ao surgimento do conflito.
De outra banda, os mecanismos jurisdicionais de solução de controvérsias diferem-se dos não jurisdicionais por se utilizar de fontes formais do direito, já que, conforme já foi dito, as saídas diplomáticas não procuram restabelecer a ordem jurídica violada, valendo-se, para tanto de fontes jurídicas, constituindo, assim, mais uma solução política do que jurídica. São eles a arbitragem e as Cortes de Justiça.
A arbitragem agrega características das categorias de mecanismo de solução de controvérsia jurisdicional e não jurisdicional. De acordo com Fernando Franceschini da Rosa[7], a sua faceta jurisdicional está presente na formação do procedimento, nos poderes jurisdicionais que revestem o árbitro e na solução baseada numa fonte jurídica, caso as partes não tenham escolhido a solução por equidade. Por sua vez, os elementos não jurisdicionais se mostram na liberdade de escolha do árbitro pelas partas conflitantes e do direito que regulará o procedimento e a solução do litígio.
A escolha do(s) árbitro(s) poderá ficar a cargo das partes ou ser feita por uma instituição permanente de arbitragem, quando a esta for confiada a solução do litígio. Geralmente, cada parte escolhe um árbitro, cabendo a eles eleger um Presidente do Tribunal. Essa escolha ficará consignada no chamado compromisso arbitral, que conterá, ainda, a definição da questão litigiosa, a escolha do procedimento e o local de realização do julgamento.
Conforme já foi dito, as partes gozam de ampla liberdade para escolher as leis aplicáveis ao procedimento e ao mérito da causa, podendo, ainda, valer-se da equidade. A possibilidade de eventuais recursos e a nulidade dos laudos arbitrais devem estar consignados no compromisso arbitral. É predominante o entendimento de que a nulidade dos laudos arbitrais só poderá ser argüida “nos casos em que os árbitros hajam desrespeitado o procedimento acordado no compromisso, excedido no objeto posto sob julgamento, ou, ainda, desrespeitados princípios básicos do due processo of law”.[8]
A diferença substancial entre a arbitragem comercial internacional, entre particulares, e a arbitragem do direito internacional público, entre Estados, reside nas discussões acerca da validade e do cumprimento do laudo arbitral, as quais, na primeira, podem ser resolvidas pelos mecanismos estatais, ao passo que, na última, a resolução fica dependendo de uma solução diplomática entre os países.
A arbitragem foi prevista como mecanismo de solução de controvérsias na experiência européia, através do tratado constitutivo da Comunidade Econômica Européia; e no âmbito da Organização Mundial do Comércio – OMC, onde a sua instituição depende apenas da vontade dos Estados.
Por fim, as Cortes de Justiça são um mecanismo cuja instituição só é possível em organizações nas quais haja um forte grau de integração entre os países que a compõem. Como exemplos, podem ser citados a Corte de Justiça das Comunidades Européias, a Corte de Justiça do Tratado de Cartagena, a Corte de Justiça da Comunidade Econômica Africana, o Tribunal da Comunidade Econômica do Oeste Africano e a Corte de Justiça da Comunidade Econômica dos Estados Centro-Africanos.
Traçados os contornos gerais dos mecanismos de solução de controvérsias em organizações de natureza integrativa, realizar-se-á uma análise do sistema adotado atualmente pelo Mercosul.
2 DO MECANISMO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS APLICADO ATUALMENTE PELO MERCOSUL
O mecanismo de solução de controvérsias aplicado pelo Mercosul tem fundamenta-se precipuamente no Tratado de Assunção e no Protocolo de Olivos. Segundo Luiz Olavo Baptista, optou-se por um “mecanismo predominantemente diplomático, ao dividir o processo resolutório das divergências em duas categorias, e cada uma dessas fases das quais apenas a última é a solução arbitral”.[9]
O sistema introduzido pelo Protocolo de Brasília, reformado posteriormente pelo Protocolo de Olivos, prevê dois procedimentos: um de iniciativa dos Estados Membros e outro de iniciativa de particulares. No âmbito de aplicação dos procedimentos de solução estabelecidos no Protocolo estão todas as controvérsias que surgirem entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento das disposições contidas Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul.
O procedimento por iniciativa dos Estados é disciplinado pelos artigos 1º a 38 do Protocolo, sendo composto por uma fase diplomática e uma arbitral. A solução arbitral só é utilizada quando a diplomática não logra êxito, pois o Protocolo prevê que os Estados partes numa controvérsia procurarão resolvê-la, antes de tudo, mediante negociações diretas.
