RESUMO: Os atributos do ato administrativo (presunção de legitimidade, imperatividade, autoexecutoriedade e tipicidade) refletem as características que distinguem as prerrogativas públicas presentes na atividade administrativa e a sua força peculiar. Conforme a doutrina e referendada pela jurisprudência, a presunção de legitimidade consiste na definição de que o ato administrativo foi praticado de acordo com a ordem jurídica; a imperatividade permite que o ato seja praticado independentemente do consentimento ou aceitação do destinatário; a auto executoriedade significa dizer que os atos não dependem, para sua efetivação, de nenhuma autorização judicial; e a tipicidade exige que o ato administrativo corresponda a figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados.
1. Considerações Iniciais
Os atributos do ato administrativo refletem as características que distinguem essa modalidade de ato jurídico dos atos entre particulares, evidenciando as prerrogativas públicas presentes na atividade administrativa e a sua força peculiar.
A doutrina é divergente em relação à quantidade de atributos dos atos administrativos, mas, em regra, costumam apontar a existência de três: presunção de legitimidade, imperatividade e autoexecutoriedade. Di Pietro e outros ainda elencam um quarto atributo, o da tipicidade.
2. Presunção de Legitimidade
O ato administrativo, por mais que pareça irregular, terá a seu favor a presunção de que foi praticado de acordo com a ordem jurídica, desde que por agente competente. Na palavra de alguns doutrinadores, “presunção de validade” seria o nome mais adequado para esse atributo. Nesse sentido, o entendimento de Rafael Maffini[1]:
O primeiro – e mais relevante – atributo é o da presunção de validade, que costuma ser denominado “presunção de legitimidade” ou “presunção de veracidade”. Opta-se pela expressão “presunção de validade” por melhor traduzir o seu significado jurídico. Com efeito, o atributo da presunção de validade (ou de legitimidade) consiste no fato de que, uma vez praticado, o ato administrativo guardará em seu favor a presunção de que foi praticado de acordo com a ordem jurídica (de que é válido, portanto) e de que o seu conteúdo traduz-se como verdadeiro. Tal atributo, cumpre salientar, apresenta-se em todos os atos administrativos.
A presunção de legitimidade é o único atributo que aparece em todos os atos administrativos e se materializa na chamada fé-pública (v. art. 19, II, Constituição Federal); porém, sua presunção é relativa, ou seja, admite prova em contrário.
Na mesma linha, o STJ entende de maneira majoritária que “os atos administrativos gozam de presunção de legalidade que, para ser afastada, necessita de prova cabal da deformação do ato” [2], “a presunção de legitimidade do ato administrativo incumbe ao ocupante o ônus da prova de que o imóvel não se situa em área de terreno de marinha” [3]. Eis as ementas dos julgados:
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE INEXISTENTE.
1. Os atos administrativos gozam da presunção de legalidade que, para ser afastada, necessita de prova cabal da deformação do ato.
2. Não podem ser consideradas, para efeito de anulação de um ato administrativo, alegações gerais e imprecisas, tais como violação aos princípios da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do contraditório.
3. Embargos de declaração rejeitados.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TAXA DE OCUPAÇÃO. IMÓVEIS SITUADOS EM TERRENO DE MARINHA E TÍTULO EXPEDIDO PELO RGI NO SENTIDO DE SEREM OS RECORRENTES POSSUIDORES DO DOMÍNIO PLENO. IRREFUTÁVEL DIREITO DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. ESTRITA OBSERVÂNCIA QUANTO AO PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM EM FAVOR DA UNIÃO.
