1. Breves noções sobre a Arbitragem no Direito Brasileiro
Não obstante estar presente em diversos momentos na legislação brasileira, foi através da Lei nº 9.307, de 23 de novembro de 1996, que o legislador ordinário buscou internalizar de maneira definitiva o juízo arbitral no meio negocial brasileiro. Por intermédio de seu art. 1º, ficou previsto no mencionado diploma legal que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”[1].
Pela simples leitura do referido dispositivo de lei, vislumbra-se desde logo a existência de alguns requisitos básicos para a celebração da convenção arbitral. Exige-se, além da capacidade para contratar, que o objeto do litígio refira-se a direitos patrimoniais disponíveis.
Ademais, para que se submeta determinado conflito ao juízo de arbitragem, é necessário que os contraentes celebrem uma convenção de arbitragem, o que pode ser instrumentalizado pela cláusula compromissória e pelo compromisso arbitral.
A cláusula compromissória consiste, nos termos do art. 4º da Lei de Arbitragem, na convenção através da qual as partes comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir relativamente a um contrato. Em outras palavras, cuida-se, na verdade, de uma contratação preliminar, uma promessa de contratar futuramente.
Nesse sentido, cumpre destacar importante efeito estabelecido pela legislação ao tratar do compromisso arbitral, no sentido de que a resistência ou negativa da parte em submeter-se à arbitragem, caso surja posteriormente essa necessidade, pode ser afastada mediante execução específica dessa cláusula contratual. Sobre o tema, dispõe o caput do art. 7º da Lei de Arbitragem:
Art. 7º Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim.
Por sua vez, os parágrafos do citado art. 7º regulamentam o procedimento judicial através do qual se exige judicialmente a execução específica da referida cláusula.
Já o compromisso arbitral traduz a ideia da convenção através da qual as partes efetivamente submetem um litígio à arbitragem, de uma ou mais pessoas, consoante previsto no art. 9º da Lei nº 9.307/96.
Não obstante a Lei de Arbitragem tratar dos mais variados aspectos desse instituto jurídico, que possui feição contratual, como suas modalidades, requisitos, procedimento e demais formalidades exigidas, por não se tratar de objeto específico do presente estudo, não será tratado de maneira mais aprofundada.
No entanto, ainda assim, merece ser destacada a importância do diploma legal, na medida em que solucionou dois dos principais óbices para a ampla utilização da arbitragem no ordenamento jurídico brasileiro, consistentes na ausência de previsão legal para a inexecução da cláusula compromissória, atualmente suprida pela possibilidade de sua execução específica, além da necessidade de homologação obrigatória do laudo arbitral pelo Poder Judiciário, não mais exigida, conforme expressa previsão do art. 18.
Ainda sobre as facilidades ocasionadas pela disseminação da prática da arbitragem, Sílvio Venosa esclarece que:
Inegável é sua vantagem sob determinadas condições. Com frequência, as partes, mormente pessoas jurídicas de porte, levam aos tribunais assuntos excessivamente técnicos com amplas dificuldades ao juiz, que somente pode decidi-los louvando-se em custosas e problemáticas perícias. Valendo-se de árbitros de sua confiança, especialistas na matéria discutida, podem as partes lograr decisões mais rápidas e quiçá mais justas e técnicas. De outro lado, o sentido é aliviar o Poder Judiciário da pletora que assola invariavelmente os tribunais.[2]
Assim, vislumbram-se os principais fatores a incentivar a ampla utilização dessa ferramenta de solução de litígios, porquanto opera de forma mais célere e, muitas vezes, com maior rigor técnico do que o próprio Poder Judiciário, considerando as especificidades técnicas das hipóteses concretas e o enorme descrédito do Judiciário, em virtude da morosidade e inefetividade processuais.
2. A Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal
Através do art. 11, § único, da Medida Provisória nº 2.180-35/2001, ficou previsto que incumbirá ao Advogado-Geral da União adotar todas as providências necessárias ao deslinde, na seara administrativa, de controvérsias de natureza jurídica instauradas entre entidades da Administração Federal indireta, ou entre tais entes e a União.
Com fundamento no referido marco legal, foram desenvolvidas no âmbito da Advocacia-Geral da União – AGU as Câmaras de Conciliação ad hoc, objetivando atuar para a solução administrativa exclusivamente de determinados casos concretos postos à análise.