A etapa diplomática é iniciada por negociações diretas, devendo os Estados partes numa controvérsia informar ao Grupo Mercado Comum, por intermédio da Secretaria Administrativa, sobre o andamento e os resultados das negociações. O prazo máximo previsto para estas é de 15 (quinze) dias, a partir da data em que um dos Estados Partes levantar a controvérsia, salvo se as partes estipularem de forma diversa.
Caso não se obtenha, por meio das negociações diretas, um acordo, ou se este for parcial, qualquer das partes na controvérsia poderá submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum – GMC, que avaliará a situação, oportunizando às partes da controvérsia a possibilidade de exporem as suas respectivas posições e requerendo, quando considere necessário, o assessoramento de especialistas. A controvérsia também poderá ser levada à consideração do Grupo Mercado Comum se outro Estado, que não seja parte na controvérsia, solicitar, justificadamente, tal procedimento ao término das negociações diretas.
Ao término desse procedimento, que não poderá estender-se por um prazo superior a 30 (trinta) dias, a partir da data em que foi submetida a controvérsia à consideração do Grupo Mercado Comum, este formulará recomendações aos Estados partes na controvérsia, visando à solução do litígio. Mesmo quando a controvérsia for levada à consideração do Grupo Mercado Comum a pedido de um Estado que dela não é parte, o Grupo Mercado Comum também poderá formular comentários ou recomendações a respeito. Se os Estados não cumprirem tais recomendações, parte-se, então, para a etapa arbitral.
O procedimento arbitral inicia-se com uma comunicação à Secretaria Administrativa, feita por quaisquer dos Estados partes, da intenção de recorrer a tal procedimento. Em seguida, a Secretaria Administrativa levará, de imediato, o comunicado ao conhecimento do outro ou dos outros Estados envolvidos na controvérsia e ao Grupo Mercado Comum e se encarregará da tramitação do procedimento. Frise-se, por oportuno, que, por força do disposto no artigo 33 do Protocolo de Olivos, a submissão à arbitragem é obrigatória, prescindindo de qualquer acordo especial.
Identifica-se no Protocolo a existência de duas listas de árbitros, registradas na Secretaria Administrativa do Mercosul. Para a primeira delas, cada Estado Parte designará 12 (doze) árbitros, cujas indicações, juntamente com os respectivos curriculum vitae detalhados de cada um deles, serão notificadas simultaneamente aos demais Estados Partes e à Secretaria Administrativa do Mercosul. Na formação de uma segunda lista de árbitros, cada Estado Parte proporá, 04 (quatro) candidatos para integrá-la. Aqui, pelo menos 01 (um) dos árbitros indicados por cada Estado Parte não poderá ser nacional de nenhum dos Estados Partes do Mercosul.
Identifica-se, portanto, a existência de duas listas de árbitros: uma formada por 12 (doze) árbitros indicados por cada Estado e outra, elaborada pelo GMC, composta por 16 (dezesseis) árbitros, com pelo menos um terço de árbitros advindos de países não integrantes do Mercosul. Frise-se, por oportuno, que os árbitros integrantes dessas listas deverão ser juristas de reconhecida competência nas matérias que possam ser objeto de controvérsia.
No que concerne à composição do Tribunal Arbitral Ad Hoc, apreende-se da análise do Protocolo que ele é formado por 03 (três) árbitros. Cada Estado parte na controvérsia designará 01 (um) árbitro titular da primeira lista, no prazo de 15 (quinze) dias, contado a partir da data em que a Secretaria Administrativa do Mercosul tenha comunicado aos Estados partes na controvérsia a decisão de um deles de recorrer à arbitragem. Simultaneamente, deverá designar, da mesma lista, 01 (um) árbitro suplente para substituir o árbitro titular em caso de incapacidade ou escusa deste em qualquer etapa do procedimento arbitral.
A designação do Presidente do Tribunal Arbitral Ad Hoc dar-se-á mediante a escolha, de comum acordo entre os Estados partes no litígio, entre um dos árbitros integrantes da segunda lista mencionada, em um prazo de 15 (quinze) dias, contado a partir da data em que a Secretaria Administrativa do Mercosul tenha comunicado aos Estados partes na controvérsia a decisão de um deles de recorrer à arbitragem. Simultaneamente, também designarão da mesma lista, um árbitro suplente para substituir o árbitro titular em caso de incapacidade ou escusa deste em qualquer etapa do procedimento arbitral. O Presidente e seu suplente não poderão ser nacionais dos Estados partes na controvérsia.
