1 - INTRODUÇÃO
Como se sabe, os tribunais superiores se cercaram de entraves e exigências processuais, alheias à própria lei, de sorte a barrar o excesso de recursos dirigidos àquelas cortes, evitando-se a transmudação desses órgãos julgadores em apenas em mais uma instância recursal. Lançou-se mão, assim, dessa postura antipática e insensível aos princípios a muitos princípios constitucionais, para manter aos tribunais superiores dentro das suas funções fincadas no texto maior.
Evidentemente, tais entraves e dificuldades nunca foram bem vistas pelos jurisdicionados, pois acabava por exigir requisitos complexos e de complicado atendimento. Logo, se por um lado esses entraves eram justificados pela quantidade absurda de recursos, de outro pareciam medidas alheias ao regime democrático e empecilho do amplo acesso à função jurisdicional.
Convencionou-se, portanto, de chamar essa prática de impedir o objeto final da órgão judicante, através de medidas e pretextos alheios à própria lei, valendo de descabido formalismo, por parte do Judiciário e notadamente dos Tribunais, de "jurisprudência defensiva".
Muitos estudiosos têm levantado bandeira contra essa postura, diríamos, ilegítima das Cortes superiores, na tentando acordar todos do comodismo de aceitar passivamente a imposição desse excesso de formalismo e rigor com determinados requisitos legais e, mais ainda, de criar, à sua conveniência, outros quando não previstos, contrários a texto legal.
À guisa de curiosidade citamos os seguintes exemplos da postura arbitrária das Cortes Superiores, vejamos:
1- Súmula 115 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “na instância especial é inexistente recurso interposto sem procuração nos autos”, não se admitindo a juntada posterior de procuração, o que contraria os artigos 13 e 37 do Código de Processo Civil (assim, por exemplo, no AgRg no REsp 1370523/RJ, no STJ).
2 - Há também o entendimento de que, sendo “ilegível o carimbo de protocolo” — circunstância que, evidentemente, escapa ao controle da parte —, o recurso não deve ser conhecido, sendo inadmissível “a juntada posterior de certidão que ateste sua tempestividade” (nesse sentido, dentre outros, o AgRg no AREsp 239.167/MG).
3 - Pode-se recordar, igualmente, da orientação, ainda preponderante no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a parte deve comprovar a existência de feriado ou dias sem expediente forense na instância local, com a finalidade de afastar o risco de o tribunal, posteriormente, considerar o recurso intempestivo. O Superior Tribunal de Justiça ensaiou uma mudança de entendimento a respeito, mas depois voltou atrás. O Supremo Tribunal Federal, acertadamente, abandonou tal orientação.
Acrescentaria, ainda, o famigerado caso em que o STJ considerou intempestivo recurso interposto anteriormente aos embargos declaratórios, e não reiterado ainda no prazo recursal posterior ao julgamento do mesmo. É de difícil entendimento tal exigência daquela corte, que supera a imaginação da mais sonhadora das crianças. Provemos a assertiva com a colação da respectiva ementa:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. O recurso especial interposto antes do julgamento dos embargos de declaração é intempestivo, devendo ser reiterado no prazo recursal. Agravo regimental não provido. (AgRg nos EREsp 755.271/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/06/2010, DJe 10/08/2010).
2 - O NOVO CPC E AS PROPOSTAS CONTRA A JURISPUDÊNCIA DEFENSIVA
Pois bem, feita tal digressão e desabafo, o projeto do novo CPC, aprovado parcialmente na Câmara dos Deputados, como não poderia deixar de ser, buscou amenizar essa questão tão debatida e combatida pelos estudiosos do Processo. Para isso apostou no fortalecimento da jurisprudência dos tribunais e institutos como o incidente de demanda repetitivas, que amplia a técnica do julgamento por amostragem, podendo ser suscitado perante tribunal de justiça ou tribunal regional federal.
Passemos à citação de alguns dispositivos inseridos contra a chamada jurisprudência defensiva:
1 - DA EXTINÇÃO DO PROCESSO
Art. 318. Antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o órgão jurisdicional deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício.
Nesse dispositivo fica claro o combate ao excesso de formalismo, mitigando-se a ânsia do julgador em por fim a sua atuação da maneira mais rápida e menos trabalhosa.
2 - MITIGAÇÃO DO FORMALISMO NAS GUIAS DE PREPARO:
Art. 1.020. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção, observado o seguinte:
I – são dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelo Distrito Federal, pelo Estado, pelo Município, e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal;
II – a insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias;
III – se se tratar de processo em autos eletrônicos, os portes de remessa e de retorno não são exigidos.
§ 1º Provando o recorrente justo impedimento, o relator relevará a pena de deserção, por decisão irrecorrível, fixando-lhe prazo de cinco dias para efetuar o preparo.
§ 2º O equívoco no preenchimento da guia de custas não resultará na aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de cinco dias ou solicitar informações ao órgão arrecadador.
