SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. Infrações penais do Código Florestal de 1965. 3. Lei dos crimes ambientais (Lei nº 9.605/98). 3.1. Crimes contra a fauna. 3.2. Crimes contra a flora. 3.3. Poluição e outros crimes ambientais. 3.4. Crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural. 3.5. Crimes contra a administração ambiental. 4. Considerações finais. 5. Bibliografia.
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo traçar um panorama histórico do crime no direito ambiental, avaliando-se a o papel do Código Florestal de 1965, da Constituição Federal de 1988 e da Lei dos Crimes Ambientais de 1998, em cotejo com a evolução da importância perceptiva do ambiente para a sociedade e com a consequente necessidade de prevenção e repressão aos danos ao meio ambiente. Será realizado, ainda, um juízo crítico sobre a forma como a tipologia criminal se dá na seara ambiental.
PALAVRAS-CHAVE: Direito ambiental. Crime. Tipo penal.
Antes de adentrar-se no tema deste trabalho, qual seja, as Infrações Penais no Código Florestal e a Lei dos Crimes Ambientais, é preciso que se faça um questionamento do porquê da proteção ao meio ambiente, do que motivou o legislador a se empenhar e elaborar normas penais que venham a tutelar o bem tão defendido em questão.
Ora, busca-se resguardar o ambiente para o próprio benefício do homem, a fim de melhorar sua qualidade de vida, ou seja, proteger-se o ecossistema para a garantia da própria sobrevivência humana na Terra, para a sobrevivência e bem-estar do homem, afinal, sem o meio ambiente, a sociedade não pode viver.
Apesar de, no decorrer das décadas, as regras que diziam respeito ao meio ambiente terem surgindo de maneira bastante discreta, tais como no Decreto nº 4.421/21, que veio a criar o Serviço Florestal no Brasil, o primeiro Código Florestal em 1934 (Decreto nº 27.973/34), o Código das Águas (Decreto nº 24.643/34) e o Código de Caça (Decreto nº 24.645/34), essas regras eram bastante esparsas e chegavam a ser confusas ou conflitantes, além de não trazerem em seu bojo o rigor necessário para punição efetiva dos criminosos que há tantos anos mutilaram nosso meio ambiente livres de qualquer sanção, ao menos na esfera criminal.
Anteriormente, existia um pouco de dificuldade quanto a esse tema, visto que as questões de crimes ambientais eram tratadas como contravenções penais, que eram infrações mais leves, como as do Código Florestal, inclusive o de 1965 (Lei nº 4.771/65), sendo que a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.065/98) veio conferir a essas infrações penas mais graves, de modo que fossem realmente punidos com a máxima intervenção estatal todos os que agredissem o meio ambiente.
Sendo assim, a Lei de Crimes Ambientais veio a transformar algumas infrações ambientais de contravenções em crimes, além de prever a criminalização da pessoa jurídica, descrevendo condutas lesivas ao meio ambiente com suas correspondentes respostas do Poder Público, nas esferas penal e administrativa.
Todavia, existem algumas dificuldades na aplicação da Lei de Crimes Ambientais, visto que, por tratar-se, na sua grande maioria, de normas penais em branco, necessitam de complementação para sua aplicação, complementação esta que pode advir do próprio poder legislativo federal ou ainda de esferas legislativas inferiores, tais como leis estaduais, municipais, decretos, portarias, etc. Entretanto, a maior dificuldade parece não ser esta, e sim, o fato de que, na maior parte dos casos, o infrator ambiental não se considera um marginal. Para ele, devido aos seus valores culturais, a sua conduta parece ser até moralmente correta, de modo que o caráter preventivo da legislação se torna prejudicado, ainda que em parte.
O que acontece é que a própria sociedade, até um passado recente, não estava acostumada aos valores ambientais de uma cultura ambiental, o que resultou numa visão errônea de que as leis ambientais eram, de certa forma, injustas. Por isso, faz-se necessário, antes de qualquer forma de repressão, inserir na própria sociedade princípios ambientais visando à formação de valores culturais e próprios de moral, para que nasça a consciência e o espírito de preservação e que seja natural o resguardo do meio ambiente da mesma forma que é natural o resguardo do própria existência humana.
