RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar as situações em que cabe a antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública, perpassando incialmente pelos requisitos que fundamentam o instituto, bem como os argumentos daqueles que entendem ser possível a antecipação contra a Fazenda, a par das exceções estabelecidas na lei nº 9494/97, bem como os argumentos daqueles que são contrários à medida antecipatória por entender ser esta contrária ao reexame necessário, bem como ao regime de precatórios, previsto no artigo 100 da Constituição Federal.
Palavras-chave: antecipação de tutela, reexame necessário, lei nº 9494/97, regime de precatórios, Fazenda pública.
I- INTRODUÇÃO
Inicialmente, cabe definir o que é Fazenda Pública, com base nos ensinamentos da doutrina, para quem a Fazenda Pública engloba a Administração Pública Direta (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), bem como a Administração Pública indireta, composta pelas autarquias e fundações públicas dos respectivos entes. Assim, sociedades de economia mista e empresas públicas não compõem o conceito de Fazenda Pública, sendo, na verdade, pessoas jurídicas de direito privado.
O interesse no conceito se dá em razão de diversos aspectos processuais peculiares que são aplicados à Fazenda Pública, como o prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, conforme estabelece o artigo 188 do Código de Processo Civil. Aqui, há de se fazer uma exceção quanto aos Correios, o qual por força de entendimento do Supremo Tribunal Federal tem a aplicação de prazos processuais dilatados.
Além disso, há também outro aspecto peculiar à Fazenda Pública, qual seja, a Execução contra a Fazenda Pública, a qual se aplica o regime de precatórios previsto no artigo 100 da Constituição Federal. Assim, diferentemente do que ocorre com os particulares cujos os bens em regras são penhoráveis, a Administração Pública possui bens que são inalienáveis e imprescritíveis, razão pela qual não podem ser objeto de penhora por parte do credor. Fora em razão disso, que a Constituição criou o regime de precatórios, regime este que estabelece o pagamento dos credores da Fazenda Pública na ordem cronológica de sua apresentação e à conta dos respectivos créditos, desde que previstos nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
Ao lado dessas prerrogativas de natureza processual aplicadas à Fazenda Pública, há ainda a discussão acerca da antecipação de tutela em desfavor da Fazenda, havendo uma lei que dispunha acerca desse tratamento diferenciado, qual seja, a lei nº 9494/97, cujo o artigo 2 º, outrora objeto de Ação Declaratória de Constitucionalidade, fora declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, e tem servido de parâmetro para o deferimento ou não da medida antecipatória contra a Fazenda. O fato é que tem se entendido que a interpretação do referido dispositivo deve ser realizado com temperamentos, de forma restritiva, devendo o magistrado avaliar os casos especiais em que a medida antecipatória contra a Fazenda, é em verdade, verdadeira medida de justiça, pois, do contrário, haveria total desrespeito à essência das medidas de urgência. Afinal, de que serviria o artigo 273 do Código de Processo Civil ter criado requisitos específicos para o deferimento de medida antecipatória, se contra a Fazenda tal artigo não tivesse incidência?
II- BREVE ANÁLISE DO INSTITUTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Inicialmente, cabe dizer que a antecipação de tutela é a possibilidade de antecipar os efeitos da prestação jurisdicional. O intuito dessa medida, inserida em nosso sistema processual no ano de 1994, foi o de tornar o processo mais célere, mais efetivo quanto à eficácia prática. Trata-se, na verdade, de uma das espécies das chamadas tutelas de urgência, a exemplo das cautelares.
Aliás, há aqui que se fazer uma distinção entre as cautelares e a antecipação de tutela. A primeira é uma medida na qual se busca conservar o direito, ao passo que a segunda tem caráter satisfativo. Na cautelar busca-se garantir um direito futuro, ao passo que na antecipação de tutela efetiva-se de imediato os efeitos da prestação jurisdicional, daí por que surge outra diferença entre as duas. Na cautelar, os requisitos são mais singelos sempre havendo o pressuposto de urgência. Por fim, na medida antecipatória pode haver urgência ou não no provimento, possuindo requisitos mais rigorosos.