Mais uma vez o novo CPC procura atacar e evitar os formalismos criados em providências de menor relevância ante a grandeza da jurisdição. Para exemplificar o frequente apelo aos minudentes requesitos das guias de preparo e de remessa para barrar análise de recurso, vejamos a seguinte ementa, onde se verifica a absurda e indesejada barreira criada na busca pela redução de recursos:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. PREPARO. GUIA DE RECOLHIMENTO. ANOTAÇÕES FEITAS À MÃO. NECESSIDADE DE CONSTAR O NÚMERO DO PROCESSO NA ORIGEM. JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL. 1. A eg. Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que, "a partir da edição da Resolução n. 20/2004, além do recolhimento dos valores relativos ao porte de remessa e retorno em rede bancária, mediante preenchimento da Guia de Recolhimento da União (GRU) ou de Documento de Arrecadação de Receitas Federais (DARF), com a anotação do respectivo código de receita e a juntada do comprovante nos autos, passou a ser necessária a indicação do número do processo respectivo" (AgRg no REsp 924.942/SP, de relatoria do e. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado na sessão de 3/2/2010 e publicado no DJe de 18/3/2010). 2. Com isto, ficou consolidado, no âmbito deste STJ, o entendimento de que, em qualquer hipótese, a ausência do preenchimento do número do processo na guia de recolhimento macula a regularidade do preparo recursal, inexistindo em tal orientação jurisprudencial qualquer violação a princípios constitucionais relacionados à legalidade (CF, art. 5º, II), ao devido processo legal e seus consectários (CF, arts. 5º, incs. XXXV e LIV, e 93, IX) e à proporcionalidade (CF, art. 5º, § 2º). Ressalva do entendimento pessoal deste Relator, conforme voto vencido proferido no julgamento do AgRg no REsp 853.487/RJ. 3. Na hipótese em exame, a guia de recolhimento do preparo do recurso especial não foi devidamente preenchida com a correta indicação do número do processo junto ao Tribunal de origem. Portanto, é forçoso reconhecer a inviabilidade de conhecimento do apelo especial. 4. As anotações feitas à mão na respectiva guia de recolhimento não podem ser consideradas, não sendo aptas a demonstrar a regularidade do preparo. Precedentes. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1105229/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2011, DJe 18/03/2011).
3 - POSSIBILIDADE DE CORREÇÃO DE VÍCIO NO ÂMBITO RECURSAL
Art. 945. Incumbe ao relator:
(...)
Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.
Art. 951. A questão preliminar suscitada no julgamento será decidida antes do mérito, deste não se conhecendo caso seja incompatível com a decisão.
(...)
§ 1º Constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício pelo órgão jurisdicional, o relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível, prosseguirá no julgamento do recurso.
Mais uma vez se oportuniza ao jurisdicionado a chance de corrigir eventuais erros que lhe suprimem o direito à análise do recurso interposto.
4 - A POSSIBILIDADE DE JUNTAR PEÇAS AUSENTES NO AGRAVO - A FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO ERA UM TERROR PARA OS ADVOGADOS
Art. 1.030. A petição de agravo de instrumento será instruída:
I – obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado;
(...)
§ 3º Na falta da cópia de qualquer peça ou no caso de algum outro vício que comprometa a admissibilidade do agravo de instrumento, deve o relator aplicar o disposto no art. 945, parágrafo único.
5 - DISCIPLINA, ATÉ ENTÃO AUSENTE, DO ATENDIMENTO DO PREQUESTIONAMENTO
Art. 1.038. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante pleiteou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.
Com essa providência se evita a insistente, e quase sempre infrutífera, oposição de embargos declaratórios com o fito de forçar o órgão julgador recorrido a se manifestar expressamente sobre a questão que servirá de fundamento para interposição do apelo especial ou extraordinário.
6 - DISPOSITIVO QUE DETERMINA A DESNECESSIDADE RATIFICAÇÃO DE RECUSO INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS - PROBLEMA REFERIDO NO INÍCIO DO TRABALHO.
Art. 1.039. Os embargos de declaração não possuem efeito suspensivo e interrompem o prazo para a interposição de recurso.
(...)
§ 2º Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte, antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração, será processado e julgado independentemente de ratificação.
7 - ESTABELECE A TEMPESTIVIDADE DO ATO PRATICADO ANTES DO TERMO INICIAL DO PRAZO
Art. 218. Os atos processuais serão realizados nos prazos prescritos em lei.
§ 4º Será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo.
8 - CORREÇÕES DE VÍCIOS DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS E FUNGIBILIDADE DOS MESMOS
Art. 1.042. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão:
(...)
§ 3º O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave.
...
Art. 1.045. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de quinze dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional. Cumprida a diligência, remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.
...
Art. 1.046. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação da lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.
3 - CONCLUSÃO
Como se pode ver, o CPC projetado procurou sanar algumas falhas e discussões que há muito circundavam a práxis forense, albergando, em grande parte, as soluções que já vinham sendo dadas pela jurisprudência. Notória, de outro lado, a falta de ousadia do projeto, que apenas deu soluções a aspectos pontuais, sem atacar, entretanto, a causa do problema de excesso de recursos às Cortes Superiores e, igualmente, de lhes retirar o insistente "poder" de criação de obstáculos de acesso à jurisdição, por meio de exigências alheias às leis processuais.
Procurador Federal. Ex-Defensor Público do Estado do Ceará. Especialista em Direito Processual Civil, DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS PELO IDP, ESPECIALISTA EM DIREITO PREVIDENCIÁRIO PELA PUC/MINAS e em Direito Público pela UNB. Membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Trabalhista e Previdenciário. Mestrando em Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Jose Aldizio Pereira. Em poucas palavras: dispositivos do Novo CPC contrários à jurisprudência defensiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 dez 2013, 07:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37660/em-poucas-palavras-dispositivos-do-novo-cpc-contrarios-a-jurisprudencia-defensiva. Acesso em: 22 nov 2024.
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