Agora, com a existência do aparato legal ambiental em tela, sobre o qual se discorrerá, as normas de direito penal ambiental estão, em tese, sistematizadas adequadamente, o que abre a possibilidade de seu pleno conhecimento pela sociedade e de sua fiel execução pelos entes estatais. Contudo, tendo em vista que nem todos os atos lesivos ao meio ambiente foram abrangidos por essa lei, essas lacunas serão preenchidas pelo Código Penal, Lei das Contravenções Penais e pelo próprio ou pelo novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012).
A Constituição Federal de 1988 veio consagrar, definitivamente, em seu art. 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Prevê ainda, no §1º, inciso VII, do referido artigo, que incumbe ao Poder Público proteger a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica.
Com efeito, tal proteção constitucional dada ao meio ambiente somente veio ratificar a crescente preocupação da sociedade com o ambiente que nos cerca, haja vista que a evolução do homem traz consigo a destruição ambiental, o que necessita de tutela legal. Sendo assim, há de existir sempre o desenvolvimento humano, característica inerente a sua condição de ser. Porém, tudo isso deve se coadunar com o meio ambiente, ou seja, o desenvolvimento há de ser racional e sustentável.
Desta feita, em âmbito infraconstitucional, e antes da promulgação da atual Carta Magna, a Lei nº 4.771/65, o Código Florestal, já substituído pela Lei nº 12.651/2012, veio a disciplinar a preservação e utilização das florestas e demais formas de vegetação. Ressalte-se que referido diploma legal foi recepcionado pela Constituição Federal. Assim, trazia o Código Florestal, em seu art. 26, a previsão de diversas contravenções penais, medida de demasiada importância, posto que busca coibir práticas que destruam ou degradem a flora.
Porém, algumas infrações penais foram revogadas pela Lei de Crimes Ambientais, a Lei nº 9.605/98, que foram albergadas e transformadas em crime, impondo aos infratores reprimendas mais intimidativas. Foram criados novos tipos penais, visto que insuficiente a previsão legal do referido art. 26, e aumentada a pena dos crimes. Em tese, houve aumento de rigor, ainda que ambas as leis não apliquem concretamente o encarceramento, a não ser na reincidência.
Por conseguinte, o Código Florestal perdeu certa importância no que tange à infração penal. Embora os dispositivos não repetidos na Lei de Crimes Ambientais tenham tido vigência durante certo tempo, hoje, com o advento do novo Código Florestal, aprovado pela Lei nº 12.651/2012, não mais sobrevivem, uma vez que esse novo Código preferiu não tratar da esfera penal.
Trazia o art. 26 da Lei nº 4.771/65 a seguinte redação: “Constituem contravenções penais, puníveis com três meses a um ano de prisão simples ou multa de uma a cem vezes o salário mínimo mensal, do lugar e da data da infração ou ambas as penas cumulativamente.” Havia, portanto, possibilidade da cominação de três sanções, quais sejam, prisão, multa ou as duas cumuladas.
As penas eram agravadas nas seguintes circunstâncias, sem prejuízo das previstas no Código Penal e na Lei de Contravenções Penais: a) cometer a infração no período de queda das sementes ou de formação das vegetações prejudicadas, durante a noite, em domingos ou dias feriados, em épocas de seca ou inundações; b) cometer a infração contra a floresta de preservação permanente ou material dela provindo.
Com supedâneo no art. 29 da revogada Lei nº 4.771/65, incidiam as penalidades sobre quem de alguma forma havia concorrido para a prática da contravenção, ou seja, sobre os autores: diretos; arrendatários, parceiros, posseiros, gerentes, administradores, diretores, promitentes-compradores ou proprietários das áreas florestais, desde que praticados por subordinados ou prepostos e nos seus interesses; e autoridades que se omitissem ou facilitassem, por consentimento legal, a prática do ato.
Buscava-se, assim, responsabilizar-se todo aquele que de alguma forma viesse a participar da prática da infração, tutelando e coibindo mais eficazmente a flora.
No que tange à ação penal, ela será pública incondicionada, em face da natureza do bem jurídico tutelado ser difuso. Mesmo que a contravenção ocorra em propriedade privada, a ação penal há de ser pública, pois a lesão é a um bem jurídico difuso, e, por conseguinte, incabível a ação penal privada. Assim, os arts. 33 e 34 da revogada Lei nº 4.771/65, que prevê demais autoridades para intentar a ação penal, sequer foi recepcionado pela Constituição Federal, que estabelece em seu art. 129, inciso I, a competência privativa do Ministério Público para propor a ação penal pública.