O fato é que o próprio Código de Processo Civil estabelece a fungibilidade entre as cautelares e a antecipação de tutela, nos termos do § 7º do artigo 273. Dispõe o referido dispositivo que se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir medida cautelar incidental do processo ajuizado.
Tal artigo, conforme se depreende, só autoriza que o juiz defira cautelar pleiteada a título de antecipação de tutela. Porém, não há sentido lógico nenhum em não estender esse entendimento nos casos em que se pleiteie antecipação de tutela, a título de cautelar. Para o Superior Tribunal de Justiça, entendimento estabelecido no Resp 777.293/RS, Rel. Min. Paulo Furtado, Desembargador convocado do TJ/BA, DJe 24.02.2010, a fungibilidade está autorizada tanto no ajuizamento de cautelar a título de antecipatória, como de antecipatória a título de cautelar.
Dito isso, cabe analisar os requisitos para o deferimento da antecipação de tutela, havendo requisitos que são obrigatórios e outros classificados como facultativos. Diz-se isso, em razão da interpretação do artigo 273 do CPC, que traz a prova inequívoca e verossimilhança das alegações no caput , e os outros dois requisitos nos incisos I e II do referido artigo com a conjunção “ou”.
Assim, a prova inequívoca é a prova capaz de conduzir a uma máxima probabilidade do direito que fora alegado pelo autor. A verossimilhança diz respeito ao grau de probabilidade da versão que fora apresentada pelo autor.
Além desses requisitos tidos como obrigatórios, há a necessidade do preenchimento de outros requisitos, tidos como alternativos. Um é o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, o outro, o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
O chamado dano de difícil reparação é aquele que seja grave, que pode causar à parte um prejuízo irreversível ou de difícil reversibilidade. Já o abuso de direito é o ato praticado pelo réu com o intuito de se defender. Por fim, o manifesto propósito protelatório constitui ato fora do contexto processual no qual se busca atrasar o andamento do processo.
Além de todos esses requisitos, há ainda a inexistência de irreversibilidade da medida. Assim, não pode a tutela antecipada produzir um fato que não seja mais possível de ser revertido. Tal reversibilidade incide sobre os fatos e não sobre a tese jurídica. Assim, no bojo da análise realizada pelo magistrado, se ficar constatado que a concessão antecipada da prestação jurisdicional for suscetível de produzir um resultado fático irreversível, deve-se indeferir a tutela pretendida.
Há ainda uma grande discussão acerca de outra espécie de tutela antecipada, quando se tratar de pedido ou pedidos cumulados, os quais se mostrem de forma integral ou parcialmente incontroversos. Tal previsão está disciplinada no § 6 do artigo 273 do CPC, que busca em verdade, a celeridade processual, eis que se o pedido se mostra incontroverso, não há necessidade de que se aguarde até o final para que o referido pedido seja deferido.
Outro ponto importante em relação à tutela antecipada diz respeito à legitimidade para requerê-la. Assim, sabe-se que o autor é em regra quem tem legitimidade para requerer a tutela antecipada. Porém, o réu também possui legitimidade, notadamente nos casos em que atua de forma ativa no bojo do processo, a exemplo da reconvenção e do pedido contraposto.
O Ministério Público também possui legitimidade para requerer a tutela antecipada nos casos em que atua como parte, não havendo sobre esse ponto quaisquer discussões. Porém, no tocante a sua atuação enquanto fiscal da lei, muitos defendem que o MP não possui essa legitimidade, apesar de poder recorrer como fiscal da lei, mesmo que a parte não recorra. Por fim, cabe dizer que a antecipação de tutela pode ser deferida em qualquer momento do processo.
III- ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM DESFAVOR DA FAZENDA PÚBLICA FRENTE À LEI E À JURISPRUDÊNCIA PÁTRIAS
Inicialmente, cabe dizer que o sistema processual brasileiro não toca, pelo menos no tocante ao Código de Processo Civil, quanto à possibilidade ou não de antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública, o que coube à lei nº 9.494/97.