Caso não haja acordo entre os Estados partes na controvérsia na escolha deste terceiro árbitro dentro do prazo indicado, a Secretaria Administrativa do Mercosul, a pedido de qualquer um deles, procederá a sua designação por sorteio da mesma lista, excluindo do mesmo os nacionais dos Estados partes na controvérsia.
Uma vez composto o Tribunal Arbitral, os Estados partes informar-lhe-ão sobre as instâncias percorridas anteriormente ao procedimento arbitral e farão uma exposição sucinta dos fundamentos de fato ou de direito de suas respectivas posições, de forma que o objeto das controvérsias ficará determinado pelos textos de apresentação e de resposta apresentados ante o Tribunal Arbitral Ad Hoc, não podendo ser ampliado posteriormente. As partes poderão, ainda, designar representantes (advogados) e assessores para atuarem ante o Tribunal Arbitral na defesa de seus direitos.
O prazo para o Tribunal Arbitral se pronunciar é de 60 (sessenta) dias, contados a partir da designação de seu Presidente, prorrogáveis por um prazo máximo de 30 (trinta) dias, contado a partir da comunicação efetuada pela Secretaria Administrativa do Mercosul às partes e aos demais árbitros, informando a aceitação pelo árbitro Presidente de sua designação.
Sob a égide do Protocolo de Brasília, os laudos do Tribunal Arbitral tinham força de coisa julgada e eram irrecorríveis, dispondo as partes apenas de um instrumento semelhante aos embargos de declaração, podendo, dentro de 15 (quinze) dias da notificação do laudo, solicitar esclarecimento acerca do teor deste ou da interpretação sobre a forma com que deverá cumpri-lo. No entanto, o Protocolo de Olivos, datado de 2002, criou a possibilidade de um recurso de revisão, sendo esta a principal mudança inaugurada por esse diploma.
Atualmente, qualquer das partes na controvérsia poderá apresentar um recurso de revisão do laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc ao Tribunal Permanente de Revisão, no prazo de 15 (quinze) dias da notificação do mesmo. Esse recurso, contudo, ficará limitado a questões de direito tratadas na controvérsia e às interpretações jurídicas desenvolvidas no laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc, de sorte que, caso este seja emitido com base na equidade, eles não serão suscetíveis de recurso de revisão.
O Tribunal Permanente de Revisão é composto por 05 (cinco) árbitros. Cada Estado Parte do Mercosul designará 01 (um) árbitro e seu suplente por um período de 02 (dois) anos, renovável por no máximo dois períodos consecutivos. O quinto árbitro, que será designado por um período de três (3) anos não renovável, salvo acordo em contrário dos Estados Partes, é escolhido, por unanimidade dos Estados Partes, de uma lista composta de 08 (oito) árbitros, para a qual cada Estado Parte contribuirá com a indicação de 02 (dois) integrantes, necessariamente nacionais dos países do Mercosul. Não havendo unanimidade, a designação se fará por sorteio que realizará a Secretaria Administrativa do Mercosul, dentre os integrantes dessa lista, dentro dos 02 (dois) dias seguintes ao vencimento do referido prazo.
O Tribunal atuará integrado com a composição de 03 (três) árbitros quando a controvérsia envolver dois Estados Partes, sendo 02 (dois) nacionais de cada Estado parte na controvérsia e o terceiro, que exercerá a Presidência, designado, mediante sorteio a ser realizado pelo Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul, entre os árbitros restantes que não sejam nacionais dos Estados partes na controvérsia. Quando a controvérsia envolver mais de dois Estados Partes, o Tribunal Permanente de Revisão estará integrado pelos 05 (cinco) árbitros.
Os laudos do Tribunal Permanente de Revisão, assim como os do Tribunal Arbitral Ad Hoc, serão adotados por maioria, fundamentados e assinados pelo Presidente e pelos demais árbitros, de forma que os árbitros não poderão fundamentar votos em dissidência. As deliberações também serão confidenciais e assim permanecerão em todo o momento, devendo os árbitros manter a confidencialidade da votação.
Os laudos dos Tribunais Arbitrais Ad Hoc são obrigatórios para os Estados partes na controvérsia a partir de sua notificação e terão, em relação a eles, força de coisa julgada se, transcorrido o prazo para interpor recurso de revisão e este não tenha sido interposto. O Tribunal Permanente de Revisão poderá confirmar, modificar ou revogar a fundamentação jurídica e as decisões do Tribunal Arbitral Ad Hoc. O laudo do Tribunal Permanente de Revisão será definitivo e prevalecerá sobre o laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc. Os laudos do Tribunal Permanente de Revisão são inapeláveis, obrigatórios para os Estados partes na controvérsia a partir de sua notificação e terão, com relação a eles, força de coisa julgada.