A competência da Justiça para julgar as contravenções em comento será sempre Estadual, por expressa disposição constitucional. De fato, mesmo que se trate de bens, serviços ou interesses da União, será competente a Justiça Estadual em face da literalidade do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal, que exclui o julgamento de contravenções da Justiça Federal (Súmula nº 38 do Superior Tribunal de Justiça – STJ).
Há de se ter em mente que a pena máxima prevista para essas contravenções era de apenas um ano e, portanto, deveria o feito se processar nos Juizados Especiais Criminais. De fato, em virtude do quantum máximo previsto para a pena, eram competentes os Juizados Especiais, tratando-se de infração de menor potencial ofensivo. Havia, então, a possibilidade da suspensão do processo suscitada pelo Ministério Público quando do oferecimento da denúncia, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95. Cabia, ainda, a possibilidade de transação penal, recompondo-se os danos e aplicando-se imediatamente pena restritiva de direitos.
O Código Florestal ainda dispunha acerca de outra sanção para o autor da infração penal. Conforme o art. 35, os produtos e instrumentos utilizados na infração eram apreendidos e vendidos em hasta pública se pertencessem ao autor.
Como se vê, ainda que possuísse conteúdo penal, o Código Florestal de 1967 pouco avançava nessa seara, arrolando basicamente contravenções penais que, na prática, não serviam à prevenção que se espera do direito criminal.
Com o objetivo de regulamentar o já citado art. 225 da Constituição Federal, F/88, nos seus aspectos penais, editou-se a Lei nº 9.605, publicada em 13 de fevereiro de 1998, com dez vetos, entrando em vigor no dia 30 de março, após quarenta e cinco dias de vacância.
Apesar de ser denominada a “Lei dos Crimes Ambientais”, o instrumento normativo ora em comento possui natureza híbrida, preocupando-se também com infrações administrativas e com aspectos da cooperação internacional para a preservação do ambiente.
Muitas críticas ecoaram quando de sua publicação por padecer de certos vícios. Alguns desses são produtos das pressões dos diversos lobbies interessados; outros parecem decorrer de concessões a uma visão equivocada do verdadeiro interesse social onde se insere a preservação da qualidade ambiental e dos recursos ambientais; vários, enfim, são consequências do esbanjamento do legislador, que empregou conceitos amplos e indeterminados, permeados de impropriedades linguísticas, técnicas e lógicas, em flagrante contradição com o imperativo de precisão e clareza no encerramento dos tipos penais.
Entretanto, percebe-se que o diploma legal em estudo representa um avanço político na proteção ao ambiente, por inaugurar uma sistematização da punição administrativa com severas sanções e por tipificar organicamente os crimes ecológicos, inclusive na modalidade culposa.
Com efeito, a Lei dos Crimes Ambientais projetou importante hipótese no sentido de responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas, sejam elas de direito público ou de direito privado. O seu art. 3º dispõe que para responsabilizar a pessoa jurídica é necessário que a infração tenha sido cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, sendo preciso a verificação da relação de causalidade entre a decisão e a violação concreta da norma.
Note-se que a prática tradicional do direito penal é apontar a possibilidade de aplicação de sanções penais para as pessoas físicas. O próprio art. 2º da Lei nº 9.605/98 estabelece que o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou o mandatário da pessoa jurídica está na posição de garantidor da não ocorrência de resultado lesivo ao patrimônio ambiental, respondendo penalmente por sua omissão. Nessa linha, vislumbra-se, inclusive, a possibilidade de aplicação do instituto da desconsideração da pessoa jurídica, conhecida por disregard of legal entity, quando o art. 4º autoriza que determinado órgão investido de poder, por força constitucional, possa num dado caso concreto não considerar os efeitos da personificação ou da autonomia jurídica da sociedade para atingir e vincular a pessoa humana que efetivamente tenha cometido o crime ambiental.
Acrescente-se, ainda, que a Lei nº 9.605/98 não determinou a competência para julgamento dos crimes por ela capitulados, o que gerou inúmeras divergências em decorrência de hipóteses de conflitos concretos, hipóteses estas que disciplinam o meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho[1].
No que diz respeito às condutas típicas, a lei atualizou dispositivos já contemplados em textos legais esparsos, transformou algumas contravenções em crimes, criou novas figuras delitivas e descriminalizou outras.
