A Administração pública tem o dever de rever seus atos sempre que os mesmos estejam eivados de ilegalidade. Esse poder é visto como preceito basilar no direito administrativo. O direito sancionador, estando inserido no direito administrativo, segue os mesmo ditames.
O artigo 114 da Lei n.º 8.112, de 11 de Dezembro de 1990, traduz o acima dito:
Art. 114. A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade.
A Lei 9.784/99 reproduz o artigo acima citado e vai um pouco mais além:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
O Supremo Tribunal Federal já, inclusive, sumulou a questão:
Súmula STF nº 473 - A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos a apreciação judicial.
Assim, no direito disciplinar a revisão administrativa prevista no artigo 174 da Lei 8.112/90 é o cumprimento do preceito administrativo em análise. In verbis:
Art. 174. O processo disciplinar poderá ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do punido ou a inadequação da penalidade aplicada.
§ 1o Em caso de falecimento, ausência ou desaparecimento do servidor, qualquer pessoa da família poderá requerer a revisão do processo.
§ 2o No caso de incapacidade mental do servidor, a revisão será requerida pelo respectivo curador.
Art. 175. No processo revisional, o ônus da prova cabe ao requerente.
Vale lembrar, ainda, que a Lei 9.784/99 também previu a revisão administrativa para o processo administrativo, nos mesmos moldes do processo disciplinar:
Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.
Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.
É bem de ver que a Lei 8.112/90 trouxe, também, os requisitos de admissibilidade da Revisão, como por exemplo, a necessária presença do fato novo para conhecimento da petição. Assim, a presença de elementos novos é imprescindível para o conhecimento da Revisão:
Art. 176. A simples alegação de injustiça da penalidade não constitui fundamento para a revisão, que requer elementos novos, ainda não apreciados no processo originário.
Vejamos o que o antigo Departamento de Administração do Serviço Público – DASP pregou em sua Formulação nº 252:
“não cabe revisão de inquérito se o Requerente não aduz fatos ou circunstâncias novas capazes de comprovar sua inocência”.
É bem de ver que o fato novo dito pela lei não deve ser interpretado necessariamente como fato ocorrido após o julgamento do processo. O fato novo pode ser novo apenas para o processo. Explico. O fato já existia à época da infração, mas não era conhecido ou não havia elemento de prova suficiente para comprová-lo.
Apoiando esta linha de raciocínio temos o Ilustre doutrinador José Armando da Costa:
Ressalte-se, todavia, que, para o efeito do instituto da revisão disciplinar, o atributo “novidade” tem conotação subjetivo-relativa e não cronológica. De modo que fato novo não é, em absoluto, aquele dotado de recenticidade, mas, sim, o que constitui novidade para o servidor apenado.
Cronologicamente, o fato deve ser, pelo menos, contemporâneo à falta atribuída ao servidor e nunca posterior. Caso contrário, não terá a alegativa invocada idoneidade para justificar a inocência do Requerente. O instrumental probatório é que poderá surgir depois, como, por exemplo, o caso em que o verdadeiro autor do ilícito disciplinar resolve confessar a autoria unipessoal, que exclui, ipso facto, a responsabilidade do servidor inocente. O fato é antigo no tempo, mas novo como instrumental de prova disciplinar.
Nessa acepção subjetivo-relativa, todos os fatos que tenham sido alegados no processo originário são, em princípio, velhos, embora a recíproca nem sempre seja verdadeira, vale dizer, nem todos os fatos que não tenham sido enfocados configuram argumentos novos, uma vez que é possível que eles já fossem do conhecimento do então acusado, que, por comodismo, descuido, descrença, ou outra razão qualquer, deixou de argüi-los em sua defesa, na constância do processo disciplinar.
(...)
De resto, saliente-se que os fatos novos aduzidos pelo peticionário devem ser dotados de potencialidade material e jurídica para sufocarem a legitimidade das razões que deram consistência à punição infligida. Se os fatos forem novos e comprováveis, mas não apresentarem essa eficiência elisiva da motivação da reprimenda imposta, não poderão, por conseguinte, servir de base à abertura do processo revisional.[1]
Acerca do entendimento de nossos Tribunais Superiores, podemos citar o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC nº 57.191, que assim se manifestou sobre a questão:
Serão somente aquelas que produzem alteração no panorama probatório dentro do qual fora concebido e acolhido o pedido de arquivamento. A nova prova há de ser substancialmente inovadora e não apenas formalmente nova.
