Resumo: Analisa-se a competência dos Juizados Especiais e os aspectos do controle dessa competência jurisdicional.
Palavras-chave: Juizado Especial; competência; autonomia; mandado de segurança.
Os Juizados Especiais constituem um microssistema judiciário, idealizado para apreciação de causas cíveis de menor complexidade e, na esfera criminal, para julgamento de infrações de menor potencial ofensivo.
A busca pela conciliação e a transação, na qualidade de medidas alternativas para a resolução do conflito, devem ser privilegiadas de forma que substituam, sempre que possível, a decisão judicial de mérito que viria a por fim à lide.
O processo no âmbito dos Juizados deve ser orientado pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade[i].
O artigo 98 da Constituição Federal adjudicou à União, aos Estados e ao Distrito Federal a missão de instituírem os Juizados Especiais.
A lei 9.099/95 dispôs sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, estabelecendo, no que interessa a este artigo, a competência do Juizado Especial Cível para a conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade[ii], quais sejam, as causas cujo valor não ultrapassar o montante de quarenta salários mínimos, as ações processadas sob o procedimento sumário enumeradas no inciso II do artigo 275 do CPC[iii], a ação de despejo para uso próprio e as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a quarenta salários mínimos.
No âmbito federal, coube à Lei 10.259/2001 instituir os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Nos termos do artigo 3º do citado diploma legal, compete ao Juizado Especial Federal Civil processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal cujo valor seja de até sessenta salários mínimos. O §1º[iv] do artigo 3º excepciona as causas que não podem ser apreciadas pelo Juizado Federal. Por fim, impende registrar que no foro onde houver Vara do Juizado Especial Federal instalada, a competência possui natureza absoluta, nos termos do § 3º do art. 3º).
Como se percebe, o Juizado Especial Federal é uma justiça especializada em julgar as causas em que a Fazenda Pública Federal figure em um dos polos. A sua competência não se estabelece em razão da menor complexidade da matéria, mas sim pelo valor atribuído à causa.
Até a entrada em vigor da Lei nº 12.153/2009, não existia um Juizado Especial em que pudessem ser discutidas as ações em que as Fazendas Públicas Estadual, Distrital e Municipal fossem parte. Com o advento dessa lei foram instituídos, no âmbito da Justiça Estadual os Juizados Especiais da Fazenda Pública, com competência para julgamento das causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. O § 1º do artigo 2º da Lei nº 12.153/2009 estabelece as causas que estão excluídas da competência do Juizado da Fazenda Pública[v].
A concepção de um microssistema formado pelos Juizados Especiais e a competência a eles atribuída pela Constituição e pelas lei, conforme visto acima, são os dois pontos que vão definir qual o órgão judicial competente para o julgamento de mandado de segurança impetrado em face das decisões desses órgãos judiciais.
O mandado de segurança, como é comezinho, constitui-se em ação de natureza constitucional, vocacionada à prevenção ou reparação de lesão a direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data.
Por se tratar de remédio jurídico posto à disposição do jurisdicionado para combater o ato abusivo ou ilegal praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, o mandado de segurança pode ser manejado em todos os ramos em que estão distribuídos os órgãos do Poder Judiciário, observados, por óbvio, os requisitos legais para a sua interposição.
Nesse contexto, o Mandado de Segurança pode ser impetrado, inclusive, em face de ato judicial, exigindo-se, em regra, que não haja recurso previsto em lei para combater a decisão e que ela não tenha transitado em julgado.
A Constituição Federal cuidou de definir a competência para o julgamento do mandado de segurança impetrado em face de ato judicial, inclusive em grau de recurso. Cita-se, por exemplo, o art. 108, inciso I, alínea “c”, que prevê a competência dos Tribunais Regionais Federais para julgar originariamente o mandado de segurança contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal, bem como a competência do STJ estabelecida no art. 105, inciso II, alínea “b”, para julgar, em sede de recurso ordinário, os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória.
E aqui tem início a celeuma estabelecida em torno da competência para julgamento de mandado de segurança contra ato praticado por órgão – de primeiro ou segundo grau de jurisdição – dos juizados.
Com o intuito de facilitar a compreensão e apresentação do tema, vamos restringir a análise ao âmbito do Juizado Especial Federal.
