Diz o eminente jurista Luiz Flávio Gomes que “A polêmica da perda do mandato se instaurou, sobretudo na mídia, não por falta de regras, sim, por excesso delas”.
Em seguida, com o peso de sua reconhecida e proclamada autoridade científica, acrescenta: “Mas se trata apenas de um conflito aparente de normas, solucionável pelo critério hermenêutico da regra-exceção”.
Ademais, para aquele acatado mestre e tratadista do direito criminal, “O Supremo Tribunal Federal (data máxima vênia) errou ao não reconhecer o duplo grau de jurisdição a todos os réus, violando a decisão Barreto Leiva da Corte Interamericana”.
Mas, no nosso entender, essa perda de mandatos não pode ser automática em face das disposições, a propósito, especialmente contidas no texto constitucional em vigor.
É certo que o Código Penal, justamente, no artigo 92, inciso I, prevê, como efeito acessório da condenação criminal, duas hipóteses, em que há perda de cargo, função pública ou mandato eletivo; as hipóteses são aquelas que estão especificadas nas alíneas “a” e “b”, respectivamente: “quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; ou quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos.
O professor Luiz Flávio Gomes, com o respeito que merece de todos nós, pela sua indiscutível autoridade científica, em artigo publicado a respeito desse assunto, já entendeu que foi acertada a declaração de perda dos mandatos parlamentares federais condenados no tristemente famoso processo do mensalão.
E mais: segundo pude perceber, para eminente jurista, a perda dos mandatos se daria automaticamente, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Pois bem, examinando-se, atentamente, os dispositivos constitucionais atinentes à perda de mandado do deputado federal ou do Senhor, percebe-se que existem três situações em que ele (o parlamentar federal) pode perder o seu mandato, em decorrência de decisão proferida no âmbito do Poder Judiciário:
a- em caso de perda ou suspensão dos seus direitos políticos (art. 55, inciso IV,c/c o art. 15,III, CF/88 - condenação criminal transitada em julgado);
b- em caso de perda decretada pela Justiça Eleitoral, nas hipóteses estabelecidas pela própria Constituição Federal (art. 55, inciso V, da CF/88);
c- no caso de o parlamentar sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado (art. 55, inciso VI, CF/88).
Essas são, em síntese, as hipóteses em que, pelo Texto Constitucional em vigor, o parlamentar federal pode sofrer perda do seu mandato em razão de provimento condenatório definitivo prolatado pelo Poder Judiciário.
Mas, em nenhuma dessas três hipóteses, o parlamentar perde, automaticamente, o seu mandato.
Isso porque, como se pode verificar, a Constituição Federal determina que, para cada uma dessas hipóteses (incisos IV, V e VI, do artigo 55, CF/88), deverá haver um correspondente pronunciamento da Casa respectiva, seja de caráter declaratório, seja de caráter decisório, para que se concretize e se viabilize, enfim, a perda do mandato parlamentar eventualmente condenado em instância judicial.
Vejamos, em apertada síntese:
1ª - para a hipótese de perda ou suspensão dos direitos políticos, em razão do decreto condenatório criminal, de que trata o inciso IV, do art. 55, c/c o artigo 15, III, todos da CF/88, a Mesa da Casa respectiva é que deve declarar a perda do mandato, conforme previsto no § 3º, daquele dispositivo constitucional (§ 3º, do art. 55, CF/88);
2ª- para a hipótese de perda de mandato decretada pela Justiça Eleitoral, nos casos previstos na própria Constituição Federal, de que cuida o inciso V, artigo 55, da CF/88, a Mesa da Casa respectiva, do mesmo modo, é que deverá declarar a perda do mandado do parlamentar eventualmente condenado. Nesse sentido, pelo menos, é a norma que, nitidamente, se contém naquele mesmo § 3º do já referido artigo 55, da Carta Republica em vigor;
3ª- para a hipótese de condenação criminal em sentença transitada em julgado, a que alude o inciso VI, do mencionado artigo 55, da CF/88, a Mesa da Casa Legislativa não mais declarará a perda do mandato, mas, rigorosamente, deverá haver, nesse sentido, uma decisão a ser proferida pela própria Casa a que pertencer o parlamentar eventualmente condenado. Como se percebe, pois, no caso de sentença criminal condenatória em que não haja decretação de perda ou suspensão de direitos políticos, o parlamentar federal só perderá o seu mandato, se a Casa a que pertencer, nesse sentido, assim o decidir. A decisão, portanto, no tocante à perda do cargo eletivo, nesse caso, não é também do Judiciário, mas da respectiva Casa legislativa.
Do exposto, pode-se concluir que o Poder Judiciário, nas hipóteses aqui consideradas, não tem, constitucionalmente, competência, para decretar a perda automática do mandato de um deputado federal ou de um senador.
Além do mais, releva ponderar que a Constituição Federal, para cada um dos casos aqui contemplados, de modo bastante claro, assegura ao parlamentar ampla defesa, conforme, textualmente, se lê na parte final dos §§ 2º e 3º, do artigo 55, precedentemente destacados.
Ora, se a Constituição Federal garante ampla defesa está implicitamente dizendo que, para a perda do mandato, deve ser instaurado um procedimento específico, ao cabo do qual haverá certamente um julgamento, no qual se examinará a procedência ou improcedência dos argumentos trazidos pela defesa do parlamentar.
E é nesse julgamento, segundo entendo, que a Casa respectiva, em face dos meios probatórios de que dispuser, poderá acolher ou rejeitar os argumentos que forem expostos título de defesa, declarando ou decidindo, ao final, conforme o caso, acerca da perda do mandato do parlamentar eventualmente condenado.
Como se vê, a Constituição Federal, em nenhuma das hipóteses de perda de mandato do parlamentar federal em decorrência de decisão judicial condenatória, permite que o Poder Judiciário decrete automaticamente a perda do cargo eletivo federal sem a posterior participação deliberativa ou declaratória da Casa a que pertencer o parlamentar eventualmente condenado, conforme, claramente, se infere das normas contidas nos já mencionados parágrafos 2º e 3º, do artigo 155, da Carta Política em vigor.
De modo que, em se tratando, especialmente, de parlamentar federal, a norma do artigo 92, inciso I, do Código Penal, a meu ver, padece de eficácia diante da supremacia do texto constitucional em alusão.
Daí, portanto, a conclusão: ainda que o deputado federal ou senador venham a ser alvo de uma condenação criminal cumulada com declaração acessória de perda de cargo eletivo, os efeitos dessa eventual condenação somente se concretizarão após deliberação ou declaração específica da Casa legislativa a que pertencer o parlamentar eventualmente condenado, conforme se depreende dos comandos insertos nos dispositivos constitucionais em destaque (§§ 2º e 3º, art. 55, CF/88), pelo que se pode afirmar, com convicção, que o Poder Judiciário, em rigor, não tem competência institucional para, em sede de condenação criminal, decretar a perda automática de cargo eletivo federal!
Sic mihi videtur.
Precisa estar logado para fazer comentários.