1. Os terrenos de marinha são bens públicos e pertencem à União.
2. Consectariamente, algumas premissas devem ser assentadas a saber:
a) Os terrenos de marinha, cuja origem que remonta à época do Brasil-Colônia, são bens públicos dominicais de propriedade da União e estão previstos no Decreto-lei 9.760⁄46.
b) O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha produz efeito meramente declaratório da propriedade da União sobre as áreas demarcadas.
c) O direito de propriedade, à Luz tanto do Código Civil Brasileiro de 1916 quanto do novo Código de 2002, adotou o sistema da presunção relativa (juris tantum) relativamente ao domínio, admitindo prova em contrário.
d) Não tem validade qualquer título de propriedade outorgado a particular de bem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha ou acrescido.
e) Desnecessidade de ajuizamento de ação própria, pela União, para a anulação dos registros de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razão de o procedimento administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns a todos os atos administrativos: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.
f) Infirmação da presunção de legitimidade do ato administrativo incumbe ao ocupante que tem o ônus da prova de que o imóvel não se situa em área de terreno de marinha.
g) Legitimidade da cobrança de taxa de ocupação pela União mesmo em relação aos ocupantes sem título por ela outorgado.
h) Ausência de fumus boni juris.
3. Sob esse enfoque, o título particular é inoponível quanto à UNIÃO nas hipóteses em que os imóveis situam-se em terrenos de marinha, revelando o domínio público quanto aos mesmos.
4. A Doutrina do tema não discrepa da jurisprudência da Corte ao sustentar que :
(...)
8. Recurso especial provido.
Entretanto, cabe registrar a existência de decisões da Corte que ressalvam a impossibilidade de inversão do ônus da prova para o particular[4]:
PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – ÔNUS DA PROVA: FATO NEGATIVO.
1. A certidão de débito fiscal devidamente inscrita na dívida ativa goza da presunção de certeza e liquidez (art. 204 do CTN), cabendo ao sujeito passivo o ônus de afastá-la.
2. Defesa do executado, que ataca momento antecedente, no processo administrativo, com fato negativo: ausência de notificação do lançamento.
3. Fato negativo cujo ônus cabe à parte contrária positivar, estando em seu poder o procedimento administrativo.
4. Impertinência quanto à alegada vulneração dos arts. 333 e 334 CPC.
5. Recurso especial improvido.
(...)
(Fundamentação)
Na hipótese dos autos, o vício é antecedente à inscrição em dívida, porquanto não existe prova da notificação do lançamento, que constitui ato de importância fundamental para configurar a obrigação tributária. Ademais, caberia à Fazenda municipal o ônus da prova, visto que fica em seu poder o procedimento administrativo.
(...)
Decorre da presunção de legitimidade, por exemplo, o fato de os recursos administrativos terem sempre efeito devolutivo, salvo disposição legal em contrário que estabeleça efeito suspensivo.
3. Imperatividade
A imperatividade significa que o ato administrativo pode ser praticado independentemente do consentimento ou aceitação do destinatário. Impõe-se à vontade particular, individual. A execução do ato é inevitável, podendo inclusive ser imposto coercitivamente.
Também conhecido como “efeito extroverso da administração”, a imperatividade se manifesta através do chamado Poder de Polícia.
Nas palavras de Maffini[5]:
O atributo da imperatividade (já estudado na análise do poder de polícia) significa que os atos administrativos podem ser praticados independentemente ou até mesmo de modo contrário à vontade de seus destinatários. Trata-se de uma decorrência do denominado “efeito ou poder extroverso” da Administração Pública, segundo o qual o Poder Público pode atingir esferas jurídicas alheias, inclusive com a constituição de obrigações, independentemente da aceitação daquele que é alcançado pela atividade administrativa. Ademais, tal atributo é decorrência direta de um aspecto conceitual já referido, qual seja, o fato de que os atos administrativos são espécies de atos jurídicos, representando, assim, uma manifestação unilateral de vontade. Em outras palavras: a imperatividade nada mais é do que uma face da unilateralidade.
Porém, ao contrário da presunção de legitimidade, a imperatividade não está presente em todos os atos administrativos.
