Questão muito controversa na seara do Direito Disciplinar versa sobre recurso administrativo das decisões que aplicam as penalidades disciplinares. Um dos pontos controversos nesta matéria recursal consiste na aceitabilidade do recurso administrativo para reforma de penalidade disciplinar aplicada por Ministro de Estado.
Vale ressaltar que tanto a reconsideração quanto o recurso hierárquico não estão inseridos nos capítulos da lei 8.112/90 (IV e V) que tratam do regime disciplinar. Com efeito, de estarem dispostos no título “Do direito de Petição”, em obediência ao princípio do duplo grau de jurisdição administrativa, a doutrina e a jurisprudência vêm aceitando a tese da aplicabilidade destes recursos na seara disciplinar.
Entendemos que o sistema recursal disposto na Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990, compreende o pedido de reconsideração e o recurso hierárquico, senão vejamos:
Art. 106. Cabe pedido de reconsideração à autoridade que houver expedido o ato ou proferido a primeira decisão, não podendo ser renovado. (Vide Lei nº 12.300, de 2010)
Parágrafo único. O requerimento e o pedido de reconsideração de que tratam os artigos anteriores deverão ser despachados no prazo de 5 (cinco) dias e decididos dentro de 30 (trinta) dias.
Art. 107. Caberá recurso: (Vide Lei nº 12.300, de 2010)
I - do indeferimento do pedido de reconsideração;
II - das decisões sobre os recursos sucessivamente interpostos.
§ 1o O recurso será dirigido à autoridade imediatamente superior à que tiver expedido o ato ou proferido a decisão, e, sucessivamente, em escala ascendente, às demais autoridades.
§ 2o O recurso será encaminhado por intermédio da autoridade a que estiver imediatamente subordinado o requerente.
Art. 108. O prazo para interposição de pedido de reconsideração ou de recurso é de 30 (trinta) dias, a contar da publicação ou da ciência, pelo interessado, da decisão recorrida. (Vide Lei nº 12.300, de 2010)
Art. 109. O recurso poderá ser recebido com efeito suspensivo, a juízo da autoridade competente.
Parágrafo único. Em caso de provimento do pedido de reconsideração ou do recurso, os efeitos da decisão retroagirão à data do ato impugnado.
Na doutrina, o professor José Armando da Costa assim define o recurso disciplinar e o pedido de reconsideração, respectivamente:
“é a franquia legal que confere ao servidor a chance de provocar, na via administrativa, o reexame do ato punitivo constituído contra ele”[1].
“é o reexame procedido pela mesma autoridade que editou o ato disciplinar originariamente”[2].
Pela leitura dos artigos e da doutrina, acima citados, extraímos que: o pedido de reconsideração deve ser endereçado para a mesma autoridade que proferiu a decisão que se pretende reformar, podendo se invocado uma única vez; e, que o pedido de reconsideração não pode ser usado para reavaliação das mesmas provas e dos mesmos fatos já apresentados e julgados.
Portanto, o pedido de reconsideração possui pressupostos de admissibilidade necessários para seu conhecimento. Vejamos a opinião do já citado professor José Armando da Costa:
“como precondição do seu cabimento que o servidor interessado apresente novos argumentos elisivos da punição imposta”
(...)
“defeso ao funcionário usar desse meio para suscitar nova apreciação das razões de defesa já examinadas oportunamente na fase própria do processo que embasou a punição objeto do pedido de reconsideração”[3].
Com relação ao recurso hierárquico devemos esclarecer que o mesmo deve ser endereçado à autoridade que esteja hierarquicamente acima da que lavrou a decisão que se deseja reformar e, não possui os mesmos requisitos de admissibilidade do pedido de reconsideração.
Nessa linha, o extinto Departamento de Administração do Serviço Público – DASP já fazia a diferenciação entre os pressupostos do recurso hierárquico e da reconsideração:
Formulação nº 324:
Só se exigem argumentos novos para o pedido de reconsideração e não para o recurso.
Voltamos, então, ao cerne da questão: Se o instituto recursal da Lei 8.112/90 consta do Capítulo VIII (Direito de Petição) e não consta nos capítulos do regime disciplinar (IV e V), este realmente se aplica aos atos administrativos sancionadores?
Bem, a resposta está contida na própria pergunta. Explico. O ato administrativo sancionador antes de ser sancionador é ato administrativo. Se o ato administrativo pode ser atacado por recurso, porque o ato administrativo punitivo não poderia? Seria totalmente ilógico e atentaria contra a própria Constituição Federal.
Apesar da diferenciação de pressupostos de admissibilidade, a jurisprudência aplica, inclusive, o princípio da fungibilidade recursal no sentido de conhecer o pedido de reconsideração como recurso hierárquico e vice versa.