Por sua vez, o procedimento por iniciativa de particulares é disciplinado pelos artigos 39 a 44 do Protocolo de Olivos. Dele podem lançar mão qualquer pessoa física ou jurídica, em razão da sanção ou aplicação, por qualquer dos Estados Partes, de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul.
As suas reclamações deverão ser encaminhadas à Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte onde o particular tenha sua residência habitual ou a sede de seus negócios, devendo fornecer os elementos necessários à aferição, por parte da referida Seção Nacional, da veracidade da violação e da existência ou ameaça do prejuízo alegado. Assim, constata-se que, nesse procedimento, a legitimidade ativa para a formulação de reclamação é das pessoas de direito privado. O destinatário da reclamação, por sua vez, é a respectiva Seção Nacional do Grupo Marcado Comum.
A respeito da necessidade de demonstração da veracidade da violação, Luiz Olavo Baptista pontifica que “o objeto, entretanto, é mais amplo, pois não se limita à implementação ou violação das normas do Mercosul, no âmbito administrativo, mas também no das medidas tomadas no campo legislativo (chamadas ‘legais’ pelo Protocolo) para introdução de tais normas no direito interno de cada país”.[10] No entanto, entende o doutrinador que, embora o Protocolo faça referência a “sanção ou aplicação de medidas legais ou administrativas”, não pode ser objeto de reclamação decisões judiciais.
Segundo o Tratado de Assunção, o Grupo Mercado Comum deverá ser formado por 08 (oito) componentes, sendo 04 (quatro) membros titulares e 04 (quatro) alternos, que representarão três órgãos da administração do respectivo país: Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Economia ou seus equivalentes (áreas de indústria, comércio exterior e ou coordenação econômica), e Banco Central. Segundo Luiz Olavo Baptista, “tratam-se de mandatários da administração,e substituíveis ad nutum, podendo ademais mudar a cada reunião do GMC. Não se vislumbra no Tratado qualquer aceno à institucionalização ou constituição de uma seção nacional”.[11]
Recebida a reclamação, a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum a qual ela foi dirigida poderá, em consulta com o particular afetado, realizar contatos diretos com a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum do Estado Parte a que se atribui a violação, a fim de buscar, mediante consultas, uma solução imediata à questão levantada; ou encaminhar, de plano, a reclamação ao Grupo Mercado Comum. Se, porém, a Seção Nacional do Grupo Mercado Comum optar por entrar em contato com a Seção do país demandado e a questão não foi resolvida no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da comunicação da reclamação, ela poderá, por solicitação do particular afetado, elevá-la, sem mais exame, ao Grupo Mercado Comum.
Frise-se, porém, que nada disso se aplica às reclamações relativas a questões que tenham motivado o início de um procedimento de Solução de Controvérsias por iniciativa dos Estados, hipótese na qual deverá seguir o trâmite anteriormente delineado.
Uma vez encaminhada a reclamação ao Grupo Mercado Comum, ele avaliará, na primeira reunião subseqüente ao seu recebimento, os fundamentos sobre os quais se baseou sua admissão pela Seção Nacional. Caso conclua que não estão reunidos os requisitos necessários para dar-lhe curso, recusará a reclamação sem mais exame. Por sua vez, caso não rejeite a reclamação, ele procederá, de imediato, à convocação de um grupo de especialistas, que deverá emitir um parecer sobre sua procedência no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias, a partir da sua designação. Durante esse prazo, será oportunizado ao particular reclamante e ao Estado reclamado a possibilidade de serem escutados e apresentarem seus argumentos.
Esse grupo de especialistas será composto de 03 (três) membros designados pelo Grupo Mercado Comum, ou, em não havendo acordo quanto à escolha de um ou mais especialistas, estes serão escolhidos dentre os integrantes de uma lista de 24 (vinte e quatro) especialistas, por votação dos Estados Partes. Realizada a eleição, incumbe à Secretaria Administra a comunicação ao Grupo Mercado Comum do(s) nome(s) do(s) especialista(s) escolhido(s).
No caso de haver a necessidade de eleição, pelo menos um dos especialistas escolhidos não poderá ser nacional do país demandado nem do país do demandante, salvo se o Grupo Mercado Comum decidir de maneira diversa. Frise-se, por oportuno, que a referida lista de 24 (vinte e quatro) especialistas será formada por especialistas designados pelos Estados Partes, os quais escolherão, cada um, 06 (seis) representantes de reconhecida competência nas questões que possam ser objeto de controvérsia. Essa lista fica registrada na Secretaria Administrativa.