Posteriormente, considerando o sucesso das Câmaras ad hoc, por intermédio da Portaria AGU nº 1.281/2007, foi instituída a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal – CCAF, cuja principal atribuição consiste na busca pela solução administrativa, no seio da AGU, de controvérsias de natureza jurídica estabelecidas entre órgãos e entidades da Administração Federal, seja por conciliação, seja por arbitramento.
Nesse sentido, a Cartilha da CCAF, elaborada pela Escola da AGU, delimita adequadamente a definição e importância dessa Câmara permanente, ao dispor:
A CCAF foi criada com a intenção de prevenir e reduzir o número de litígios judiciais que envolviam a União, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas federais, mas, posteriormente, o seu objeto foi ampliado e hoje, com sucesso, resolve controvérsias entre entes da Administração Pública Federal e entre estes e a Administração Pública dos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Muitas são as vantagens desse novo instrumento de resolução de conflitos, já que na CCAF promove-se a conciliação de interesses divergentes dos diversos órgãos da Administração, estimulando-se a consolidação da prática conciliatória como mecanismo de redução dos conflitos, prática essa mais eficiente, porque construída por todos os envolvidos e que representa a racionalização de custos pela redução de demandas administrativas e judiciais envolvendo organismos da Administração Federal.
A CCAF além de tentar evitar a judicialização de novas demandas também encerra processos já judicializados, reduzindo sobremaneira o tempo na solução desses conflitos.[3]
Como visto, além das atividades de conciliação, também incumbe à CCAF o exercício das atividades de arbitragem. Nesse contexto, dispõe o art. 18 do Decreto nº 7.392/2010:
Art. 18. A Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal compete:
I - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da Advocacia-Geral da União;
II - requisitar aos órgãos e entidades da Administração Pública Federal informações para subsidiar sua atuação;
III - dirimir, por meio de conciliação, as controvérsias entre órgãos e entidades da Administração Pública Federal, bem como entre esses e a Administração Pública dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios;
IV - buscar a solução de conflitos judicializados, nos casos remetidos pelos Ministros dos Tribunais Superiores e demais membros do Judiciário, ou por proposta dos órgãos de direção superior que atuam no contencioso judicial;
V - promover, quando couber, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta nos casos submetidos a procedimento conciliatório;
VI - propor, quando couber, ao Consultor-Geral da União o arbitramento das controvérsias não solucionadas por conciliação; e
VII - orientar e supervisionar as atividades conciliatórias no âmbito das Consultorias Jurídicas nos Estados.[4] (Grifos Acrescidos)
Por sua vez, o art. 11 da citada Portaria AGU nº 1.281/2007, que criou a CCAF prevê que “a Consultoria-Geral da União, quando cabível, elaborará parecer para dirimir a controvérsia, submetendo-o ao Advogado-Geral da União nos termos dos arts. 40 e 41 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993”.
Assim, restou prevista a possibilidade de elaboração de parecer pela Consultoria-Geral da União, órgão integrante da AGU, para resolver a controvérsia posta. Ademais, nos moldes da LC nº 73/1993, os pareceres emitidos ou aprovados pelo Advogado-Geral da União, que sejam posteriormente ratificados pelo Presidente da República, terão efeitos vinculantes a toda Administração Federal, desde que publicado juntamente com o despacho presidencial que o aprova, obrigando, por outro lado, apenas as repartições interessadas, caso o parecer aprovado não seja publicado.
Observa-se, nesse contexto, que o modelo de arbitragem estabelecido na Lei nº 9.307/96 não se confunde com aquele previsto para a solução de litígios estabelecidos entre os entes da Administração Pública Federal, na medida em que os requisitos, os interessados e as formalidades são diversos.
3. A importância da Arbitragem na Administração Pública Federal
Apesar de haver a mencionada diferença quanto ao modelo de arbitragem utilizado no seio da Administração Pública Federal e aquele utilizado pelos particulares, com fulcro na Lei nº 9.307/96, os fundamentos e as facilidades que esse mecanismo de solução dos litígios agrega são comuns aos setores públicos e privados.
Inicialmente, cumpre mencionar que, apesar do Estado ter assumido através do Poder Judiciário o monopólio da atividade jurisdicional, facultando o acesso à justiça para os cidadãos, não se pode dizer que o mesmo desincumbiu-se da responsabilidade de resolver os conflitos postos de maneira efetiva e em tempo hábil. Pelo contrário, observa-se que o exercício do poder jurisdicional ocorre atualmente de forma morosa e ineficaz, em muitas oportunidades inviabilizando o próprio exercício de direitos.
