RESUMO: O objetivo do presente artigo é abordar a participação das entidades públicas federais no plano internacional, exercendo grande influência na evolução da política internacional e no processo de integração entre os países, trazendo ao debate as novas funções assumidas por essas instâncias de governo, assim como sobre os limites e as possibilidades de sua atuação no plano internacional, considerando os óbices constitucionais existentes.
PALAVRAS-CHAVE: Globalização. Administração Pública Federal. Política Externa. Descentralização. Constituição Federal de 1988. Possibilidades e Limites.
O fenômeno de globalização econômica, política, social e cultural, no contexto atual, tem sido o fator determinante no desenvolvimento da dinâmica tradicional do processo de integração entre os países.
A atuação no plano internacional é tradicionalmente efetivada pelo ente central, que costuma representar o conjunto de interesses nacionais no âmbito externo.
A Constituição Federal de 1988, em matéria de política externa, centra poderes no Estado federal, ao afirmar ser competência da União a manutenção de relações com Estados estrangeiros[1] e ser prerrogativa do presidente da República a celebração de atos internacionais[2].
Nesse sentido, Tatiana Lacerda Prazeres[3], ao dissertar sobre o federalismo brasileiro, reafirma:
O caráter centralizador da federação brasileira fez-se sentir também em matéria de condução de política externa. Neste particular, todas as constituições brasileiras, desde a adoção do federalismo, seguiram o mesmo padrão, atribuindo exclusivamente ao presidente da República o poder da celebração de compromissos internacionais. Mesmo a primeira Constituição republicana e federal trazia em seu artigo n. 48, itens 14 e 16, que, entre as competências privativas do presidente da República, estavam: manter as relações com Estados estrangeiros e entabular negociações internacionais; celebrar ajustes, convenções e tratados, sempre ad referendum do Congresso Nacional. Com a atual Constituição brasileira, de 1988, a reiterar os princípios que desde as origens do federalismo orientaram a condução da política externa nacional, perfazem-se mais de cem anos de tradição centralizadora quanto à representação externa do país.
Segundo a citada articulista, tanto a doutrina constitucional quanto a Consultoria Jurídica do Ministério das Relações Exteriores defendem o posicionamento no sentido de que o Estado federal é o único que goza de personalidade jurídica, em termos de direito internacional, e, portanto, figura como uma unidade nas relações internacionais[4].
Não obstante o monopólio das ações externas, da política exterior, pela União, executada pelo Ministério das Relações Exteriores, a intensificação das relações internacionais tem despertado interesses de toda ordem na atuação direta de novos atores no plano externo.
A experiência empírica demonstra o crescimento de várias iniciativas adotadas por entes federais, tendo em vista as novas possibilidades decorrentes da atual cena internacional, independentemente da chancela da unidade central, o que se verifica, por exemplo, pelos acordos de cooperação celebrados diretamente entre entidades integrantes da Administração Publica Federal, de um lado, e entidades subestatais ou privadas de países estrangeiros, de outro.
Tais iniciativas externas são definidas como paradiplomacia, que pode ser definida como o envolvimento de governo subnacional nas relações internacionais, por meio do estabelecimento de contatos, formais e informais, permanentes ou provisórios (ad hoc), com entidades estrangeiras públicas ou privadas, objetivando promover resultados socioeconômicos ou políticos, bem como qualquer outra dimensão externa de sua própria competência constitucional[5].
Nesse sentido, Álvaro Chagas Castelo Branco[6], ao tratar do tema paradiplomacia, afirma que:
[...] É cada dia mais comum, no ordenamento jurídico brasileiro, órgãos integrantes da Administração Pública brasileira celebrarem atos internacionais com atores estrangeiros. De fato, órgãos do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, do Ministério Público, bem como do próprio Poder Executivo têm assumido, por conta própria, a condução de alguns projetos internacionais.
A propósito do assunto vários regimentos internos de entidades públicas federais dispensam artigos a respeito dessa relação com organismos internacionais, sendo oportuno destacar os seguintes:
INSS
[...]
Art. 15. À Diretoria de Benefícios compete:
[...]
III - propor ao Presidente o intercâmbio com entidades governamentais e instituições nacionais e internacionais;
IBAMA
[...]
Art. 11. Ao Gabinete compete:
[...]
VII - planejar, coordenar e supervisionar as atividades de assessoria internacional no que se refere à representação e ao intercâmbio e cooperação técnica com outros países, e com instituições e organismos estrangeiros e internacionais;
[...]
