No afã de uma solução definitiva para o “problema” da criminalidade, a privatização do cárcere tem sido aclamada como marco de desenvolvimento prisional. E, por conseguinte, de desenvolvimento social, visto que a questão penitenciária é um dos problemas que mais inquieta o poder público. Infelizmente a inquietação não tem sido a da impossibilidade de qualquer desenvolvimento social com um desenvolvimento (entendido como ampliação) penitenciário, esta tem sido unicamente a de que a sujeira que é colocada para debaixo do tapete, comece a feder. O sistema prisional tem cheirado mal! E as mazelas sociais que ele agrava, ou dele decorrem, cada vez mais ficam evidentes. [i]
O pior é que estas evidências, em qualquer latitude ou longitude são demasiadamente mascaradas, com um reformismo que soa patético. As soluções são nada mais que: mais do mesmo, mais do pior. Numa circularidade hermenêutica em que ao controle só resta produzir mais controle. Dito mais claramente: o sistema prisional privado é um modo de o privado controlar o público e do publico achar que controla o privado. Em Minas Gerais, já passada a primeira década do século XXI, o controle total via cárcere ultrapassou o limite da imoralidade.
Cabe lembrar como se chega a esse limite da imoralidade, para tanto Loïc Wacquant entende que a privatização do cárcere é utilizada
quanto mais intensamente a política econômica e social implantada pelo governo do país considerado inspire-se em teorias neoliberais que levam a ‘mercantilização’ das relações sociais, e quanto menos protetor desde o início seja o Estado-providência em questão”.[ii]
Neste sentido o governo de Minas Gerais ao introduzir o modelo de parceria público-privada no sistema prisional mineiro traduz bem o que o mesmo autor chama de transformação do “Estado Social” em “Estado Penal”, outro atributo do conservadorismo político da direita.
O que se observa é que a parceria público-privada no sistema prisional mineiro é uma nova ideia velha de o Estado estatizar o prejuízo e privatizar o lucro, inspirado no modelo neoliberal de privatizações disseminado por Thatcher na Inglaterra e Reagan nos EUA. A lógica é simples e sutil: quando uma empresa privada investe, deve ter garantias de que terá o retorno do investimento. Quando ela constrói uma estrada, isso pode ser garantido por um pedágio. Da mesma forma, quando ela constrói uma cadeia, terá lucro pelo aprisionamento, ou dito de outro modo, pelo objeto desse aprisionamento. Quanto mais passam carros, mais a empresa privada ganha. Assim, quanto mais se prende seres humanos, mais a empresa lucrará!
Essa engrenagem cruel de prender gente é parte de um controle das relações sociais que pode ser feita melhor ainda com a transformação do ser humano em mercadoria, em produto. Isso tudo é controle! Sobre o controle via discurso, são úteis as palavras de Zaffaroni:
En la era de la revolución tecnológica, hasta ahora lo importante para el poder político no es asumir un discurso académicamente coherente, sino emitir discursos a la medida de la comunicación mediática, que tengan efecto tranquilizador (normalizante), aunque en la realidad produzcan efectos paradojales.[iii]
Sem mais palavras, o momento é oportuno para o deslumbramento. É necessária uma reflexão mais transparente da privatização do cárcere e de seus efeitos na sociedade, para que a aparência de progresso e desenvolvimento não obscureça os reais efeitos do cárcere, e ainda mais agora, de um cárcere com a inserção da vontade privada. Também, mais do que a preocupação com os efeitos para a sociedade, devemos sempre perguntar: a quem interessa mercadejar vidas? A quem interessa sorrir do sofrimento dos mais desvalidos?
REFERÊNCIAS
WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En torno de La cuestión penal. Editorial B de F- Montevideo- Buenos Aires, 2005.
Notas:
[i] Esse texto faz parte da produção coletiva “DO LADO DE FORA DO CÁRCERE: REFLEXÕES PRELIMINARES”, do grupo de Pesquisa-Ação Violência, Criminalidade e Direitos Humanos, Belo Horizonte, nov. 2010.
[ii] WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 141.
[iii] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. En torno de La cuestión penal. Editorial B de F- Montevideo- Buenos Aires, 2005, p. 36.
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