A primeira dúvida que despontou no meio jurídico decorre do fato de que o magistrado que atua nos Juizado Especial Federal é também um juiz da Justiça Federal, cujo ingresso ocorre por meio do mesmo concurso público a que se submetem os juízes que atuam na justiça comum e, assim o sendo, estaria inserido na competência prevista no art. 108, inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal. É dizer, o mandado de segurança desafiado por decisão judicial por ele proferida deveria ser apreciado pelo respetivo Tribunal Regional Federal, de acordo com uma interpretação gramatical do dispositivo constitucional. No entanto, a jurisprudência dos tribunais superiores repudia essa tese.
Segundo o STJ, as decisões proferidas pelos juízos de primeiro grau do Juizado Especial, por força do sistema especial preconizado pela Carta da República e pela legislação ordinária, submetem-se ao crivo revisional de Turma Recursal e que aos Tribunais Regionais Federais não foi reservada a possibilidade de revisão dos julgados dos Juizados Especiais. Ainda, “os Juizados Especiais foram instituídos no pressuposto de que as respectivas causas seriam resolvidas no âmbito de sua jurisdição”[vi].
Da mesma, forma, compete à Turma Recursal julgar o mandado de segurança impetrado em face de ato proferido por juiz que atua no colegiado. Nesse sentido, pode-se conferir o recente julgado do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO MINISTRO PRESIDENTE DA TNU. COMPETÊNCIA DA TNU.
1. Compete à própria turma recursal dos juizados especiais apreciar mandado de segurança impetrado contra ato de seus membros.
2. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no MS 20.251/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/08/2013, DJe 12/08/2013)
O entendimento consolidado é no sentido de que as decisões judiciais proferidas no microssistema jurídico do Juizado Especial Federal deve ser revisada em seu próprio âmbito, não cabendo a Tribunal da Justiça Federal Comum apreciar a questão. É o que foi cristalizado no enunciado da Súmula 376 o STJ:
Súmula 376 – Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial.
O STJ foi mais além, para excluir de sua atribuição a revisão das decisões proferidas pela Turma Recursal em sede de mandado de segurança, afirmando não haver que se falar em aplicação do art. 105, inciso II, alínea “b” da Constituição:
JUIZADO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO. RECURSO ORDINÁRIO. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. COMPETÊNCIA.
1. Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso ordinário, quando a decisão for denegatória, os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios – arts. 105, II, "b", da CF e 539, II, "a", do CPC. Não se enquadram nesse dispositivo decisões proferidas por Turma Recursal dos Juizados Especiais.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no Ag 1070947/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/09/2009, DJe 28/09/2009)
Contudo, há uma situação em que o STJ reconhece a competência do Tribunal Regional Federal – e do Tribunal de Justiça no âmbito da Justiça Estadual – para apreciar o mandado de segurança impetrado em face de decisão judicial proferida por órgão do Juizado Especial. É o caso em que se pretende o controle da competência dos Juizados.
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPETRAÇÃO NO TRIBUNAL CONTRA DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA POR JUIZADO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. DECISÃO QUE VERIFICOU QUE A CAUSA POSSUI EXPECTATIVA DE GANHO ECONÔMICO MAIOR DO QUE O LIMITE DO ART. 3º DA LEI 10.259/2001 (60 SALÁRIOS MÍNIMOS). AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. IMPROCEDÊNCIA DO MANDAMUS. PRECEDENTES.
1. Cuida-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou seguimento ao recurso ordinário em mandado de segurança no qual se pleiteava a reversão de decisão de TRF na qual se manteve a incompetência de juizado especial federal para o processamento de ação, uma vez que o pleito visa a obtenção de benefícios econômicos que ultrapassam o limite de 60 salários mínimos (art. 3º da Lei n.10.259/2001).
2. É cabível a impetração de mandado de segurança junto aos tribunais para o exercício do controle da competência das ações ajuizadas nos juizados especiais, vedado o exame do direito substantivo vindicado. Precedente: RMS 38.884/AC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 13.5.2013.
(...)
Agravo regimental improvido.
(AgRg no RMS 42.818/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2013, DJe 14/10/2013)
Mas o melhor vem agora. A jurisprudência passou a admitir o controle da competência dos juizados especiais, mediante a impetração de mandado de segurança, ainda que a decisão guerreada tenha transitado em julgado:
PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. CONTROLE. MANDADO DE SEGURANÇA PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CABIMENTO. IMPETRAÇÃO. PRAZO. EXCEÇÃO À REGRA GERAL.