Apoiando essa linha de raciocínio vejamos a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça acerca da aceitabilidade do duplo grau de jurisdição administrativa e do princípio da fungibilidade recursal:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. OFICIAIS DE JUSTIÇA PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. REGIMENTO INTERNO REVOGADO. APLICAÇÃO AOS RECURSOS INTERPOSTOS NA SUA VIGÊNCIA. TEMPUS REGIT ACTUM. RECURSO ADMINISTRATIVO. DIREITO DO ADMINISTRADO. RECLAMAÇÃO NÃO CONHECIDA. ILEGALIDADE. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. OFENSA. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. APLICAÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I – A lei processual tem aplicação imediata, ficando entretanto resguardados os atos praticados conforme a legislação revogada. Desta forma, deve ser observado o antigo Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Resolução 314), em vigor à data da interposição da reclamação.
II – O duplo grau de jurisdição administrativa ou pluralidade de instâncias, corolário da ampla defesa e contraditório, é direito do administrado.
III - Omissis.
IV – O princípio da fungibilidade recursal, tem aplicação ao presente caso, ante a existência de dúvida objetiva acerca de qual recurso interpor e a tempestividade da interposição.
V – Na ausência de expressa previsão legal, não existe direito líquido e certo a que seja conferido efeito suspensivo a recurso administrativo.
VI – Recurso ordinário parcialmente provido.
(RMS 19.452/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 20.06.2006, DJ 01.08.2006 p. 463).
MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MINISTRO DE ESTADO. APLICAÇÃO DE PENALIDADE. INTERPOSIÇÃO, NA VIA ADMINISTRATIVA, DE RECURSO ADMINISTRATIVO HIERÁRQUICO AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. RECEBIMENTO COMO REVISÃO. ILEGALIDADE. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA DO IMPETRANTE. SEGURANÇA CONCEDIDA.
1. O direito de ampla defesa e do contraditório ao impetrante restou cerceado, porquanto seu recurso hierárquico, com pedido de reconsideração, não foi submetido ao agente superior e foi recebido como revisão.
2. O recurso administrativo hierárquico, independentemente da denominação conferida pelo administrado, deve ser submetido à autoridade hierarquicamente superior, caso o agente ou órgão prolator da decisão ou ato impugnado não o reconsidere. Na espécie, o fundamento de que o processo administrativo disciplinar se rege pela Lei n. 8.112/90 e apenas subsidiariamente pela Lei n. 9.784/99 não exclui a possibilidade e o direito do interessado de ter seu recurso examinado pelo agente superior, já que o recurso administrativo hierárquico independe de previsão legal. Assim, é irrelevante o fato de o recurso hierárquico não estar previsto na legislação especial, qual seja, a Lei n. 8.112/90. De qualquer forma, o referido diploma legal contempla a possibilidade de recorrer à autoridade hierarquicamente superior, no capítulo destinado ao direito de petição, assegurado aos servidores públicos, em processo administrativo disciplinar (arts. 104/115), denominando-se simplesmente de recurso.
3. Imperioso asseverar, ainda, que a previsão, na Lei n. 8.112/90, do pedido de revisão não possui o condão de excluir, em razão de alegada especialidade, o recurso administrativo hierárquico, já que os dois recursos não se confundem. Com efeito, o pedido de revisão possui requisitos mais específicos que o hierárquico e é analisado pela autoridade que praticou o ato impugnado. Sobreleva notar que o recebimento de um recurso no lugar do outro não pode ser realizado com vista a prejudicar a situação do administrado, nem cercear seu direito de defesa.
4. Segurança concedida, diante do cerceamento do direito de defesa do impetrante, para determinar à autoridade impetrada que encaminhe os recursos administrativos hierárquicos do impetrante ao Presidente da República, para que este os examine como entender de direito.
(MS 10.254/DF, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22.03.2006, DJ 03.04.2006 p. 215).
Assim, não se pode olvidar que o legislador teve a intenção de garantir a via recursal administrativa das decisões da Administração Pública, nelas incluindo, obviamente, as decisões sancionadoras.
Diante do exposto, concluímos que, nos dias de hoje, não pairam mais dúvidas sobre a admissibilidade do duplo grau de jurisdição administrativo nem sobre a fungibilidade entre o recurso hierárquico e o pedido de reconsideração.
BIBLIOGRAFIA:
COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 5ª edição, Brasília Jurídica, 2005.
MADEIRA, Vinicius de Carvalho. Lições de Processo Disciplinar, Brasília, Editora Fortium, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 22ª edição, São Paulo, Malheiros, 1997.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, 2ª tiragem, São Paulo, Malheiros, 1999.
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000.
PEREIRA, Caio Mário da Silva; Instituições de direito civil, v.1, 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997.
REALE JÚNIOR, Miguel Instituições de Direito Penal, vol.1, ed. Forense, 2004.
[1] COSTA. José Armando da “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”. 5ª. Ed. Brasília Jurídica, 2005, p.448.
[2] Ibidem, p. 448.
[3] Ibidem, p. 462.
Procurador Federal. Coordenador-Geral de Direito Administrativo e Consultor-Geral Jurídico Substituto do Ministério da Previdência Social. Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Estudante do Curso de Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Público pela ESMAPE.Ex-Assessor da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira. Do Sistema Recursal Previsto na Lei 8.112/90 em Matéria Disciplinar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 nov 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37088/do-sistema-recursal-previsto-na-lei-8-112-90-em-materia-disciplinar. Acesso em: 22 nov 2024.
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