RESUMO: Este artigo aponta diferentes interpretações acerca do terrorismo, tendo em vista ser um fenômeno de caráter complexo e que implica em diferentes formas de conceituação, seja nacional, seja internacionalmente. Não obstante, o Brasil, até hoje, é considerado omisso quanto à caracterização formal de condutas relativas a tais práticas, uma vez que não há na legislação brasileira disposição indicando o modus operandi de uma atividade considerada “terrorista”. Tendo-se em vista, portanto, que a terminologia possui debilidades de cunho etimológico, sendo profundamente arraigado em ideologias escusas, o presente trabalho tem por escopo levantar justificas sobre a inviabilidade de se determinar as práticas que possam compor o termo em tela de forma estrita, importando, destarte, no apoio a atual esquiva do governo em reproduzi-lo formal e solenemente na legislação penal brasileira.
Palavras-chave: Modus Operandi. Conduta. Tipicidade. Princípios.
INTRODUÇÃO
Segundo um dos sites de busca mais acessados no mundo,
terrorismo é o uso de violência, física ou psicológica, através de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população governada, de modo a incutir medo, terror, e assim obter efeitos psicológicos que ultrapassem largamente o círculo das vítimas, incluindo, antes, o resto da população do território. É utilizado por uma grande gama de instituições como forma de alcançar seus objetivos, como organizações políticas de esquerda e direita, grupos separatistas e até por governos no poder (http://pt.wikipedia.org/wiki/Terrorismo).
Ao final da página eletrônica acessada, uma frase ainda mais instigante: “Nenhuma definição pode abarcar todas as variedades de terrorismo que existiram ao longo da história” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Terrorismo).
Portanto, talvez, o foco em definir o que vem a ser terrorismo, no sentido de tipificar as condutas que o caracterizem, seja menos necessário que interpretar seu real significado e as reais causas que incitem atividades consideradas terroristas. O fulcro precípuo deveria ser calcado em ações preventivas para sociedade, no sentido de evitar possíveis sugestões a indivíduos ou organizações criminais que tendam a fomentar o “terror” pela notoriedade a que tais práticas são veiculadas. Ou seja, será que não preferimos mais a honra da citação que a verdade do discurso?
Ora, ao ouvimos falar sobre atentados terroristas, já levamos em conta que sua origem se deve: a) acontecimentos internacionais; b) grupos de cunho étnico; e c) forças ideológicas. O site Wikipédia traz, ainda, outras definições de terrorismo, quais sejam:
1) Terrorismo físico - Uso de violência, assassinato e tortura para impor seus interesses.
2) Terrorismo psicológico - Indução do medo por meio da divulgação de noticias em benefício próprio (ver: guerra psicológica)
3) Terrorismo de Estado - Recurso usado por governos ou grupos para manipular uma população conforme seus interesses.
4) Terrorismo econômico - Subjugar economicamente uma população por conveniência própria (ver: embargo econômico).
5) Terrorismo religioso - Quando o incentivo do terrorismo vem de aguma religião. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Terrorismo).
LEGISLAÇÕES RELACIONADAS
No âmbito dos acordos internacionais, o Brasil é signatário de tratados acerca da temática e internalizou duas Convenções por meio dos Decretos nº 4.394/02 e nº 5.640/05 que tratam, respectivamente, da Supressão de Atos Terroristas com Bombas e da Supressão do Financiamento do Terrorismo. O primeiro traz em seu bojo disposições relativas à prática do terrorismo com bombas, dispondo em seu 2º parágrafo que incorre em terrorismo quem
ilícita e intencionalmente entrega, coloca, lança ou detona um artefato explosivo ou outro artefato mortífero em, dentro ou contra um logradouro público, uma instalação estatal ou governamental, um sistema de transporte público ou uma instalação de infraestrutura:
a) com a intenção de causar morte ou grave lesão corporal;
b) com a intenção de causar destruição significativa deste lugar, ou rede que ocasione um grave (Decreto nº 4.394/02)
O decreto nº 5.640/05, por sua vez, abrange o financiamento para práticas características do terrorismo, definindo que estarão conditos no crime aqueles que
por qualquer meio, direta ou indiretamente, ilegal e intencionalmente, prover ou receber fundos com a intenção de empregá-los, ou ciente de que os mesmos serão empregados, no todo ou em parte, para levar a cabo:
a) Um ato que constitua delito no âmbito de e conforme definido em um dos tratados relacionados no anexo; ou
b) Qualquer outro ato com intenção de causar a morte de ou lesões corporais graves a um civil, ou a qualquer outra pessoa que não participe ativamente das hostilidades em situação de conflito armado, quando o propósito do referido ato, por sua natureza e contexto, for intimidar uma população, ou compelir um governo ou uma organização internacional a agir ou abster-se de agir (Decreto nº 5.640/05).