Art. 131. O IBAMA poderá celebrar acordos, contratos convênios, termos de parceria e de ajustamento de condutas e instrumentos similares com organizações públicas e privadas, nacionais estrangeiras e internacionais, visando à realização de seus objetivos.
DNIT
[…]
Art. 4º Ao DNIT compete:
[…]
XIII – firmar convênios de cooperação técnica com entidades e organismos nacionais e internacionais;
[...]
Art. 67 À Coordenação do Instituto de Pesquisa Rodoviária – IPR compete:
[...]
XXVII – manter o intercâmbio de informações sobre pesquisas e normalização em transporte com organizações nacionais e internacionais;
[...]
Art. 68 À Coordenação do Instituto Nacional de Pesquisa Hidroviária – INPH compete:
[...]
V – manter intercâmbio técnico-científico com instituições congêneres e afins de ensino e pesquisa nacionais, internacionais e estrangeiras;
[...]
XXIX – promover o intercâmbio de informações com a Biblioteca do IPR e os demais órgãos da Administração Pública e entidades privadas nacionais e internacionais;
[...]
Art. 99 À Diretoria de Infra-Estrutura Aquaviária compete:
[...]
XIV – realizar juntamente com a Diretoria de Planejamento e Pesquisa programas de pesquisa e de desenvolvimento tecnológico na área aquaviária, promovendo a cooperação técnica com entidades públicas ou privadas, nacionais ou internacionais.
ANTAQ
[...]
Art. 4º À ANTAQ compete:
[...]
III - firmar convênios de cooperação técnica com organismos nacionais e internacionais.
[...]
Art. 22 À Assessoria Internacional compete:
I - assessorar a Diretoria nas suas relações com organizações, organismos e fóruns internacionais, com entidades e com governos estrangeiros, visando a coordenação e o estabelecimento das posições de interesse da ANTAQ e a sua harmonização com as posições do Governo Brasileiro;
[...]
IV - assessorar a Diretoria na coordenação das atividades de cooperação técnica com entidades estrangeiras e internacionais;
ANAC
Art. 1º [...]
Parágrafo único. No exercício de suas competências, as atividades da ANAC se estruturam nas seguintes categorias: (Incluído pela Resolução nº 245, de 04.09.2012)
[...]
V - Representação institucional: envolve as atividades de gestão da imagem da ANAC, de audiências públicas, de relacionamento com a sociedade, regulados, entes públicos e órgãos de controle e de articulação e negociação de acordos com organismos internacionais e nacionais.
[...]
Art. 65. À Superintendência de Relações Internacionais compete:
[...]
VII - assessorar a Diretoria na coordenação dos assuntos relativos à representação da ANAC junto aos organismos internacionais, bem como manter contato com o Ministério das Relações Exteriores e com a Delegação Permanente junto à Organização de Aviação Civil Internacional - OACI, nos assuntos de sua competência;
ANATEL
[...]
Art. 167. A Assessoria Internacional tem como competência:
I - assessorar o Conselho Diretor nas atividades que envolvam interação da Agência com organizações internacionais, administrações e instituições estrangeiras com vistas à consecução de objetivos de interesse comum;
[...]
III - coordenar as atividades de escopo internacional da Agência e suas relações com organizações internacionais, administrações e instituições estrangeiras, inclusive nos processos relativos a negociações de acordos internacionais que envolvam o setor de telecomunicações;
[...]
VI - coordenar a execução de projetos integrantes de acordos da Agência com organizações internacionais;
ANVISA
[...]
Art. 31. São atribuições do NUCLEO DE ASSESSORAMENTO EM ASSUNTOS INTERNACIONAIS:
[...]
II - propor ao Diretor da área o desenvolvimento e o planejamento dos programas, projetos e atividades internacionais nas áreas referentes aos temas de vigilância sanitária, com base nas normas internacionais vigentes, em articulação com os demais órgãos envolvidos;
CADE
[...]
Art. 11. Compete ao Presidente do Tribunal:
[...]
XIX - executar e obter a cooperação mútua e o intercâmbio de informações com órgãos de defesa da concorrência de outros países, ou com entidades internacionais, nas atividades relacionadas à proteção da livre concorrência, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, e, na ausência destes, com base na reciprocidade;
Como já mencionado, as restrições invocadas à atuação internacional das entidades públicas federais, no ordenamento jurídico pátrio, envolvem competências constitucionais estabelecidas para as diferentes esferas de governo, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 apresenta rígidos obstáculos à atuação internacional.
Por outro lado, porém, as autarquias e fundações públicas federais têm pleno direito de participar de política internacional no campo de sua especialidade, desde que não assumam compromissos jurídicos. Caso sejam estes assumidos, não terão validade alguma por se mostrarem incompatíveis com a ordem jurídica vigente.