Encontram-se estipulados crimes contra a fauna (arts. 29 a 37), crimes contra a flora (arts. 38 a 53), crimes de poluição (art. 54), crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural (arts. 62 a 65) e crimes contra a administração ambiental (arts. 66 a 69). Recebem tratamento específico as atividades mineradoras exercidas em desconformidade com os requerimentos ambientais (art. 55); a importação, exportação, produção, armazenamento, comercialização, transporte, uso e descarte indevido de produtos ou substâncias tóxicas (art. 56); a construção, reforma, ampliação, instalação e funcionamento de estabelecimento, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem as devidas licenças ou autorizações dos órgãos ambientais (art. 60) e a disseminação de doença ou praga ou espécie que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas (art. 61).
Passa-se a tratar, agora, das seções do capítulo V da Lei dos Crimes Ambientais.
Os arts. 29 a 37 procuram, realmente, trazer proteção à fauna enquanto bem ambiental, na medida em que a proteção aos animais se relaciona à proteção do próprio homem. Ora, é sabido que a vida do ser humano está entrelaçada com todos os outros componentes do planeta, dentre os quais se incluem os animais. Assim, como a sobrevivência do homem e sua sadia qualidade de vida dependem dos animais, o ordenamento jurídico tutelou tal matéria de forma a proteger a fauna.
Sem pretender entrar na discussão sobre se os animais são ou não sujeitos de direitos, sobre se prevalece ou não a visão antropocêntrica do direito ambiental, o fato é que os animais são protegidos com a máxima intervenção estatal, por meio do direito penal. Assim é que são considerados crimes, por exemplo, a matança, a caça de animais sem autorização para tanto, a exportação de peles e couros de anfíbios e répteis e os maus-tratos e aos animais.
Por fim, numa maneira de justificar a tutela penal ambiental consistente na fauna, tem que se ter em mente que não são apenas as grandes matanças ou ameaças aos animais que têm que ser punidas, mas, também, aquelas infrações isoladas, praticadas por indivíduos ou pequenos grupos, pois, nas palavras de Edis Milaré[2], “a agressão a cada indivíduo é que põe em risco a própria espécie”.
Cuidou o legislador de estabelecer detalhada descrição de situações que poderiam configurar, ainda que teoricamente, os denominados crimes contra a flora (arts. 38 a 53). A visão do intérprete deve se orientar para a tutela da flora adaptada às necessidades da pessoa humana.
A proteção das florestas, assim como o enfrentamento de situações lesivas ou mesmo ameaçadoras à biota são o fundamento básico para a aplicação dos crimes contra a flora, o que motivou o legislador a adotar, desde logo, critérios não só preventivos como repressivos, visando à aplicação das sanções penais ambientais.
Como crimes, pode-se destacar a venda e soltura de balão que possa provocar incêndio e a agressão a plantas ornamentais.
A grande questão enfrentada pelos tribunais é a aplicação de determinados dispositivos legais extremamente rigorosos a condutas não tão graves. Destarte, acaba-se banalizando o crime contra a flora, de forma que, no intelecto dos julgadores, só restariam configurados como crime aquelas condutas bastante graves. Como exemplo de tal situação, temos o crime de dano culposo provocado em uma planta ornamental. Sem dúvidas, é um exagero do legislador que acaba prejudicando toda a sistemática das normas sobre o assunto.
Conclui-se, portanto, que, não obstante a flora devesse ter proteção jurídica penal, o legislador não foi feliz ao tipificar certos crimes desse jaez, seja pela má redação, pela tipificação criminal da simples culpa em determinadas condutas e até mesmo pela feitura de tipos penais extremamente abertos, o que englobaria, rigorosamente, situações sem qualquer ofensa a um bem jurídico, como, por exemplo, o mero corte de um gramado, em análise com a redação do art. 48.
A Seção III, exatamente por tratar da proteção direta à incolumidade físico-psíquica da pessoa humana (danos à saúde humana), da proteção do meio ambiente do trabalho e de outros bens ambientais fundamentais no âmbito da cadeia econômica básica destinada às realizações de brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, é a mais importante no plano do direito criminal ambiental.
De fato, são as grandes indústrias que acabam causando grandes poluições ao ambiente. A população acaba ficando refém das medidas que essas empresas utilizam ou deixam de utilizar em prol da sociedade. Assim, algumas antigas punições administrativas foram erigidas à condição de crime.