Além das previsões supracitadas, faz-se imprescindível citar a Lei de Organizações Criminosas nº 12.850/13 recentemente sancionada, a qual define em seu primeiro artigo e parágrafos o que vem a ser uma organização criminosa, e faz também remissão às infrações penais contidas em tratados internacionais, de modo a acolher, inclusive, o conceito de organizações terroristas disciplinadas em normativas internacionais convencionadas.
Não obstante, vale lembrar também que a Lei de Segurança Nacional Brasileira, de 1983, dispõe no art. 20 diversos verbos que poderiam classificar o modus operandi de espécies de terrorismo:
Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo (grifo nosso), por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Capez (2008) observa que a inserção de uma fórmula genérica deve ser interpretada no sentido de alcançar as outras práticas definidas naqueles respectivos verbos do art. 20 da Lei nº 7.170/83, tratando-se, portanto, de crime de ação múltipla, mas com finalidades específicas, a saber: por inconformismo político ou com o fim de obter fundos que visem a manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Distinguindo-se uma da outra, tem-se que
as organizações políticas clandestinas são aquelas constituídas ilegalmente; e as subversivas são as que não se submetem às leis ou autoridades constituídas, e que pretendam, ainda, destruir ou transtornar a ordem política, social e econômica estabelecida (p. 685).
Salvo a prática de atos de terrorismo, a princípio, todos os verbos supramencionados já são relacionados a tipos penais determinados no Código Penal Brasileiro, cujos respectivos títulos podemos mencionar: Título I, que compreende todos os crimes contra a pessoa; Título VIII, que tutela a incolumidade pública, destrinchado os tipos penais em capítulos - crimes de perigo comum, crimes contra a segurança dos meios de comunicação e transporte e outros serviços; e crimes contra a saúde pública. Mais adiante, reserva ainda o Título IX cuidar dos crimes contra a paz pública, atinentes também a organizações criminosas recentemente definidas pela Lei 12.850/13.
Ressalta-se que os crimes de perigo comum abrangem atividades como incendiar, explodir dinamites ou substância de efeitos análogos, desabamentos, entre outros, enquanto que os crimes contra a segurança abarcam tanto atentados contra segurança de transporte, como também o arremesso de projéteis. Para todos os tipos são previstas também suas respectivas formas qualificadas, nos casos em que a conduta resulte em lesão corporal grave ou morte.
ABRANGÊNCIA INTERNACIONAL
Com efeito, é importante lembrar os fatos históricos que trouxeram a polêmica do terrorismo para a rotina do brasileiro: queda das torres gêmeas em 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos. Após esse episódio, sem prejuízo ao respeito aqueles diretamente atingidos por este acontecimento atroz, todos os olhos se voltaram para uma ideia de que os americanos eram as vítimas e, por sua vez, os islamitas os vilões. Terrorismo, portanto, surge como a “prática do mal” feita por grupos extremistas, contra uma ordem do bem provinda da democracia tal qual a norte-americana. Os motivos que ensejam esse tipo de atentado continuam sendo pouco discutidos diante do potencial investimento nos meios de reprimi-los.
