INTRODUÇÃO
O nosso código penal, por tratar de um dos direitos fundamentais mais sensíveis, a liberdade, deveria estar sempre se atualizando, refletindo a realidade social de sua época, buscando meios mais eficazes de reprimir a criminalidade, sem esquecer seu papel socioeducativo. No entanto, isso não vinha acontecendo, sendo a lei 12.015/2009 um marco transformador.
A SISTEMÁTICA DA LEI 12.015/2009 E O ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR
De início, impende destacar que a Lei nº 12.015/2009 já começou seu papel reformador pela nomenclatura nova que atribuiu ao Título VI do código penal-CP, que na redação original, de 1940, era “dos crimes contra os costumes”, passando agora a denominar-se “dos crimes contra a dignidade sexual”.
Então, uma indagação que pode ser feita é por que alterar-se a denominação? A resposta é simples, com a evolução da sociedade através dos anos os conceitos também se modificaram, sendo a redação originária tida hoje em dia como preconceituosa e pejorativa contra a mulher, pois o costume é a reiteração de um comportamento com a crença de sua obrigatoriedade, algo que não refletia as condutas tipificadas no título VI do CP. Era uma falsa moralidade em relação à mulher, um comportamento sexual imposto apenas a ela.
A nova redação observou as pertinentes críticas que a doutrina lhe fazia, trazendo como fundamento a dignidade da pessoa humana: “Assim, não é mais a moral sexual que clama proteção, e sim o direito individual da mulher, sua liberdade de escolha do parceiro e o consentimento na prática do ato sexual”.
Em uma visão ainda mais moderna, é de ver-se que esse direito não é apenas da mulher, mas se estende a qualquer pessoa, principalmente com a revogação do art.214 do código penal pela Lei nº 12.015/2009, que tratava do atentado violento ao pudor, utilizado para enquadrar a vítima do sexo masculino:
Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 (Revogado pela Lei nº 12.015, de 2009)
Hoje, com a nova tipificação trazida no artigo 213 do código penal pela Lei nº 12.015/2009, os dois crimes foram reunidos em um só tipo:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
O informativo nº 577 do STF não deixa dúvidas sobre a unificação das condutas do art. 214 e 213 do CP com o advento da Lei nº 12.015/2009, que passou a formar um tipo penal misto alternativo.
A Turma deferiu habeas corpus em que condenado pelos delitos previstos nos artigos 213 e 214, na forma do art. 69, todos do CP, pleiteava o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Observou-se, inicialmente, que, com o advento da Lei 12.015/2009, que promovera alterações no Título VI do CP, o debate adquirira nova relevância, na medida em que ocorrera a unificação dos antigos artigos 213 e 214 em um tipo único [CP, Art. 213: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009).”]. Nesse diapasão, por reputar constituir a Lei 12.015/2009 norma penal mais benéfica, assentou-se que se deveria aplicá-la retroativamente ao caso, nos termos do art. 5º, XL, da CF, e do art. 2º, parágrafo único, do CP. HC 86110/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 2.3.2010. (HC-86110)
Nas lições de Rogério Sanches Cunha, essa junção trouxe novo significado ao vocábulo estupro:
“gerando, desse modo, uma nova acepção ao vocábulo estupro, hoje significando não apenas conjunção carnal violenta, contra homem ou mulher(estupro em sentido estrito), mas também o comportamento de obrigar a vítima, homem ou mulher, a praticar ou permitir que com o agente se pratique outro ato libidinoso.”
Diante desse fato, um outro questionamento que poderia surgir diz respeito a se o atentado violento ao pudor deixou de ser crime, se teria havido uma abolitio criminis.
Sobre o ponto, cita-se a posição do Supremo Tribunal Federal que entende ter ocorrido apenas uma manifestação do princípio da continuidade típico normativa, havendo tão somente uma transmudação geográfica da conduta típica, não se falando em abolitio criminis, uma vez que para a configuração deste último seria necessário a conjugação de dois fatores: revogação formal do tipo mais supressão do fato criminoso(a conduta que constituía o crime deve deixar de existir), o que não ocorreu:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ABOLITIO CRIMINIS EM RELAÇÃO AO DELITO DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVA TÍPICA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PALAVRA DA VÍTIMA”.3. Agravo NÃO CONHECIDO.(ARE 775207-MG, Relator Min. LUIZ FUX, Julgamento em 21/102013, Publicação: DJe-212 DIVULG 24/10/2013 PUBLIC 25/10/2013). Negrejou-se.
No mais, não se poderia deixar de acentuar que no código penal militar o atentado violento ao pudor ainda possui previsão específica em seu art. 233:
Art. 233. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a presenciar, a praticar ou permitir que com ele pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, sem prejuízo da correspondente à violência.
Por fim, com a migração do tipo do art. 214 para o art.213 do CP sua conduta passou a ser tipificada como estupro, e este, em todas as suas modalidades, seja consumado ou tentado, é crime hediondo.
CONCLUSÃO
A Lei 12.015/2009 trouxe inúmeras modificações ao código penal, que data de 1940, sendo uma tentativa de atualizar nossa legislação às transformações sociais.
O atentado violento ao pudor, conduta reprovável, manteve-se criminalizado/tipificado, só que com nova roupagem.
BIBLIOGRAFIA
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. 5ª Ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2013.
SANDEVILLE, Lorette Garcia.Crimes sexuais: seu perfeito enquadramento jurídico. Boletim IBCCrim nº 25, jan. 1995.
http://www.stf.jus.br/portal/informativo/verInformativo.asp?s1=estupro+atentado&pagina=11&base=INFO. Texto extraído em 22/11/2013.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm. Texto extraído em 23/11/2013.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Tento extraído em 23/11/2013.
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