No entanto, mais uma vez percebe-se que os tipos penais foram criados demasiadamente abertos, sem a obediência à estrita legalidade e taxatividade inerente ao direito penal. A expressão “destruição significativa”, contida no art. 54 da lei em estudo, é um exemplo dessa falta de técnica legislativa.
Para combater a poluição, portanto, percebe-se que a Lei dos Crimes Ambientais acaba por regulamentar a atuação das empresas em seu âmbito administrativo. Não se permite, então, segundo o art. 56, que se embale, guarde, comercialize ou tenha em depósito substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos. Aqui, mais uma vez, utiliza-se a norma penal em branco.
A proteção do ambiente cultural e artificial também mereceu destaque com a imposição de penas muito bem adequadas às necessidades de salvaguardar a natureza imaterial dos bens ambientais culturais. O consumo desenfreado da sociedade capitalista não pode ser obstáculo a tais proteções. Um imóvel que esteja tombado, por exemplo, em virtude do seu valor cultural, tem que ser preservado não obstante haja interesses comerciais sobre ele.
Com efeito, é nos grandes centros urbanos que a maioria da população mundial vive. Da mesma forma, buscando a tão sonhada sadia qualidade de vida é que os povos desenvolvem rituais e costumes culturais que os marcam. A cultura do povo é, pois, sua identidade. Sem ela, o povo se torna vazio,
Tendo em vista essas realidades é que, atualmente, se configuram crimes a destruição de museus e bibliotecas e a alteração da estrutura ou aspecto de edificação ou local devidamente protegido em virtude de seu valor paisagístico, ecológico, histórico ou cultural, dentre outras condutas.
Buscou-se, com essa proteção penal, a obediência aos dispositivos constitucionais que expressamente dispõem acerca da necessidade de se proteger o patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico e de se lutar pelo desenvolvimento urbano.
Os arts. 66 a 69 procuram detalhar critérios no sentido de que o Poder Público, por meio da atuação de seus funcionários, possa realizar a importante tarefa que lhe foi destinada pela Constituição, isto é, defender e preservar o direito ambiental para as presentes e futuras gerações.
Visa-se, aqui, a impedir que tanto os funcionários públicos, na linguagem do Direito Penal, como que as outras pessoas dificultem a atuação do Poder Público na fiscalização de infrações ambientais. O objeto jurídico desses delitos é, portanto, a Administração Pública Ambiental.
Dois crimes são próprios, no sentido de que somente funcionários públicos podem cometê-lo, motivo pelo qual são decorrentes de atos de improbidade administrativa. Consuma-se, por exemplo, quando o funcionário concede licença em desacordo com as normais ambientais ou quando ele omite a verdade ou faz afirmação falsa em procedimentos de autorização ou licenciamento ambiental.
Os outros dois podem ser cometidos por quaisquer pessoas, posto que, na redação dos arts. 68 e 69, basta, respectivamente, “deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental” ou “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais”. Aqui vale a critica já feita alhures de que os tipos legais empregam expressões demasiadamente abertas.
De qualquer forma, esses crimes são uma medida válida de combate à corrupção e à não observância, pelos particulares, de obrigações por eles adquiridas no tocante ao ambiente.
4. Considerações finais.
Da análise do presente trabalho, percebe-se que a Lei nº 9.605/98, a chamada Lei dos Crimes Ambientais, revogou praticamente todos os dispositivos da Lei nº 4.471/65, que, finalmente, foi expressamente revogada pela Lei nº 12.651/2012, que instituiu o novo Código Florestal sem tipos penais.
Alguns dispositivos que antigamente eram considerados apenas infrações administrativas passaram as ser tipificados como crimes ambientais, ao passo que outros constantes do Código Florestal deixaram de ser crime ou então passaram a ter outra redação com o advento da Lei dos Crimes Ambientais. De uma maneira geral, pode-se dizer que o ordenamento jurídico aumentou o rigor penal no tratamento de condutas contrárias ao ambiente.
Destarte, como a Constituição Federal de 1988 trouxe uma nova disciplina de proteção ao ambiente, a Lei dos Crimes Ambientais, de 1998, representou exigência do novo ordenamento jurídico e da pressão de alguns movimentos sociais. Produziu-se uma lei que visa a proteger o ambiente de todas as formas de agressão. É de se notar também que o ambiente, com o advento da atual Carta Magna, passou a ser compreendido num sentido amplo, englobando o ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho.