Nessa mesma ideia, justificaram-se inúmeras ações corretivas “do bem” e legitimadas pelas Nações Unidas contra países e ditaduras que dissipavam o “mal”. Tais ações e posicionamentos foram todos pautados em julgamentos de que o Oriente Médio se rebelava de forma arbitrária contra ideologias calcadas em uma ideia de democracia ocidental soberana. Portanto, se por um lado faz-se importante determinar o que seja terrorismo, precipuamente em abrangência internacional, mais importante ainda, seguindo este mesmo esteio, seria redefinir em face de que tipo de democracia internacional estamos amparados. Destarte, certamente se abriria um leque infindável de argumentos, posicionamentos e perspectivas, levando a clara conclusão que o exercício de definição do que vem a ser terrorismo nos levará, inevitavelmente, a um ciclo vicioso de retóricas, senão chegar a conclusões bastante levianas ou mesmo prolixas.
Recentemente, podemos citar tanto a detenção do presidente Boliviano, Evo Morales, ao sobrevoar países europeus, como a do brasileiro David Miranda, em Londres, como medidas descabidas no âmbito das relações internacionais em prol da “repressão ao terrorismo”. Segundo o Jornal Folha de São Paulo, o brasileiro teria sido detido por nove horas no aeroporto de Heathrow sem mandado judicial – prática permitida pela lei britânica – por suspeita de terrorismo. A manchete publicada no dia 19 de agosto indica que o brasileiro teve laptop, celular e outros equipamentos apreendidos. O porta voz da Scotland Yard – polícia metropolitana de Londres – afirma que o fato ocorreu sob o fundamento do disposto no artigo 7º do Terrorism Art 2000, mas se depreende da matéria tratar-se de desdobramentos de outro acontecimento envolvendo ações de espionagem da NSA – Agência de Segurança Nacional dos EUA. Indaga-se se tais ações são coerentes com a base da ideia de democracia elencada pela ideologia ocidente e, ainda, se tais acontecimentos se coadunam com a interpretação dada pela Carta da ONU atinente a seus propósitos conciliadores, no intuito de “desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal (inciso 2º, art. 2º, cap. I da Carta das Nações Unidas).
ABRANGÊNCIA NACIONAL
Ao sair do plano internacional e focar a realidade brasileira, podemos levar em conta que nenhum dos acontecimentos presenciados se enquadraria nas características propostas pelo enfoque dado ao terrorismo internacionalmente. Sequer as recentes manifestações em diversas cidades brasileiras contra o sistema de governança poderiam ser arroladas ao terror por fins ideológicos ou mesmo étnicos: todos os excessos e violências deparadas encontram tipos penais já disciplinados pela normativa penal nacional, cumprindo, portanto, destacar que o atual Código Penal brasileiro já tipifica condutas que possam tangenciar o arcabouço das práticas nos moldes “terroristas” internacionalmente debatidos.
Finalmente, o entendimento trazido pela Carta Magna Brasileira no que concerne aos princípios que regem o país em suas relações internacionais, o país se posiciona no sentido de repudiar toda e qualquer forma de terrorismo (art. 4º, inciso VIII da CF). Ademais, dentro dos direitos e garantias fundamentais, é imperativa a repressão a grupos armados, constituindo em crime inafiançável e imprescritível ações contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (inc. XLIV, art 5º da CF).
É certo, portanto, ser cogente o país elencar de forma técnica as condutas que ameacem a paz nacional, seja por que finalidade ou vertente – física, psicológica, religiosa, etc. É mister, ainda, se posicionar no âmbito internacional em relação aos ataques terroristas por meio de acordos e declarações, visto que poderia ser entendido erroneamente o fato de se abster dessa temática, acabando por incorrer em dificuldades inclusive econômicas em operações comerciais com outros países. Mas o que se questiona aqui é precisamente a viabilidade, ou mesmo, a necessidade interna de se determinar o que seria incutida a expressão terrorismo em face da realidade interna do país: que não possui ativismos étnicos nem ideológicos a ponto de se discriminar acontecimentos de caráter “terrorista”. Conseguintemente, mais se coadunaria com uma espécie de paranoia coletiva, podendo, inclusive, incitar modus operandis “terroristas”, que levar ao país a consciência de que a melhor forma de combater o crime seja por meio políticas preventivas eficazes. Exemplo disso foi a repercussão dada aos homicídios contra os policiais em São Paulo, que em pouco tempo se alastrou pelo país: em larga medida, a falta do entendimento sobre o que de fato fomenta um fenômeno sistêmico e de grande complexidade pode implicar muitas vezes a reações incoercíveis.
