RESUMO: Dentre as entidades que integram o terceiro setor, encontram-se as Organizações Sociais – OSs e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIPs. As OSs são pessoas jurídicas de direito privado, sem finalidade lucrativa, criadas para prestar serviços sociais não-privativos do Poder Público, mas por ele incentivadas e fiscalizadas, e assim qualificadas após o ajuste de um contrato de gestão. As OSCIPs têm conceito similar, mas são mais bem concebidas do que a primeira, com requisitos mais rígidos para que recebam essa qualificação jurídica. As entidades têm algumas características semelhantes, como o regime jurídico de direito privado, as limitações genéricas, os objetivos próximos e a relação direta com o Estado, mas também importantes distinções relativas ao instrumento que formaliza a relação, às áreas de atuação, à discricionariedade do ato de certificação, à necessidade de preexistência da entidade e presença do Poder Público no Conselho de Administração.
1 – Considerações iniciais.
Durante os anos 90, houve a chamada “Reforma Administrativa”, com o fito de promover a prestação de serviços de interesse coletivo pela sociedade civil, desincumbindo a Administração de algumas atividades.
Em razão disso, as organizações não-governamentais tiveram um grande crescimento, passando a ser identificadas como “terceiro setor”, como complementar ao primeiro (Estado) e segundo setores (mercado).
Também conhecidas como entidades paraestatais, essas instituições privadas têm como características comuns a ausência de finalidade lucrativa, o exercício de atividades de interesse estatal e a possibilidade de receber alguma forma de incentivo público.
São, portanto, pessoas jurídicas de direito privado que não pertencem à Administração Indireta, mas apenas colaboram com o Estado em atividades de seu interesse.
A existência do terceiro setor é fundamentada no princípio da subsidiariedade, de acordo com o qual o Poder Público não deve prestar serviços que a sociedade civil tem condições de entregar[1]. Nesse sentido[2]:
A grande virtude do princípio está em que a partir dele se dá primazia ao grupo social e ao indivíduo, com a devolução à sociedade civil de matérias de interesse geral que possam ser eficazmente por ela realizadas.
Dentre as entidades integrantes do terceiro setor, temos as Organizações Sociais (OSs) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), cujas características, semelhanças e distinções serão tratadas a seguir.
2 – Organizações Sociais.
As Organizações Sociais (OSs) são pessoas jurídicas de direito privado, sem finalidade lucrativa, criadas para prestar serviços sociais não-privativos do Poder Público, mas por ele incentivadas e fiscalizadas, e assim qualificadas após o ajuste de um contrato de gestão.
A legislação não estabelece o conceito exato das Organizações Sociais, mas o art. 1º da Lei nº 9.637/1998 traz algumas de suas características:
Art. 1º. O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro[3], a Organização Social:
(...) é a qualificação jurídica dada à pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, instituída por iniciativa de particulares, e que recebe delegação do Poder Público, mediante contrato de gestão, para desempenhar serviço público de natureza social.
A instituição das entidades como Organizações Sociais deve obedecer às condições da Lei n.º 9.637/98, que prevê, dentre outros: as atividades de interesse público que poderão ser prestadas (art. 1: ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde); a discricionariedade do ato de qualificação da entidade (art. 2º, II); a desnecessidade de preexistência da pessoa jurídica para que receba essa qualificação (art. 2º, I); a existência de Conselho de Administração, com participação de representantes do Estado (art. 3º, I, a); e o ajuste do contrato de gestão, onde são definidas as formas de incentivo do Poder Público (arts. 5º a 7º e 11 a 15).
Do exposto, já podemos extrair três importantes características das Organizações Sociais. Primeiro, que se trata de uma qualificação jurídica conferida a uma entidade sem fins lucrativos, que preencham as exigências legais; segundo, que a área de atuação é restrita aos serviços públicos não exclusivos do Estado; terceiro, a necessidade da formalização de um contrato de gestão, que estabelece o vínculo entre as OSs e o Poder Público.
A Lei n.º 9.637/98 é alvo de inúmeras críticas doutrinárias, em razão da sua alegada flexibilidade, voltada para a redução da presença do Estado na prestação dos serviços públicos e com regras de constitucionalidade questionável.