Desse modo, mesmo não sendo reconhecidas como membros plenos do Direito Internacional, as referidas entidades subestatais podem ser vistas, sim, como novos atores presentes no espaço internacional, mantendo o intercâmbio e promovendo a articulação com órgãos e demais organizações internacionais, sem que isso, reitere-se, implique na assunção de responsabilidades e compromissos para a República Federativa do Brasil.
Desse modo, a despeito de relacionamento entre entidade subestatal brasileira e entidade estrangeira de natureza jurídica de direito internacional, o instrumento a ser utilizado para formalizar o ajuste pretendido não se equipara a ato internacional de direito público, na medida em que não acarreta responsabilidade e compromissos para a República Federativa do Brasil.
Caso contrário, não estaria a entidade subestatal, desprovida de personalidade jurídica para atuar no cenário internacional, autorizada a firmar o referido ato.
Nesse contexto, do site do Ministério das Relações Exteriores[7], extraem-se as seguintes conclusões:
Qualquer autoridade pode assinar um ato internacional, desde que possua Carta de Plenos Poderes, firmada pelo Presidente da República e referendada pelo Ministro das Relações Exteriores. Segundo o artigo 7º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, a adoção ou autenticação de texto de tratado, bem como a expressão de consentimento em obrigar-se pelo mesmo, deve ser efetuada por pessoa detentora de plenos poderes. Exclui-se de tal regra para os tratados em geral, os Chefes de Estado, Chefes de Governo (por competência constitucional) e os Ministros das Relações Exteriores (por competência legal). Portanto, a capacidade de outros Ministros ou qualquer outra autoridade assinarem atos internacionais deriva de plenos poderes específicos para cada caso dada pelo Presidente da República. (grifou-se)
Nesse sentido, a existência de repercussão jurídica para a República Federativa do Brasil exigiria a delegação prévia, pelo Presidente da República, com trâmite do projeto pelo Ministério das Relações Exteriores, bem como aprovação pelo Congresso Nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal de 1988[8].
A rigor, esse ajuste a ser firmado equipara-se a instrumento congênere a convênio que deverá estrita observância à Lei 8.666/1993[9] e aos limites do respectivo regimento interno da entidade subestatal envolvida.
REFERÊNCIAS
PRAZERES, Tatiana Lacerda. Por uma atuação constitucionalmente viável das unidades federadas brasileiras. In: VIGEVANI, Tullo (Org.). A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: UNESP, 2004.
PRIETO, Noé Cornago. O outro lado do novo regionalismo pós-soviético e da Ásia-Pacífico. In: VIGEVANI, Tullo (Org.). A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: UNESP, 2004.
CASTELO BRANCO, Álvaro Chagas. Paradiplomacia & entes não-centrais no cenário internacional. Curitiba: Juruá, 2008.
[1] Art. 21. Compete à União:
I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais;
[...]
[2] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
[...]
[3] PRAZERES, Tatiana Lacerda. Por uma atuação constitucionalmente viável das unidades federadas brasileiras. In: VIGEVANI, Tullo (Org.). A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: UNESP, 2004, p. 295.
[4] PRAZERES, Tatiana Lacerda. Por uma atuação constitucionalmente viável das unidades federadas brasileiras. In: VIGEVANI, Tullo (Org.). A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: UNESP, 2004, p. 296-297.
[5] PRIETO, Noé Cornago. O outro lado do novo regionalismo pós-soviético e da Ásia-Pacífico. In: VIGEVANI, Tullo (Org.). A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: UNESP, 2004, p. 251.
[6] CASTELO BRANCO, Álvaro Chagas. Paradiplomacia & entes não-centrais no cenário internacional. Curitiba: Juruá, 2008. p. 102-103.
[7] Disponível em: http://dai-mre.serpro.gov.br/apresentacao/tramitacao-dos-atos-internacionais/. Acesso em: 18.11.2013.
[8] Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
[9] Art. 2o As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.
Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração.
Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Brasília. Chefe de Licitações, Contratos Administrativos e Matéria de Pessoal da Procuradoria Federal junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários em Brasília/DF. Ex-Chefe da Seção de Consultoria e Assessoramento da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em São Luís/MA. Ex-Chefe da Divisão de Patrimônio Imobiliário da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Brasília/DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TARCíSIO GUEDES BASíLIO, . A participação das entidades públicas federais no plano internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37366/a-participacao-das-entidades-publicas-federais-no-plano-internacional. Acesso em: 22 nov 2024.
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