Posto isso, é importante destacar que a tão imprescindível prevenção poderia se dar com importantes investimentos em programas de segurança pública, como é exemplo a ideia do PRONASCI – Programa Nacional de segurança Pública com Cidadania. A finalidade do Programa, além de integrar diferentes competências de órgãos de segurança – polícias federal, civis e militares - é no sentido de incentivar a participação de famílias e da comunidade, mediante projetos de assistência técnica, financeira e em ações de mobilização social, em projetos que reforcem o entendimento de que a segurança pública é uma “questão transversal, que demanda intervenção de várias áreas do poder público, de maneira integrada, não apenas com repressão, mas também com prevenção”. (http://portal.mj.gov.br/data/Pages). Ainda no arcabouço das iniciativas federais, projetos como “Pensando a Segurança Pública”, divulgado também pelo Ministério da Justiça, busca discutir a temática levando a conclusões inequívocas: a inexistência de uma cultura de valorização da informação, entre outros problemas, faz como que a sociedade não tenha conhecimento da magnitude do significado da violência, acabando por aceitar e acreditar no que é oferecido por canais precários de informação, mormente os midiáticos (de Figueiredo, Neme; e Lima, 2013).
CONCLUSÃO
Posto que a palavra terrorismo abarque uma multiplicidade de sentidos, quiçá seja desperdício procurar enquadrá-la em verbos estanques, de modo a aumentar o rol de crimes contidos em nosso sistema. Mal a segurança pública consegue dar conta dos crimes já praticados, em um contexto penitenciário também esgotado e ainda com centenas de mandados de prisão a serem cumpridos, a sociedade brasileira como um todo insiste pensar de maneira retrograda, de forma a retroalimentar a perspectiva de que a criminalização ou a retribuição de penalidades seja a saída mais fácil para enfrentar o problema da violência. Com o fulcro, portanto, em apoiar iniciativas preventivas, tanto no que diz respeito a práticas do crime organizado, como em relação a violência das mais diversas, podemos chegar a conclusão de que em nada irá prosperar a prevenção, tampouco à repressão de atividades consideradas terroristas com a simples taxatividade ou tipificação das condutas que caracterizem material e formalmente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
- Capez, Fernando. Curso de direito penal : legislação penal especial, volume 4 / Fernando Capez. – 7. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012.
- Constituição Federal Brasileira de 1988;
- Decreto nº 4.394, de 26 de setembro de 2002, disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4394.htm> Acesso em 20 ago. 2013.
- Decreto nº 5.640/05, de 26 de dezembro de 2005, disponível em <http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/96116/decreto-5640-05#> Acesso em 20 ago. 2013.
- Fleck, Isabel. Londres Detém Brasileiro por Terrorismo Folha de São Paulo, São Paulo, A11 [19 de ago., 2013].
- Homicídios no Brasil: registro e fluxo de informações/ organização: Isabel Seixas de Figueiredo, Cristina Neme e Cristiane do Socorro Loureiro Lima. – Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), 2013. 409 p. : il. – (Coleção Pensando a Segurança Pública ; v. 1)
Disponível em <http://www.portaisgoverno.pe.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=902aef2a-d6ae-4015-a5cf-60ba8ef9cf57&groupId=124015>Acesso em 20 ago. 2013.
- Rabello, Aline L. O conceito de terrorismo nos jornais americanos. Uma análise de textos do New York Times e do Washington Post logo após os atentados de 11 de setembro, p.11. Rio de Janeiro. PUC-RJ, 2007, disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Terrorismo.
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Terrorismo. Acesso em 20 ago. 2013.
- http://www.justica.gov.br/portal/ministerio-da-justica/ Acesso em 20 ago. 2013.
Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário UDF. Especialização lato-sensu em Direito Público pelo Instituto Processus em 2009. Assistente -Técnica no Departamento de Operações de Comércio Exterior - DECEX, Secretaria de Comércio Exterior - SECEX, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARFAN, Andréa de Almeida. Análise da viabilidade de tipificação do terrorismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37284/analise-da-viabilidade-de-tipificacao-do-terrorismo. Acesso em: 22 nov 2024.
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