Assim, dispõe a referida lei, em seu artigo 2º-B que a sentença que tenha por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, somente poderá ser executada após seu trânsito em julgado. Ou seja, nesses casos específicos não cabe a antecipação de tutela contra a Fazenda.
Também a lei nº 8.437/92 estabelece que não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.
O fato é que a intepretação das duas legislações nos conduz a conclusão de que o legislador quis ser taxativo, acabando por autorizar que em todas as outra situações diferentes das que previstas nestas duas leis, é possível a antecipação de tutela em desfavor da Fazenda.
Aliás, até mesmo em relação às vedações que a lei estabelece frente ao deferimento de tutela antecipada, há exceções, como é o caso da Súmula n º 729 do STF que dispõe que a decisão na ADC nº 4 não se aplica à tutela antecipada em causa de natureza previdenciária. Cabe assim, fazer uma breve análise do objeto da referida ADC.
A referida ação fora proposta pelo Presidente da República, pela mesa do Senado Federal e mesa da Câmara dos Deputados, em razão de juízes da 1º instância da Justiça Federal bem como o STJ, estarem deferindo tutela antecipada em desfavor da Fazenda por entenderem que o artigo 1º da lei nº 9.494/97 ser inconstitucional.
Fato é que o STF julgou constitucional o referido dispositivo e pôs fim à discussão sobre a constitucionalidade do artigo 1º da lei nº 9.494/97. Ou seja, sendo a lei constitucional, os juízes devem aplicá-la, inclusive quanto ao que dispõe o artigo 2º-B, que trouxe as hipóteses em que não cabem a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública.
Posteriormente à esta decisão, o STJ também começou a emitir parâmetros da aplicação da antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública, a exemplo da possibilidade de concessão de tutela antecipada nos casos de fornecimento de medicamentos, notadamente em razão da prevalência do direito fundamental à saúde sobre o regime de impenhorabilidade dos bens públicos. ( Resp 840.912/RS, Rel Min. Teori Albino Zavaski, DJ 23.04.2007).
Também no AgRg no Resp 945.775/DF, Rel, Min, Felix Fischer, Dje 16.02.2009, o STJ entendeu que não se aplica essas vedações nos casos em que se há pedido de reestabelecimento de parcela ilegalmente suprimida.
Assim, o que se vê é que o STJ criou com essas decisões parâmetros de interpretação que conduz à conclusão de que aplicação da lei nº 9.494/97 deve ser feita com temperamentos.
IV- CRÍTICAS À POSSIBILIDADE DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM DESFAVOR DA FAZENDA PÚBLICA
No bojo dessas intepretações, há também os que entendem não se aplicar a antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública, trazendo alguns argumentos para sustentar esse posicionamento.
Nesse sentido, há que se colacionar o entendimento do Ministro Marco Aurélio que na ADI 1.576-1, o qual entendeu:
... como gritante paradoxo emprestar-se aos preceitos disciplinadores da tutela antecipada alcance a apanhar a Fazenda Pública quer federal, estadual ou municipal, enquanto a sentença, ou seja a entrega da prestação jurisdicional, após a observância do contraditório, do devido processo legal, não surte de imediato, efeitos, ficando, antes, na dependência de confirmação.
O fato é que existem operadores do direito que entendem ser incompatível a antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública com o que dispõe o artigo 475, incisos I e II, do CPC, o qual estabelece o chamado reexame necessário. Assim, toda vez que uma decisão for proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público, bem como julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública, caberá ao juiz remeter o processo ao Tribunal.
O reexame necessário só não se aplica se a decisão estiver embasada em jurisprudência do plenário do Supremo ou em súmula deste tribunal ou de tribunal superior, bem como nos casos em que o valor da condenação não seja excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, ou no caso de embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
A incompatibilidade está então, no fato de que se a sentença que é a própria prestação jurisdicional em desfavor da Fazenda Pública, só se efetiva através do reexame necessário, após a confirmação pelo Tribunal, então a antecipação de tutela que é decisão interlocutória, também depende dessa confirmação.