Para que se busque uma maneira alternativa de solução de conflitos, os particulares, e, como se vê, a própria Administração Pública tem buscado a utilização de métodos alternativos, como é o caso da conciliação, e a própria arbitragem.
Nesse contexto, cumpre destacar ainda a mudança do papel que o Estado tem adquirido na sociedade, na medida em que tem sido cada vez mais impelido a buscar um modelo de atuação eficiente, considerando a escassez de recursos. Para ilustrar a mudança de postura, basta destacar a inserção do princípio da eficiência como valor fundamental, de alçada constitucional, a balizar a atuação de toda a Administração Pública, o que se deu através da edição da Emenda Constitucional nº 19/98.
Ora, na medida em que se exige eficiência em sua atuação, não se pode aceitar que os litígios domésticos, eventualmente surgidos no seio da Administração, sejam submetidos ao Judiciário, considerando a atual dificuldade desse Poder no exercício da função jurisdicional, além do considerável custo que a judicialização de litígios enseja. Nesse contexto:
A solução conciliada vai ao encontro da visão moderna do Estado Gerencial na medida em que traduz o cumprimento eficiente de suas finalidades, por meio de mão de obra qualificada e instrumentos adequados, evitando-se maiores custos e emprego de esforços desnecessários para solução de controvérsias envolvendo segmentos da administração pública.[5]
Por outro lado, a não se pode querer afastar a busca pela eficiência, sob o falso argumento de que implica num afastamento do princípio da legalidade. Nesse aspecto, é importantíssima a atividade do intérprete e aplicador do direito no sentido de buscar a efetivação de ambos os princípios, garantindo ainda a observância do postulado da indisponibilidade dos interesses públicos.
A tarefa de ponderar os princípios não pode ser considerada empreitada simples. Porém, sustentar que a utilização da arbitragem, por si só e de antemão, enseja ofensa à legalidade e à indisponibilidade do interesse público consiste em argumentação falaciosa, além de expor uma postura inadequada aos atuais valores que norteiam a Administração Pública.
Referências
Brasil. Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União. Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF: cartilha. 3ª ed. atual. Brasília: AGU, 2012. – revista e atualizada.
Brasil. Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União. Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF: Referencial de Gestão CCAF. Brasília: AGU, 2013, atualizada.
Brasil. Advocacia-Geral da União. Portaria Nº 1.281/2007. Disponível em: < http://www.agu.gov.br>. Acesso em: 20/11/2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20/11/2013.
BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm>. Acesso em: 25/11/2013.
BRASIL. Decreto nº 7.392/2010. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7392.htm>. Acesso em: 25/11/2013.
BRASIL. Lei nº 9.307/1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em: 25/11/2013.
BRASIL. Lei Complementar nº 73/1993. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp73.htm>. Acesso em: 25/11/2013.
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito administrativo, análise econômica e políticas públicas: Câmaras de Conciliação e Arbitragem no Executivo federal. Fórum Administrativo — Direito Público FA, Belo Horizonte, ano 9, n. 101, jul. 2009. Disponível em:<http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=58282>. Acesso em: 03/11/2013.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2004.
[1] BRASIL. Lei nº 9.307/1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9307.htm>. Acesso em: 25/11/2013.
[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 4ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2004. p. 601
[3] Brasil. Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União. Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF: cartilha. 3. ed. atual. Brasília: AGU, 2012. – revista e atualizada, p. 7.
[4] BRASIL. Decreto nº 7.392/2010. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7392.htm>. Acesso em: 25/11/2013.
[5] Brasil. Advocacia-Geral da União. Consultoria-Geral da União. Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal - CCAF: Referencial de Gestão CCAF. Brasília: AGU, 2013, atualizada. p. 5.
Procurador Federal Chefe da Divisão de Planejamento e Gestão da PGF. Pós-Graduado em Direito Tributário e Administrativo pela UNIDERP (Rede LFG).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMINHA, Felipe Regis de Andrade. A utilização da arbitragem para solução de conflitos na Administração Pública Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37420/a-utilizacao-da-arbitragem-para-solucao-de-conflitos-na-administracao-publica-federal. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Por: PRISCILA GOULART GARRASTAZU XAVIER
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