Os “atos administrativos negociais”, que não se confundem com “negócios jurídicos”, praticados por solicitação do particular-destinatário (ex: alvará de funcionamento), não detém, logicamente, esse atributo.
Igualmente, não detêm imperatividade os “atos administrativos enunciativos”, também chamados de “meramente declaratórios”, como a certidão (teor do que consta em registros, livros, arquivos da administração), o atestado (reprodução de fatos e atos que foram presenciados) e o parecer administrativo (opinião técnica de caráter enunciativo para embasar a tomada de decisão política).
Sobre o parecer, em regra, não é imperativo, cogente, obrigatório. Todavia, quando a lei dispuser que é obrigatório, o parecer terá efeito imperativo.
A imperatividade, porém, atrai a responsabilidade civil e administrativa do parecerista. Assim, quando o parecer for uma mera opinião técnica, o autor não terá responsabilidade. Por outro lado, se for de acatamento obrigatório, o autor poderá ser responsabilidade pela ilegalidade/irregularidade do ato administrativo praticado com base no parecer.
4. Autoexecutoriedade
O atributo da autoexecutoriedade significa dizer que os atos administrativos não dependem, para sua efetivação, de nenhuma autorização judicial; realizam-se por si só.
Regra geral, os atos administrativos são autoexecutórios, o que não ocorre com os atos que importam em direta agressão ao patrimônio jurídico do cidadão. Por exemplo, agentes sanitários não precisam de nenhuma autorização para inspecionar, multar; todavia, precisam de intervenção judicial para cobrar, pois há invasão no patrimônio jurídico do cidadão.
A dispensa de autorização não afasta o controle judicial posterior, quando o particular se sentir ofendido, de alguma forma, pelo ato administrativo[6]:
(...) é interessante ser recordado o que já se disse quando da análise do poder de polícia: a autoexecutoriedade dos atos administrativos não inviabiliza que os administrados provoquem o controle judicial - preventivo ou repressivo – dos atos administrativos, o que, per se, não infirma o atributo em estudo.
Celso Antônio Bandeira de Mello[7] desdobra a autoexecutoriedade em dois subatributos, contendo a mesma característica básica: desnecessidade de intervenção do judiciário. O primeiro, a exigibilidade, consiste no fato de a Administração poder exigir do particular o cumprimento dos seus atos, sob pena de aplicação de alguma sanção, representando um modo de coerção indireta. Isso, se houver previsão legal nesse sentido. Já o segundo, a executoriedade, segundo o qual a administração executa diretamente o seu ato, sua ordem. É uma forma de coerção direta, o que ocorre, por exemplo, quando um veículo estacionado em local proibido é guinchado.
Nesse sentido, a doutrina vem entendendo que a executoriedade somente é cabível em duas hipóteses: quando estiver prevista em lei e quando houver urgência na prática do ato administrativo.
5. Tipicidade
Di Pietro e alguns doutrinadores acrescentam o atributo da tipicidade aos três citados acima. Segundo a festejada autora[8], tipicidade é o atributo “pelo qual o ato administrativo deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados”.
É um atributo que decorre diretamente do princípio da legalidade e significa uma verdadeira garantia ao particular.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
[1] MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.90.
[2] STJ, ED no MS 11.870-DF, rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 12-2-2007.
[3] REsp 798.165-ES, rel. Min. Luiz Fux, DJ de 31-5-2007.
[4] REsp 493.881-MG, REL. Min. Eliana Calmon, j. em novembro de 2003, v.u., Informativo do STJ, n. 192.
[5] MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.92.
[6] MAFFINI, Rafael. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.94.
[7] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008.
[8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.201.
Procurador Federal. Subprocurador-Geral do INSS. Especialista em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Direito Público pela UNIDERP. Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSEPP, Alexandre Azambuja. Apontamentos sobre os atributos dos atos administrativos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2013, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37249/apontamentos-sobre-os-atributos-dos-atos-administrativos. Acesso em: 22 nov 2024.
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