Elaborado o parecer pelo grupo de especialistas, ele o encaminhará ao Grupo Mercado Comum. No que concerne às despesas oriundas da atuação do grupo de especialistas, as partes diretamente envolvidas custeá-las-ão na proporção que determinar o Grupo Mercado Comum ou, na falta de acordo, em montantes iguais.
Se, no parecer, os especialistas concluírem pela procedência da reclamação formulada contra um Estado Parte, qualquer outro Estado Parte terá legitimidade para requerer-lhe a adoção das medidas corretivas ou a anulação das medidas questionadas. Se este requerimento não for atendido num prazo de 15 (quinze) dias, o Estado Parte que o efetuou poderá recorrer diretamente ao procedimento arbitral, que já foi alhures explicado.
Um último aspecto que merece reflexão é o de saber se o recurso ao mecanismo de solução de disputas do Mercosul é discricionário ou atividade vinculada da administração. Luiz Olavo Baptista sustenta que é atividade vinculada. Segundo o doutrinador, o juízo de conveniência foi afastado pela exigência, por parte do Protocolo de Brasília, dos elementos que permitam à Seção Nacional a aferição da veracidade da violação e da existência ou ameaça de um prejuízo, pois, em assim o sendo, “a recusa ao acolhimento da reclamação pois, só poderá decorrer da inveridicidade ou inadequação das provas”.[12]
Esse constitui, em linhas gerais, o mecanismo de solução de controvérsias atualmente aplicado pelo Mercosul. Encetar-se-á, a partir de agora, uma análise das perspectivas do que poderá vir a acontecer com a função judicial do Mercosul nos próximos anos.
3 PERPECTIVAS PARA A SOLUÇÃO DE DIVERGÊNCIAS NO ÂMBITO DO MERCOSUL
Segundo Luiz Olavo Baptista, a opção por uma das espécies de mecanismo para a solução de divergências em organizações de natureza integrativa implica numa prévia escolha em dois aspectos: o alcance e a função do sistema ser adotado. Para o doutrinador, tais aspectos “dependem, evidentemente, do grau de integração desejado”.[13]
Conforme pôde ser observado no tópico anterior deste estudo, o mecanismo de solução de controvérsias atualmente aplicado pelo Mercosul inicia-se com a tentativa de resolução por negociações diretas entre os países envolvidos e, se por meio delas não se alcançar um acordo ou se a controvérsia for solucionada apenas parcialmente, a questão poderá ser submetida à consideração do Grupo Mercado Comum ou de um Tribunal Arbitral Ad Hoc. Existe, ainda, a possibilidade de interposição de recurso de revisão ao Tribunal Permanente de Revisão, hipótese na qual a apreciação limitar-se-á a questões de direito tratadas na controvérsia e às interpretações jurídicas desenvolvidas no laudo do Tribunal Arbitral Ad Hoc.
Destarte, conclui-se que o sistema adotado pelo Mercosul é predominantemente diplomático, uma vez que se utiliza das negociações diretas e da arbitragem. Esta, conforme foi dito alhures, agrega características das categorias de mecanismo de solução de controvérsia jurisdicional e não jurisdicional, pois, embora seja revestido de poderes jurisdicionais, o árbitro é escolhido pelas partes, as quais determinam, ainda, as regras procedimentais e as utilizadas na solução do litígio.
Surge, então, o questionamento a respeito da viabilidade de instituir, no âmbito do Mercosul, um tribunal permanente, de caráter puramente jurisdicional, aos moldes do existente na Europa. Essa questão, inclusive, já vem sendo refletida e discutida a algum tempo. Em 1996, Sálvio de Figueiredo Teixeira, então Ministro do Superior Tribunal de Justiça, em saudação aos participantes do I Congresso Internacional de Direito Comunitário, realizado em Ouro Preto, anunciou (grifos nossos):
Estarão em pauta temas da maior atualidade, como a experiência européia, a disciplina da concorrência e das relações de consumo, a unificação de tarifas, tributos e harmonização das assimetrias, os conflitos internacionais e os instrumentos de composição de litígios. Mas estará igualmente em debate a opção entre dois modelos: o de evolução lenta e gradual pela arbitragem e pelos tribunais ad hoc, com prévio esgotamento das tentativas de negociação direta e diplomática, e o da institucionalização de um tribunal permanente, na linha do figurino europeu, para maior estabilidade do sistema e garantia das controvérsias entre particulares ou entre particulares e Estados. E não faltarão, certamente, manifestações até mesmo sobre localização, estrutura e funcionamento desse tribunal.[14]
Da análise do mecanismo atualmente em vigor, constatamos que vem prevalecendo a primeira opção apontada pelo Ministro. Os adeptos desse posicionamento sustentam que a instituição de um tribunal jurisdicional apenas criaria entraves burocráticos para problemas cuja solução pode ser alcançada pela via diplomática ou política.
