O pensamento de Calmon de Passos representa a expressão do processo como instrumento de poder.
Não se coloca aqui, no entanto, processo como um instrumento de uma autoridade pública ou governamental, mas como manifestação da vontade do Estado, da soberania de um povo, ávido pela tutela constitucional dos direitos fundamentais.
Nessa perspectiva, o Poder Judiciário e seus integrantes, não poderiam ser concebidos senão como atores protagonistas de um cenário político onde, juntamente com as partes, promovem uma espécie de ato estatal que conclui pela real expressão jurídica dos direitos subjetivos.
A dinâmica da solução das controvérsias, passa assim pela atividade participativa, debatida segundo a lógica e principiologia constitucional, ambiente que garante a tutela jurisdicional a partir de um sistema de normas orientado por um plexo de princípios sobre os quais o consenso deve ser construído.
Essa visão está diretamente vinculada ao processo como expressão de poder soberano, marcado por um conteúdo político cujos tons são elaborados pela sistemática normativa a qual deve ser objeto de avaliação constante por quem lida com os rumos da atividade jurisdicional e forense, sempre permitindo as necessárias atualizações, consentâneas com a modernidade e os novos reclamos sociais.
No contexto de análise, o direito ganha vida, não sendo por esta razão, neutro ou estático.
O direito nessa concepção assume contorno político apresentando e exigindo um magistrado que não é neutro, mas participante ativamente na construção cidadã, no aprimoramento do Estado e da sociedade.
Obviamente, não se pretende com isso afirmar que o juiz, segundo essa percepção, deixa de ser inerte, manifestando-se em desapreço à imparcialidade.
Na verdade, a inércia como garantia de imparcialidade do juiz no processo e da paridade na relação que o Poder Judiciário mantém com os demais poderes do Estado não resta vulnerada por essa perspectiva, sendo com mais razão, muito mais garantida.
O juiz ativo e participante é de fato um elemento estruturante da noção de processo como garantia de direitos subjetivos, eis que, a instrumentalidade do fenômeno processual propicia a atividade do magistrado como fiscal da realização da vontade popular segundo comandos constitucionais.
Essa perspectiva conecta o Direito norma a outras campos do conhecimento sem os quais, a ciência jurídica restaria mero tecido morto, não podendo desenvolver-se adequadamente, porquanto, estaria dissociada com a sociedade que pretende disciplinar e orientar.
O desenvolvimento do direito, portanto, passa necessariamente por essa conexão, simbiose que oferece e retira parâmetros de convivência humana justificando a existência constitucional.
A economia, a política e a sociologia fornecem referenciais sem os quais o direito padece de vício de inutilidade, o que muito outrora experimentou, sobretudo na seara do processo, já que distante das realidades sociais e das controvérsias da vida que pretendeu compreender e solucionar.
A dogmática continua útil e necessária ao encaminhamento da relação jurídica processual embora demande manifestações que identifiquem elementos externos que comporão a decisão judicial, fenômenos metajurídicos que permitirão a decisão justa, efetiva e rápida, sem os quais, a solução prática se verifica destituída de justiça e eficácia e a ausência de credibilidade dos órgãos jurisdicionais seria corolário do preto e branco do processo cujas nuances não foram percebidas pela carência de sensibilidade ao que o circunda.
Muitos foram os anos em que a disciplina constitucional foi meramente retórica e o direito material foi a extremo prestigiado e entendido como condicionante da relação processual, momento em que o juiz não mais foi que o proclamador de resultados segundo uma leitura literal da norma.
O constitucionalismo moderno propicia uma reflexão fecunda acerca da relevância dos postulados constitucionais, dos princípios que regem a vida em comunidade e norteiam essa realidade gerando soluções reais e não apenas pragmáticas e formalistas para as divergências de interpretações das controvérsias.
Uma visão de futuro do processo requer, sobretudo que se conceba a Constituição como parâmetro ideológico da realização da atuação judicial. Para isso, se exige cada vez mais a soltura das amarras da dogmática tradicional que por demais limitou a solução efetiva e justa dos conflitos onde a sentença nunca conseguiu por fim à divergência.
Esse equivoco derivou da complexidade que voluntariamente se deu ao desenvolvimento da ciência processual, que tem mais a ver com o campo das vaidades dos teóricos que se mostraram muito mais imbuídos de realizar a própria vontade inovadora de teorizar desnecessariamente estipulando taxonomias que muito prestaram de desserviço no campo do Estado que se justificaram pelas soluções que apresentaram.
O poder do Estado nessa visão restou secundarizado, porquanto, a retórica dogmática e normativa ficaram sobrelevadas por muito tempo em detrimento de uma interpretação constitucional definidora das escolhas populares e da tutela real dos direitos fundamentais.
É bem verdade que a falta de preparo de muitos processualistas no que se refere ao ambiente da filosofia, da política, da sociologia, da economia e da realidade factual revela uma propensão natural à manutenção dos problemas quanto à evolução da ciência processual, razão pela qual, exige-se cada vez mais, atenção no processo de formação de juristas, exatamente para que, na construção do conhecimento jurídico não descuidem ou desperdicem as oportunidades para a conexão do direito com os demais ramos do conhecimento humano.
Nesse aspecto, a sociedade jurídica é convidada a participar mais ativamente de um trabalho de associação do processo, do direito material com a Constituição do Estado e com o fecundo debate social, porquanto, apenas desse modo se construirá de modo firme os alicerces de uma aplicação efetiva e justa do planejamento de poder popular.
A prevalência do modo de pensar o fenômeno processual segundo a dogmática tradicional deriva da falta de sensibilidade constitucional o que corrói o processo e o torna inerte e desvalorizado no plano social.
As universidades, nesse contexto, exercem importante papel consistente em chamar a sociedade e suas múltiplas facetas, os componentes de outros ambientes acadêmicos, com as pesquisas de campo para a preparação dessa nova compreensão, afim de que o pensamento desenvolvimentista da atividade processual.
Assim, teremos uma maior probabilidade de alteração do rumo da prosa processual costurada há anos e atualmente, não obstante as tentativas recorrentes de avanços e as conquistas já implementadas, ainda se verifica destituída de efeitos práticos na sociedade forense, hoje ainda voraz por soluções rápidas, porém, infelizmente ainda vazias e carentes de efetividade.
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