Por exemplo, a lei admite que uma Organização Social absorva um órgão da administração, após sua extinção. A OS pode, portanto, prestar um serviço público, delegado pelo Estado, com a possibilidade de receber recursos orçamentários e bens públicos, bem como ceder servidores indispensáveis à execução do contrato de gestão. É o que dispõe o art. 22 da Lei n.º 9.637/98:
Art. 22. As extinções e a absorção de atividades e serviços por organizações sociais de que trata esta Lei observarão os seguintes preceitos:
I - os servidores integrantes dos quadros permanentes dos órgãos e das entidades extintos terão garantidos todos os direitos e vantagens decorrentes do respectivo cargo ou emprego e integrarão quadro em extinção nos órgãos ou nas entidades indicados no Anexo II, sendo facultada aos órgãos e entidades supervisoras, ao seu critério exclusivo, a cessão de servidor, irrecusável para este, com ônus para a origem, à organização social que vier a absorver as correspondentes atividades, observados os §§ 1o e 2o do art. 14;
II - a desativação das unidades extintas será realizada mediante inventário de seus bens imóveis e de seu acervo físico, documental e material, bem como dos contratos e convênios, com a adoção de providências dirigidas à manutenção e ao prosseguimento das atividades sociais a cargo dessas unidades, nos termos da legislação aplicável em cada caso;
III - os recursos e as receitas orçamentárias de qualquer natureza, destinados às unidades extintas, serão utilizados no processo de inventário e para a manutenção e o financiamento das atividades sociais até a assinatura do contrato de gestão;
IV - quando necessário, parcela dos recursos orçamentários poderá ser reprogramada, mediante crédito especial a ser enviado ao Congresso Nacional, para o órgão ou entidade supervisora dos contratos de gestão, para o fomento das atividades sociais, assegurada a liberação periódica do respectivo desembolso financeiro para a organização social;
V - encerrados os processos de inventário, os cargos efetivos vagos e os em comissão serão considerados extintos;
VI - a organização social que tiver absorvido as atribuições das unidades extintas poderá adotar os símbolos designativos destes, seguidos da identificação "OS".
§ 1o A absorção pelas organizações sociais das atividades das unidades extintas efetivar-se-á mediante a celebração de contrato de gestão, na forma dos arts. 6o e 7o.
§ 2o Poderá ser adicionada às dotações orçamentárias referidas no inciso IV parcela dos recursos decorrentes da economia de despesa incorrida pela União com os cargos e funções comissionados existentes nas unidades extintas.
Tal previsão é bastante polêmica, pois se identifica um óbice constitucional: a necessidade de licitação para a absorção do órgão público extinto, eis que implicará no uso exclusivo de bens públicos.
Nessa linha, é importante observar que a Lei 8.666/93 prevê, como hipótese de dispensa de licitação, os contratos de prestação de serviços celebrados entre a entidade pública e a Organizações Sociais (art. 24, XXXIV). Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE GESTÃO. LICITAÇÃO. DISPENSA. 1. O contrato de gestão administrativo constitui negócio jurídico criado pela Reforma Administrativa Pública de 1990. 2. A Lei n. 8.666, em seu art. 24, inciso XXIV, dispensa licitação para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão. 3. Instituto Candango de Solidariedade (organização social) versus Distrito Federal. Legalidade de contrato de gestão celebrado entre partes. 4. Ausência de comprovação de prejuízo para a Administração em razão do contrato de gestão firmado. 5. A Ação Popular exige, para sua procedência, o binômio ilicitude e lesividade. 6. Recurso especial improvido. (STJ, RESP 200701138640, Rel. Min. José Delgado, 1ª Turma, DJE 23/06/2008)
Outra crítica comum reside na desnecessidade da pré-existência da entidade privada que pretender ser Organização Social. As atualmente existentes decorrem do processo de extinção de órgãos públicos, razão pela qual há quem considere se tratar de uma mera privatização do serviço público.
Também é um ponto de discussão o fato de a qualificação, como Organização Social, ser conferida por ato discricionário da administração (art. 2º, inciso II, da Lei n.º 9.637/98), o que se considera uma forma de interferência do Estado nas entidades, bem como uma possibilidade de quebra do princípio da impessoalidade.
Igualmente, a doutrina questiona a ausência de um prazo mínimo de constituição das entidades privadas a serem qualificadas como Organizações Sociais, ao contrário do que faz, por exemplo, com as entidades de fins filantrópicos (três anos de funcionamento).
A inexistência de definição legal das contrapartidas ao Estado e do mínimo de serviços que devem ser prestados também são alvos de críticas. Parte dos juristas entende que relegar esses limitadores aos momentos da celebração do contrato de gestão representa um grande risco.
Contudo, não se identificam apenas críticas às Organizações Sociais e à Lei n.º 9.637/98. A norma trouxe avanços em comparação com as que a antecederam, como aquela que estabelecia o título de utilidade pública.
É o caso da necessidade de os estatutos das entidades satisfazerem os requisitos arrolados no art. 3º da Lei nº 9.637/1998, sendo prevista a participação de representantes do Estado e da sociedade.
Outro ponto positivo foi a instituição do contrato de gestão, que concede limites e estabelece metas a serem atingidas pela entidade, circunstância importante para o controle do uso dos recursos públicos destinados.
Além disso, é considerado um avanço a exigência de publicação anual, no Diário Oficial da União, do relatório de execução do contrato de gestão. Tudo isso é uma tentativa de efetivar controles que compensem as facilidades conferidas às Organizações Sociais.
Com a evolução do processo de transferência de serviços públicos não-privativos do Poder Público a entidades privadas, surgiram as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), instituídas pela Lei n.º 9.790/1999, as quais serão analisadas no capítulo seguinte.
3 – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).
As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), com algumas distinções que se apresentará a seguir, possuem semelhanças em relação às Organizações Sociais porque também são entidades de direito privado, sem finalidade lucrativa, instituídas para prestar serviços sociais não privativos do Poder Público, mas por ele incentivadas e fiscalizadas.