Contudo, doutrinadores de renome, a exemplo de Paulo Borba Casella, aduzem que a criação de um tribunal jurisdicional permanente é um requisito imprescindível à consolidação do processo de integração entre os países do Mercosul:
Sem prejuízo do papel que possa ter sistema estritamente intergovernamental de solução de controvérsias, tal como foi adotado pelos países do MERCOSUL, no Protocolo de Brasília para a solução de controvérsias, de 17 de dezembro de 1991, emendado pelo Protocolo de Ouro Preto, de 17 de dezembro de 1994, com vigência transitória, como adequadamente já estipulava o texto do Protocolo de Brasília, a continuidade e a consolidação da empreitada de integração exigirão estabilidade institucional e continuidade de atuação que sistema composto de processamento diplomático e administrativo de controvérsias conjugado com painéis de arbitragem ad hoc remotamente poderia oferecer.
Nesse sentido tornam-se patentes as deficiências ínsitas a tal mecanismo, referindo a necessidade de instituição formalmente constituída e operando como tribunal supranacional, para que o processo de integração possa ser consolidado, através do desenvolvimento de instituições e ordenamento jurídico próprios.[15]
Os adeptos dessa segunda vertente argumentam que, com a criação de um tribunal jurisdicional permanente, cuja atuação dar-se-ia após as tentativas de solução diplomáticas, criar-se-ia um acúmulo de julgados, formando-se, desta forma, um direito pretoriano que facilitaria o desenvolvimento do bloco.
Resta saber, porém, se estamos preparados para a instituição de um mecanismo como esse, pois a criação de um tribunal supranacional pressupõe a superação de alguns obstáculos, que, em artigo redigido em 1999, José de Castro Meira, hoje Ministro do STJ, sustentou ainda não restarem superados. Segundo ele, àquela época ainda seria indispensável uma compatibilização entre as legislações dos países membros e uma reforma constitucional, uma vez que, por exemplo, a Constituição do Brasil não previa a possibilidade de submissão do país a órgãos supranacionais. Vejamos o que argumentou o Ministro há época:
No Brasil, a Constituição prevê que o país ‘buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações’ (art. 4º, par. único), mas não admite a existência de nenhum órgão com poderes superiores ao do Estado. Ao contrário, ao acolher o princípio da inafastabilidade do controle do Poder Judiciário de ‘lesão ou ameaça a direito’ (art. 5º, XXXV), sem ressalva, trona impossível a admissão de uma ordem jurídica comunitária.
Enquanto as constituições argentina e paraguaia recepcionaram as normas internacionais, conferindo-lhes primazia sobre o direito interno, o mesmo não se deu em relação às constituições brasileira e uruguaia, que não permitem a imediata incorporação das normas traçadas nos tratados e acordos assinados. Evidentemente, tal situação gera certo desconforto, tendo em vista que os ajustes internacionais são regidos pelo princípio da reciprocidade.[16]
De fato, o regime constitucional brasileira continua inadmitindo, em regra, a nossa submissão à jurisdição de órgãos supranacionais e a imediata incorporação das normas estabelecidas nos tratados e acordos internacionais assinados, os quais ainda dependem da chancela do Poder Legislativo para serem efetivamente incorporados ao ordenamento jurídico nacional.
Todavia, uma recente reforma constitucional, inaugurada pela Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004, abriu a possibilidade de o Brasil submeter-se à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão, o que, embora não autorize, por si só, a submissão do Brasil a um tribunal jurisdicional de solução controvérsias eventualmente criado no seio do Mercosul, posto que refere-se apenas à jurisdição criminal; ressalta a viabilidade de uma futura reforma constitucional que amplie essa possibilidade às questões cíveis também.