Outra crítica que se faz à possibilidade de antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública é a inexistência de irreversibilidade, prevista no § 3º do artigo 273 do CPC. Fato é que há situações em que a antecipação de tutela pode, claramente, causar prejuízos irreversíveis à Administração Pública.
Por fim, há crítica quanto ao regime precatórios ser incompatível com a antecipação de tutela, nos termos do que dispõe o artigo 100 da Constituição Federal, que assim dispõe:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
Assim para aqueles que entendem não ser cabível a antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública, tal medida não é compatível com a condenação da Fazenda em dinheiro, simplesmente por que para as condenações da Administração em dinheiro, o pagamento é constitucionalmente, determinado por meio de precatórios. Além disso, a tutela antecipada contra a Fazenda seria como burlar a Constituição, pois de acordo com o artigo 100, há uma ordem cronológica de apresentação dos precatórios, o que seria como fraudar essa ordem cronológica.
V- ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À TUTELA ANTECIPADA EM DESFAVOR DA FAZENDA PÚBLICA
Do lado daqueles que defendem a possibilidade da tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública podem se apontar diversos argumentos favoráveis, inclusive, rebatendo os argumentos desfavoráveis à medida antecipatória.
Primeiro, o argumento de que a medida é incompatível com o artigo 475 do CPC, não se aplicaria tendo em vista que o mesmo se refere a sentenças e não a decisões interlocutórias, como é o caso da tutela antecipada. Assim, o chamado reexame necessário não se aplica às decisões interlocutórias.
Além disso, caso se entendesse que o reexame necessário seria impeditivo ou obstáculo à concessão de tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública, tal entendimento também deveria prevalecer o impeditivo nos casos em que o particular também recorresse, e esse recurso fosse recebido nos efeitos devolutivo e também no efeito suspensivo.
Por outro lado, não haveria isonomia se a lei só autorizasse apenas a concessão de antecipação de tutela em desfavor do particular, e a Fazenda Pública, maior litigante judicial, ficasse isenta da medida antecipatória, ferindo o direito do cidadão de ter celeridade processual.
Quanto ao regime de precatórios, duas questões podem ser resolvidas de forma que não haja incompatibilidade no tocante à antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública. Assim, quanto à demora dos precatórios, pode-se pagar por meio de requisições de pequeno valor, em relação aos valores menores. Por fim, o uso de astreintes também pode acelerar o recebimento do valor concedido em medida antecipatória.
VI- CONCLUSÃO
Em suma, resta claro que antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública, apesar dos muitos argumentos que sejam contrários, é perfeitamente possível dentro do sistema processual brasileiro.
Diga-se mais, a medida antecipatória contra o Estado, desde que respeitados os limites previstos na lei nº 9.494/97 e na lei 8.437/92, é medida salutar para a célere marcha processual da maioria dos processos que tem andamento no nosso país, notadamente, por se saber que o Estado é o maior litigante judicial.
Haveria total discrepância aceitar que ao Estado fosse possível requerer em desfavor do particular uma medida antecipatória, e ao particular quando o Estado seja réu, seja negado o direito de antecipar os efeitos da prestação jurisdicional em desfavor do Estado, nos casos em que se vê prima facie, preenchidos os requisitos do artigo 273 do CPC, especialmente, o que previsto no § 2º do referido dispositivo.
De fato, não há dúvida que à Fazenda se aplicam normas peculiares de direito processual, conforme já explicitado, inclusive, quando da aplicação da própria antecipação de tutela em desfavor do Estado. No entanto, até mesmo quando se fala em prerrogativas processuais há limites ao Estado, eis que este não pode sob o argumento de que representa o interesse da coletividade, destoar da igualdade que vige também no nosso sistema processual.
REFERÊNCIAS
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Bancário e estudante de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Ronisberg Rodrigues. Antecipação de tutela contra a Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37245/antecipacao-de-tutela-contra-a-fazenda-publica. Acesso em: 22 nov 2024.
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