Nas palavras de Di Pietro[4]:
Trata-se de qualificação jurídica dada a pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização do Poder Público, mediante vínculo jurídico por meio de termo de parceria.
Encontramos muitas semelhanças entre a OSCIP e a OS, sendo que a primeira foi mais bem concebida do que a outra, com requisitos mais rígidos para que a instituição privada receba essa qualificação jurídica.
Segundo a Lei n.º 9.790/99, estão excluídas de receber essa qualificação as sociedades comerciais, sindicatos, organizações religiosas, partidárias, hospitais e escolas privados, entre outros (art. 2º).
Note-se, no entanto, a impossibilidade de uma OS qualificar-se como OSCIP (inciso IX do art. 2º). Muitas regras das OSCIPs decorrem das normas das OSs, razão pela qual não se compreendem as razões dessa proibição.
Já o art. 3º contempla as atividades que devem ser exercidas pelas entidades com interesse em se transformar em OSCIP. Isso se justifica porque, ao contrário das OSs, o ato de qualificação das OSCIPs é vinculado, conforme disposto no §3º do art. 6º da lei.
Outro ponto importante é a possibilidade de as OSCIPs acumularem essa certificação com outra qualificação até cinco anos da data de vigência da Lei:
Art. 18. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com base em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, desde que atendidos aos requisitos para tanto exigidos, sendo-lhes assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, até cinco anos contados da data de vigência desta Lei. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)
§ 1o Findo o prazo de cinco anos, a pessoa jurídica interessada em manter a qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia automática de suas qualificações anteriores. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.216-37, de 2001)
§ 2o Caso não seja feita a opção prevista no parágrafo anterior, a pessoa jurídica perderá automaticamente a qualificação obtida nos termos desta Lei.
Essas são, portanto, as principais características das OSCIPs. Passa-se, agora, a identificar as semelhanças e, principalmente, as distinções entre as OSs e OSCIPs.
4 – Similaridades e distinções entre as OSs e OSCIPs.
Elencadas as principais características das Organizações Sociais e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, verifica-se uma série de semelhanças, como o regime jurídico de direito privado, as limitações genéricas, os objetivos próximos e a relação direta com o Estado. Por outro lado, também é possível identificar uma série de distinções, as quais serão tratadas a seguir.
A primeira consiste no instrumento que estipula a relação entre a entidade e o Estado. Enquanto que as OSs firmam Contrato de Gestão, as OSCIPs assinam Termo de Parceria. Para as OSs, o Contrato de Gestão é o fundamento da sua existência, enquanto que, para as OSCIPs, o Termo de Parceria é uma opção, como substitutivo do convênio.
Em relação às áreas de atuação, como já referido, as OSs somente podem exercer atividades de interesse público no campo do ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde (art. 1º da Lei n.º 9.637/98). Trata-se de um rol taxativo. Já as OSCIPs detêm uma área de atuação mais ampla, pois podem desempenhar serviços sociais de assistência social, defesa e conservação do patrimônio público, promoção do voluntariado, combate à pobreza, promoção da paz, da cidadania e dos direitos humanos, entre outros (art. 3º da Lei n.º 9.790/99); ou seja, tem um rol exemplificativo de atuação.
Outra diferença está no ato de qualificação da entidade: enquanto que as OSs são alçadas a esse patamar mediante um ato discricionário do Poder Público, as OSCIPs têm direito ao título de entidade de utilidade pública, quando preencherem os requisitos da Lei n.º 9.790/99.
Dentre os requisitos previstos na Lei n.º 9.790/99, está a preexistência da entidade privada que passará a ser qualificada como OSCIPs, exigência que não se aplica às OSs. Segundo Di Pietro[5], “isto evita que entidades fantasmas, sem qualquer patrimônio e sem existência real, venham a pleitear o benefício.”
Para finalizar, outra importante diferença entre as entidades está na inexistência de representante do Poder Público no Conselho de Administração da OSCIPs (formado pelos sócios), ao contrário do que ocorre nas OSs.
Essas são, portanto, as principais características, semelhanças e distinções entre as Organizações Sociais (OSs) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei n.º 9.637, de 15 de janeiro de 1998. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 18 maio de 1998.
BRASIL. Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 junho de 1993.
BRASIL. Lei n.º 9.790, de 23 de março de 1999. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 março de 1999.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 27.
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte, Del Rey, 1994, p. 16.
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 27.
[2] ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte, Del Rey, 1994, p. 16.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
[4] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
[5] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 501.
Procurador Federal. Subprocurador-Geral do INSS. Especialista em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Especialista em Direito Público pela UNIDERP. Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASSEPP, Alexandre Azambuja. Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público: similaridades e distinções Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37392/organizacoes-sociais-e-organizacoes-da-sociedade-civil-de-interesse-publico-similaridades-e-distincoes. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
Por: maria edligia chaves leite
Por: MARIA EDUARDA DA SILVA BORBA
Por: Luis Felype Fonseca Costa
Por: Mirela Reis Caldas
Precisa estar logado para fazer comentários.