A Douta Advocacia-Geral da União, por intermédio do Parecer vinculante AGU nº GQ-10, já teve a oportunidade de enfrentar a questão de novos elementos probatórios. Assim se posicionou:
20. Por em regra, tinha a extinta Consultoria Geral da República e, atualmente, a Advocacia-Geral da União, como meta não proceder à revisão de decisão presidencial, a não ser que elementos novos, merecedores de ponderação, fossem oferecidos pelo interessado. Também, tenho-me mostrado infenso às revisões quando não hajam sido trazidos à colação novos fatos que a possam ensejar. Na espécie, entretanto, penso, salvo melhor entendimento, que a solicitação deve merecer acolhida, isto porque, os elementos jurídicos apresentados no Parecer CJ nº 074/93/MJ são bastantes para se chegar à conclusão de que, na verdade, toda pretensão exposta perante a Administração Pública
com a finalidade de rever ato contaminado com vício de nulidade acha-se sujeita à prescrição qüinqüenal consignada no Decreto 20.910/32, não podendo ser relevada sob pena de acarretar - como ficou patenteado na E.M. nº 355/MJ - danosas conseqüências ao serviço público.
Cumpre esclarecer, também, que apenas o Ministro de Estado está apto a deferir o pedido de revisão administrativa disciplinar. Assim sendo, em se admitindo novas provas autorizadoras da revisão, o Ministro de Estado constituirá nova comissão processante para instrução e análise dos fatos novos conforme rito estabelecido pela Lei 8.112/90. In verbis:
Art. 177. O requerimento de revisão do processo será dirigido ao Ministro de Estado ou autoridade equivalente, que, se autorizar a revisão, encaminhará o pedido ao dirigente do órgão ou entidade onde se originou o processo disciplinar.
Parágrafo único. Deferida a petição, a autoridade competente providenciará a constituição de comissão, na forma do art. 149.
Art. 178. A revisão correrá em apenso ao processo originário.
Parágrafo único. Na petição inicial, o requerente pedirá dia e hora para a produção de provas e inquirição das testemunhas que arrolar.
Art. 179. A comissão revisora terá 60 (sessenta) dias para a conclusão dos trabalhos.
Art. 180. Aplicam-se aos trabalhos da comissão revisora, no que couber, as normas e procedimentos próprios da comissão do processo disciplinar.
Art. 181. O julgamento caberá à autoridade que aplicou a penalidade, nos termos do art. 141.
Parágrafo único. O prazo para julgamento será de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, no curso do qual a autoridade julgadora poderá determinar diligências.
Art. 182. Julgada procedente a revisão, será declarada sem efeito a penalidade aplicada, restabelecendo-se todos os direitos do servidor, exceto em relação à destituição do cargo em comissão, que será convertida em exoneração.
Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento de penalidade.
Se a nova comissão processante concluir, em seu relatório final, pela procedência das alegações do servidor e, em sendo o mesmo aprovado, é declarada procedente a revisão administrativa.
Logo, como consequência, a penalidade anteriormente aplicada será declarada sem efeito, como se nunca tivesse existido no mundo jurídico.
Com efeito, da revisão só pode resultar dois resultados: ou a penalidade é revista em favor do servidor ou a penalidade é mantida. A revisão do processo nunca poderá agravar a penalidade do servidor.
Sempre tendo em mente que a finalidade do Processo Administrativo Disciplinar não é aplicar penalidade ao servidor. Muito pelo contrário. A finalidade precípua do Processo Administrativo Disciplinar é de apurar os fatos para que se chegue à verdade real dos mesmos. A declaração de condenação ou inocência do servidor é apenas consequência da busca da verdade real.
Diante do exposto, concluímos que o instituto da Revisão disciplinar é muito salutar tanto para o servidor como para a Administração Pública.
Bibliografia:
COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, 5ª edição, Brasília Jurídica, 2005.
MADEIRA, Vinicius de Carvalho. Lições de Processo Disciplinar, Brasília, Editora Fortium, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 22ª edição, São Paulo, Malheiros, 1997.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 12ª edição, 2ª tiragem, São Paulo, Malheiros, 1999.
OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2000.
PEREIRA, Caio Mário da Silva; Instituições de direito civil, v.1, 18. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997.
REALE JÚNIOR, Miguel Instituições de Direito Penal, vol.1, ed. Forense, 2004.
[1] COSTA, José Armando da, “Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar”, 2005, editora Brasília Jurídica, 5ª edição, pág.482.
Procurador Federal. Coordenador-Geral de Direito Administrativo e Consultor-Geral Jurídico Substituto do Ministério da Previdência Social. Presidente de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar. Estudante do Curso de Doutorado em Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Público pela ESMAPE.Ex-Assessor da Casa Civil da Presidência da República. Ex-Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Superintendência Nacional de Previdência Complementar-PREVIC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Virgilio Antonio Ribeiro de Oliveira. Comentários à Revisão Administrativa Disciplinar Prevista no Artigo 174 da Lei n.º 8.112, de 11 de Dezembro de 1990 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37111/comentarios-a-revisao-administrativa-disciplinar-prevista-no-artigo-174-da-lei-n-o-8-112-de-11-de-dezembro-de-1990. Acesso em: 22 nov 2024.
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