Por fim, ressalte-se que existe, ainda, uma vertente mais eclética que, embora defenda a criação desse tribunal jurisdicional permanente, entende que os conflitos deveriam ser resolvidos nos próprios tribunais nacionais, os quais passariam a ter, à sua disposição, o tribunal supranacional como uma espécie de órgão consultivo no caso de dúvidas. Nesse sentido, já se posicionou a Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Eliana Calmon Alves: “Há uma tendência, marcada pela experiência, para substituir-se o juízo arbitral por um Tribunal Internacional que atenda aos conflitos do MERCOSUL, a exemplo da Corte de Luxemburgo, que funcionará como órgão consultivo dos juízes locais”.[17]
Diante do exposto, concluímos que existem duas opções a serem trilhadas pelo Mercosul no seu processo integrativo e no desenvolvimento de sua função de solução de controvérsias: o aperfeiçoamento do sistema diplomático, baseado fundamentalmente na solução pela arbitragem; ou a instituição de um tribunal eminentemente jurisdicional. Parece-nos que, por enquanto, estamos trilhando o primeiro caminho. Entrementes, não obstante isso, não podemos afastar completamente a possibilidade de uma futura instituição de um tribunal jurisdicional no Mercosul, o que demandaria, porém, uma prévia reforma constitucional nos países integrantes do bloco, sobretudo no Brasil.
CONCLUSÃO
Identificou-se, por meio deste trabalho, a existência de duas categorias de mecanismos de solução de controvérsias em organizações de natureza integrativa: os mecanismos diplomáticos – também denominados métodos não jurisdicionais – e os jurisdicionais. Os primeiros, caracterizados pela inexistência de um foro especializado e independente, procuram compatibilizar os interesses dos litigantes, podendo ser realizados mediante a negociação direta ou a intervenção de um terceiro, que irá figurar como mediador. Os últimos, por seu turno, buscam uma solução baseada em uma norma jurídica.
Delineou-se, também, os contornos gerais de alguns métodos de solução não jurisdicional: a negociação, a mediação e a conciliação. Por meio da negociação, as partes envolvidas buscam, diretamente, uma solução para o litígio. Na mediação, uma terceira pessoa alheia ao conflito é nele introduzido, podendo ter a função de mera aproximação das partes, restabelecendo as vias de comunicação rompidas, hipótese na qual ele não irá interferir nas negociações entre os litigantes, mas, apenas, os aproximará; ou, intervindo em maior grau, de sugerir soluções às partes, com base nas informações por estas fornecidas.
Por fim, a conciliação assemelha-se bastante com algumas espécies de mediação, mas dela difere porque o conciliador é dotado de considerável autonomia, podendo formular soluções para o litígio não só com base nos elementos de convencimento oferecidos pelas partes, mas, também, em elementos investigatórios obtidos por sua própria iniciativa. Contudo, que as propostas de solução por ele indicadas não se apresentam não vinculam os países.
De outra banda, apontou-se a existência de duas espécies de mecanismos jurisdicionais de solução de controvérsias: a arbitragem e as Cortes de Justiça. A arbitragem agrega características das categorias de mecanismo de solução de controvérsia jurisdicional e não jurisdicional, pois, embora o árbitro seja dotado de poderes jurisdicionais, as partes podem livremente escolhê-lo; e, no que pese a possibilidade de a solução ser baseada em fontes jurídicas, as partes podem optar pela solução por equidade. As Cortes de Justiça, por sua vez, constituem órgãos permanentes, puramente jurisdicionais e cuja instituição só é possível em organizações nas quais haja um forte grau de integração entre os países que a compõem.
No que concerne ao mecanismo de solução de controvérsia atualmente aplicado no âmbito do Mercosul, que se fundamenta no Tratado de Assunção e no Protocolo de Olivos, constatou-se que previu-se um sistema predominantemente diplomático e a existência de dois procedimentos: um de iniciativa dos Estados Membros e outro de iniciativa de particulares. O primeiro inicia-se com a tentativa de solução por negociações diretas, que, se não lograrem êxito, podem dar ensejo à intervenção do Grupo Mercado Comum ou a um Procedimento Arbitral Ad Hoc. Existe, ainda, desde a entrada em vigor do Protocolo de Olivos de 2002, a possibilidade de um procedimento de revisão, a ser realizado por um Tribunal Permanente de Revisão, também de caráter arbitral.
Por derradeiro, como perspectivas para o desenvolvimento de sua função de solução de controvérsias no Mercosul identificou-se duas possibilidade: o aperfeiçoamento do atual sistema diplomático, baseado fundamentalmente na solução pela arbitragem; ou a instituição de um tribunal eminentemente jurisdicional. Atualmente, o Mercosul está trilhando o primeiro caminho, mas, não obstante isso, não se pode afastar completamente a possibilidade de uma futura instituição de um tribunal jurisdicional, o que demandaria, porém, uma prévia reforma constitucional nos países integrantes do bloco, sobretudo no Brasil.
