Os chamados Recursos Especiais repetitivos e a repercussão geral do Recurso Extraordinário foram criados com o intuito de racionalizar o sistema recursal brasileiro objetivando garantir a efetividade da prestação jurisdicional. Apesar de introduzidos no ordenamento em momentos diferentes, os dois institutos trazem semelhanças que merecem destaque para que não sejam confundidos.
Para melhor compreensão da questão proposta, é importante analisarmos a redação do art. 543-B do Código de Processo Civil, e do art. 543-C introduzido pela da lei n. 11.672, de 08 de maio de 2008, pelo que pedimos vênia para transcrever o texto legal:
Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 1o Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
§ 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. (Incluído pela Lei nº 11.418, de 2006).
(...)
Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008).
§ 1o Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça. (Incluído pela Lei nº 11.672, de 2008). (Grifamos)
(...) (grifamos)
O art. 543-B, introduzido pela Lei 11.418/2006, disciplinou a análise da repercussão geral (requisito de admissibilidade do recurso) da questão constitucional no Recurso Extraordinário - RE, quando há multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, enquanto o art. 543-C estabeleceu uma forma diferente de julgamento de processos repetitivos (idêntica questão de direito), nada alterando as hipóteses de cabimento do Recurso Especial.
O disposto na Lei n. 11.672/2008, que trata dos Recursos Especiais repetitivos, assemelha-se à análise da repercussão geral do Recurso Extraordinário na medida em ambos são decorrentes da política de objetivação do processo. Os processos não são mais tratados de forma subjetiva e individual, ao contrário, os tribunais superiores se limitam atuar naqueles que transcendam aos interesses das suas partes. A decisão proferida em um único recurso alcança dezenas, centenas, talvez milhares de causas semelhantes, sem que essas últimas cheguem, de fato, a ser examinadas pelo Tribunal (STJ ou STF).
Os efeitos da decisão proferida em um ou alguns processos adquire caráter vinculante e ultrapassa os limites subjetivos da demanda (eficácia erga omnes). Decidiu-se para um processo, decidiu-se para todos, objetivando o tratamento dado às partes.
Outra semelhança vislumbrada entre a análise da repercussão geral do Recurso Extraordinário e a Lei n. 11.672/2008 é a possibilidade de manifestação de pessoas ou entidades com interesse na controvérsia. Demais disso, semelhante também são os efeitos da decisão do STJ: quando a decisão do Tribunal de origem coincidir com o julgamento do STJ, os Recursos Especiais terão seu seguimento denegado; serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do STJ e, se mantida a decisão divergente pelo Tribunal de origem, será feito o juízo de admissibilidade do Recurso Especial.
Assim é que a Lei n. 11.672/2008 objetiva “filtrar” o julgamento de demandas repetitivas, tornando mais difícil a subida de vários processos sobre o mesmo tema ao STJ, restando sobrestados os demais até o pronunciamento definitivo do Tribunal Superior. A Lei propõe, portanto, que, se houverem vários recursos que tratem da mesma questão de direito, devem ser selecionados alguns desses recursos que deverão ser julgados em primeiro lugar pelo STJ, para que a respectiva decisão possa ser aplicada aos recursos cujo processamento esteja suspenso por força da aplicação da lei
Necessário destacar mais uma vez que a referida lei não alterou as hipóteses de Recurso Especial, apenas estabeleceu uma forma diferente de processamento para processos com recursos com fundamento em idêntica questão de direito. Nesse sentido, Marcus Vinicius Rios Gonçalves detalhada o procedimento:
“Caso o presidente ou vice-presidente constate a existência de uma multiplicidade de recursos especiais que versem sobre a mesma questão jurídica, selecionará um ou alguns, os mais representativos da controvérsia. Ele fará uma seleção o de um ou alguns recursos especiais, em que a questão jurídica repetida seja abordada de maneira mais detalhada, pelo mais numerosos ângulos, para que o julgamento deste recurso especial possa servir de paradigma, repercutindo sobre o julgamento dos demais.
Apenas os recursos especiais selecionados – um ou mais – serão enviados ao STJ”.
Já o instituto da repercussão geral, que deve ser comprovado nas razões do Recurso Extraordinário, é hipótese qualificada de cabimento do recurso extraordinário, criada pela Emenda Constitucional n. 45/2004. Marcus Vinicius Rios Gonçalves esclarece:
“Cumpre ao recorrente, em preliminar formal e fundamentada de recurso extraordinário, apresentar a repercussão geral, sob pena de o recurso ser indeferido de plano. O relator se manifestará sobre a sua existência, e submeterá, por meio eletrônico, uma cópia aos demais ministros, que se pronunciarão no prazo comum de vinte dias.
(...)
Quando houver vários recursos extraordinários que versem idêntica questão jurídica, a repercussão geral será examinada por amostragem, cabendo ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia para encaminhar ao Supremo Tribunal Federal, ficando os demais sobrestados até o pronunciamento da Corte”
Por fim, parece acertada a medida implementada no art. 543-C do CPC, pois, diminuindo o volume de recursos repetitivos encaminhados àquele Tribunal Superior, tornar-se mais rápido o trâmite de todos os recursos dirigidos ao STJ. Com mais tempo para decidir o que interessa à sociedade, o STJ pode cumprir, em prazo razoável, sua missão institucional de dirimir as dúvidas sobre a interpretação da legislação infraconstitucional.
ARAÚJO, José Henrique Mouta. Novas linhas sobre o julgamento dos recursos especiais por amostragem: a Resolução nº 08 do STJ. Biblioteca Digital Revista Brasileira de Direito Processual - RBDPro, Belo Horizonte, ano 16, n. 64, out./dez. 2008.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Direito Processual Civil, 5ª. Edição. Volume I. Salvador: Podivm, 2005.
DIDIER JÚNIOR, Fredie; CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José. Curso de Direito Processual Civil – Meios de Impugnação às decisões Judicias e Processo nos Tribunais, 7ª. Edição. Volume III. Salvador: Podivm, 2009.
GONÇALVES, Marcus Vinicius. Direito Processual Civil Esquematizado. 3ª. Edição Revista e Ampliada. São Paulo: Saraiva, 2013.
LIMA, Hercilia Maria Fonseca. Principais semelhança entre os recursos especiais repetitivos e o instituto da repercussão geral. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 16 dez. 2008. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.22446>. Acesso em: 17 ago. 2009.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 6ª ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
SILVA, Marcos Luiz. Julgamento de recursos repetitivos no âmbito do STJ. Alterações instituídas pela Lei nº 11.672/2008. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11267.
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