1. É cabível a impetração de mandado de segurança perante o Tribunal de Justiça para realizar o controle da competência dos Juizados Especiais, ressalvada a autonomia dos Juizados quanto ao mérito das demandas. Precedentes.
2. O mandado de segurança contra decisão judicial deve, via de regra, ser impetrado antes do trânsito em julgado desta sob pena de caracterizar a incabível equiparação do mandamus à ação rescisória.
3. Como exceção à regra geral, porém, admite-se a impetração de mandado de segurança frente aos Tribunais de Justiça dos Estados para o exercício do controle da competência dos Juizados Especiais, ainda que a decisão a ser anulada já tenha transitado em julgado.
4. Recurso ordinário em mandado de segurança provido.
(RMS 32.850/BA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 09/12/2011)
No julgamento do RMS 39.041-DF, o eminente Relator Min. Raul Araújo ressaltou a necessidade de se estabelecer um mecanismo de controle da competência dos Juizados, sob pena de lhes ser conferido um poder desproporcional, qual seja, “o de decidir, em caráter definitivo, inclusive as causas para as quais são absolutamente incompetentes, nos termos da lei civil”. Justifica o arguto magistrado que “sendo o juízo absolutamente incompetente em razão da matéria, a decisão é, nesse caso, inexistente ou nula, não havendo, tecnicamente, que falar em trânsito em julgado”.[vii]
Assim, verifica-se que os Juizados Especiais possuem ampla autonomia para decidirem as causas sujeitas à sua jurisdição, não sendo possível que órgão judicial alheio a esse microssistema judiciário atue como instância revisora de seus julgados.[viii] Tal prerrogativa, todavia, não ilide a possibilidade de que os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça exerçam o controle da competência dos Juizados, por meio de mandado de segurança, ainda que a decisão combatida haja transitado em julgado.
REFERÊNCIAS:
SANTOS, Marisa Ferreira dos; CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e Estatuais. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
[i] Art. 2º da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
[ii] “Sob a luz do art. 98, I, da CF, há que se concluir que as questões de direito, por mais intrincadas e difíceis que sejam, podem ser resolvidas dentro do Sistema dos Juizados Especiais, o qual é sempre coordenado por um juiz togado. Por outro lado, quando a solução do litígio envolve questões de fato que realmente exijam a realização de intrincada prova, após a tentativa de conciliação infrutífera o processo nos Juizados dos Estados e do DF deve ser extinto e as partes encaminhadas para a Justiça ordinária (art. 51, II, da Lei n. 9.099/95). É a real complexidade probatória que afasta a competência dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal.” (SANTOS, Marisa Ferreira dos; CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e Estatuais. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1)
[iii] CPC – Art. 275, inciso II - nas causas, qualquer que seja o valor (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
a) de arrendamento rural e de parceria agrícola; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
b) de cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
c) de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
d) de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
e) de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
f) de cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial; (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
g) que versem sobre revogação de doação; (Redação dada pela Lei nº 12.122, de 2009).
h) nos demais casos previstos em lei. (Incluído pela Lei nº 12.122, de 2009).
Parágrafo único. Este procedimento não será observado nas ações relativas ao estado e à capacidade das pessoas. (Redação dada pela Lei nº 9.245, de 26.12.1995)
[iv] § 1o Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas:
I - referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos;
II - sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais;
III - para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal;
IV - que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares.
[v] § 1o Não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública:
I – as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos;
II – as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas;
III – as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares.
[vi] (REsp 722.237/PR, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 03/05/2005, DJ 23/05/2005, p. 345).
[vii] RMS 39.041-DF, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 7/5/2013
[viii] Ressalva-se a possibilidade de interposição de Recurso Extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, inciso III, da Constituição Federal) e o incidente de uniformização de jurisprudência dirigido ao STJ (§4º do art. 14 da Lei nº 10.259/2001).
Procurador Federal. Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis<br>Especialista em Direito Público e em Direito Processuaà l Civil. MBA em Gestão Pública.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RORIZ, Rodrigo Matos. O controle da competência dos Juizados Especiais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2013, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37252/o-controle-da-competencia-dos-juizados-especiais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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