REFERÊNCIAS
ALVES, Eliana Calmon. O Poder Judiciário no Novo Milênio e as Questões do Mercosul. BDjur, Brasília, DF, 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/277>. Acesso em: 16 nov. 2009.
BAPTISTA, Luiz Olavo. BASSO, Maristela (org.). MERCOSUL: Seus Efeitos Jurídicos, Econômicos e Políticos nos Estados-Membros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.
CASELLA, Paulo Borba. Mercosul: Exigências e Perspectivas: Integração e Consolidação de Espaço Econômico (1995 – 2001 – 2006). São Paulo: LTr, 1996.
MEIRA, José de Castro. MERCOSUL: Tribunal Supranacional e Integrção Comunitária. BDjur, Brasília, DF, 1999. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/18>. Acesso em: 16 nov. 2009.
ROSA, Luis Fernando Franceschini da. Mercosul e Função Judicial: Realidade e Superação. São Paulo: LTr, 1997.
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Saudação aos participantes do I Congresso Internacional de Direito Comunitário. BDjur, Brasília, DF, 1996. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8844>. Acesso em: 16 nov. 2009.
[1] ROSA, Luis Fernando Franceschini da. Mercosul e Função Judicial: Realidade e Superação. São Paulo: LTr, 1997, p. 47.
[2] ROSA, Luis Fernando Franceschini da. Ibidem, p. 47.
[3] ROSA, Luis Fernando Franceschini da. Ibidem, p. 33.
[4] ROSA, Luis Fernando Franceschini da. Ibidem, p. 38.
[5] ROSA, Luis Fernando Franceschini da. Ibidem, p. 42.
[6] Frise-se que, conforme já foi dito, a negociação, que é um mecanismo de solução de controvérsias não jurisdicional, prescinde da intervenção de um terceiro.
[7] ROSA, Luis Fernando Franceschini da. Ibidem, p. 43.
[8] ROSA, Luis Fernando Franceschini da. Ibidem, p. 44.
[9] BAPTISTA, Luiz Olavo. BASSO, Maristela (org.). MERCOSUL: Seus Efeitos Jurídicos, Econômicos e Políticos nos Estados-Membros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995, p. 101.
[10] BAPTISTA, Luiz Olavo. BASSO, Maristela (org.). Ibidem, p. 103.
[11] BAPTISTA, Luiz Olavo. BASSO, Maristela (org.). Ibidem, p. 103.
[12] BAPTISTA, Luiz Olavo. BASSO, Maristela (org.). Ibidem, p. 104.
[13] BAPTISTA, Luiz Olavo. BASSO, Maristela (org.). Ibidem, p. 93.
[14] TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Saudação aos participantes do I Congresso Internacional de Direito Comunitário. BDjur, Brasília, DF, 1996. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8844>. Acesso em: 16 nov. 2009.
[15] CASELLA, Paulo Borba. Mercosul: Exigências e Perspectivas: Integração e Consolidação de Espaço Econômico (1995 – 2001 – 2006). São Paulo: LTr, 1996, p. 165.
[16] MEIRA, José de Castro. MERCOSUL: Tribunal Supranacional e Integrção Comunitária. BDjur, Brasília, DF, 1999. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/18>. Acesso em: 16 nov. 2009.
[17] ALVES, Eliana Calmon. O Poder Judiciário no Novo Milênio e as Questões do Mercosul. BDjur, Brasília, DF, 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/277>. Acesso em: 16 nov. 2009.
Formado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, foi contemplado com a abreviação da duração do curso de graduação, por ter sido considerado aluno com extraordinário aproveitamento nos estudos (artigo 47, § 2º, da Lei 9.394/96), e com o título de "Láurea Acadêmica Destaque da Graduação", em reconhecimento ao seu excelente desempenho acadêmico (Coeficiente de Rendimento Escolar: 9,43). Especialista em Prática Judicante pela Universidade Estadual da Paraíba, em convênio com o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba - Escola Superior da Magistratura "Desembargador Almir Carneiro da Fonseca". Foi Assistente Jurídico, cargo privativo de bacharel em direito do quadro de pessoal do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, junto ao Gabinete da Exma. Desa. Maria de Fátima Moraes Bezerra Cavalcanti, no período de 18/06/2010 a 20/01/2011. É, desde 02/02/2011, Assessor da Segunda Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Luiz Gonzaga Pereira de Melo. Um Tribunal para o Mercosul: necessidade e oportunidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37007/um-tribunal-para-o-mercosul-necessidade-e-oportunidade. Acesso em: 22 nov 2024.
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