Outra novidade, trazida no art. 225, § 3º, da Constituição Federal hodierna, é a possibilidade de se responsabilizar penalmente as pessoas jurídicas. A Lei dos Crimes Ambientais, então, disciplinou tal hipótese, num enorme avanço da legislação brasileira. Também surgiu a possibilidade de se aplicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de que os sócios sejam punidos, se estiverem utilizando o manto da pessoa jurídica para o cometimento de infrações ambientais.
Deve-se criticar, ainda, a redação dos tipos penais da Lei nº 9.651/98, extremamente abertos em virtude de expressões vagas e imprecisas. Além disso, observou-se que os crimes ambientais, em sua maioria, são normas penais em branco, de forma que acabam sempre dependendo de uma norma administrativa para fazer surtir os devidos efeitos. Em suma, é a própria Administração Pública que acaba delimitando as condutas que se enquadrarão no tipo penal. Espera-se o bom senso das autoridades administrativas para que as condutas sejam punidas com razoabilidade e proporcionalidade.
Tecidas essas considerações finais, mister se faz ressaltar que o objetivo último desses crimes ambientais é justamente a proteção ao ambiente. Nesse sentido, vale lembrar que um dos mais importantes nortes do Direito Ambiental é o princípio da prevenção/precaução, de modo que se deve, a todo custo, evitar o dano ambiental, e nunca simplesmente convertê-lo em reparação de danos.
Destarte, conclui-se dizendo que, nas políticas ambientais, como em todas as outras, a melhor solução é a educação. É preferível a adoção de medidas preventivas, não punitivas, a medidas meramente punitivas. A própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, § 1º, inciso VI, prevê a promoção de educação ambiental em todos os níveis de ensino e conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Ressalta-se que isso não é dever só do Estado, mas, precipuamente, da coletividade. Somente dessa forma se pode desconstruir a tão acabada ideia de que o ambiente está somente na floresta, no verde. Com a maioria da população mundial vivendo no centro urbanos, é preciso uma política nacional de educação ambiental que faça essas pessoas se sentirem, no dia-a-dia, inseridas no meio ambiente, seja no urbano, natural, cultural ou do trabalho.
5. Bibliografia
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998;
MILARÉ, Edis, Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário; 3ª ed.; São Paulo; Editora RT, 2004;
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 19. ed. rev. atual. São Paulo: Atlas, 2003;
SILVA, José Afonso da. Direito Constitucional Ambiental. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998;
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2003;
SOUZA, José Carlos Rodrigues de. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas e sua justificativa social. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 1998;
SZNICK, Valdir. Direito Penal Ambiental. São Paulo: Ícone, 2001.
[1] Sobre o assunto, a propósito, tinha o STJ editado a Súmula nº 91, definindo como sendo da Justiça Federal a competência para processar e julgar os crimes praticados contra a fauna. No entanto, a 3a Seção do STJ decidiu, por unanimidade, cancelar a dita súmula. A suspensão foi desencadeada em decorrência de julgamento de conflito de competência entre a 2a Vara Federal de Ribeirão Preto/SP e a Vara Criminal de Santa Rosa de Viterbo/SP, em que ambos assumiram a competência para processar e julgar ação penal destinada a apurar a pesca com equipamentos proibidos. O relator do referido processo entendeu ser competente a Justiça Estadual. Percebe-se, portanto, a complexidade no sentido de estabelecer regras de competência, o que enseja a utilização de ponderada interpretação sistemática, elegendo-se a necessidade de proteção da vida como elemento primordial. Há quem entenda que, para todos os crimes previstos na lei em estudo, a competência dependerá sempre da análise do sujeito passivo. Assim, se os delitos forem praticados contra “bens, serviços e interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas”, eles são de competência da Justiça Federal. Os demais casos, de competência estadual.
[2] MILARÉ, Edis, Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário; 3ª ed.; São Paulo; Editora RT, 2004, p. 794.
Procurador Federal, pós-graduado em Regulação de Telecomunicações e pós-graduando em Direito Administrativo e em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Paulo Firmeza. Um panorama histórico do crime no direito ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37263/um-panorama-historico-do-crime-no-direito-ambiental. Acesso em: 22 nov 2024.
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