I – Consideração Inicial
Busca-se, no presente estudo, demonstrar os requisitos que autorizam a dispensa da licitação para contratações com base no art. 24, inciso V, da Lei nº 8.666/93, dando-se ênfase ao entendimento de que tal dispositivo só é aplicável às situações de licitação deserta.
Em que pese haver divergência doutrinária e jurisprudencial que gravita em torno dos conceitos de licitação deserta e fracassada para fins de subsunção à hipótese legal, procurar-se-á demonstrar que a expressão “quando não acudirem interessados à licitação anterior” não alberga os casos que caracterizam licitação fracassada.
II – Do regramento contido no art. 24, inciso V, da Lei nº 8.666/93.
A Constituição da República de 1988 instituiu a licitação como regra nas contratações realizadas pela Administração Pública, conforme se verifica no inciso XXI, art. 37, da Carta Magna. Ao agir assim, busca-se obter a melhor contratação, ou seja, aquela mais vantajosa para a Administração Pública com observância dos princípios constitucionais da isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência. No entanto, a própria Lei Maior dispõe que há exceções a regra de licitar, possibilitando a contratação direta.
Segundo o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello[1],
“a licitação visa alcançar duplo objetivo: proporcionar às entidades governamentais possibilidades de realizarem o negócio mais vantajoso (pois a instauração de competição entre ofertantes preordena-se a isto) e assegurar aos administrados ensejo de disputarem a participação nos negócios que as pessoas governamentais pretendam realizar com os particulares.”
Conforme orientação do Tribunal de Contas da União, a licitação não é mera formalidade burocrática, visto que fundada em princípios maiores, quais sejam a isonomia e a impessoalidade. Não obstante, somente, em condições excepcionais, com base no princípio da eficiência, a lei prevê a possibilidade da dispensa da licitação. Veja-se:
ACÓRDÃO Nº 34/2011 – PLENÁRIO – REL. MIN. AROLDO CEDRAZ:
12. A obrigação de licitar não é mera formalidade burocrática, decorrente apenas de preceitos legais. Ela se funda em dois princípios maiores: os da isonomia e da impessoalidade, que asseguram a todos os que desejam contratar com a administração a possibilidade de competir com outros interessados em fazê-lo, e da eficiência, que exige a busca da proposta mais vantajosa para a administração.
13. Assim, ao contrário do afirmado nas justificativas apresentadas, a licitação, além de ser exigência legal, quando bem conduzida, visa - e permite - a obtenção de ganhos para a administração. E quando a possibilidade de prejuízos existe, a própria lei, novamente com base no princípio da eficiência, prevê os casos em que o certame licitatório pode ser dispensado.
Dentro desta excepcionalidade, dispõe o art. 24, inciso V, da Lei nº 8.666/93:
Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
V - quando não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas;
Ilustrativamente, o Prof. Marçal Justen Filho elenca os quatro requisitos legitimadores para esta contratação direta (art. 24, V)[2], os quais coincidem com aqueles arrolados no Manual do Tribunal de Contas da União[3]:
a. Realização de licitação anterior, concluída infrutiferamente;
b. Ausência de interessados em participar da licitação anterior, o que provocou a frustração da disputa;
c. Risco de prejuízos para a Administração, se o processo licitatório vier a ser repetido;
d. Manutenção das condições idênticas àquelas da licitação anterior.
III – Licitação Deserta X Licitação Fracassada
O grande ponto de discussão quanto à aplicação do art. 24, inciso V, da Lei das Licitações e Contratos Administrativos gira em torno da abrangência da expressão “quando não acudirem interessados à licitação anterior”, no sentido de saber se tal disposição albergaria as situações de licitação deserta ou, também, aquelas de licitação doutrinariamente conceituada como fracassada.
Grosso modo, o citado Manual de Licitações e Contratos do TCU[4] conceitua licitação deserta e fracassada da seguinte forma:
Licitação Deserta – caracteriza-se quando não comparecem licitantes ao procedimento licitatório realizado.
Licitação Fracassada – caracteriza-se quando há participantes no processo licitatório, mas todos são inabilitados ou todas as propostas são desclassificadas.
Ressalvada a divergência jurisprudencial e doutrinária[5] quanto à possibilidade de aplicação do inciso V, do art. 24, da Lei nº 8.666/1993 às licitações fracassadas, procurar-se-á demonstrar que ele só é aplicável aos casos de licitações desertas, pois há diferenças conceituais e práticas nos dois institutos. Aliás, a doutrina mais abalizada compartilha deste entendimento.
Inicialmente, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em razão de situações excepcionais, a dispensa é possível:
“3. quando não acudirem interessados à licitação anterior a esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas (inciso V do art. 24); essa hipótese é denominada de licitação deserta; para que se aplique, são necessários três requisitos: a realização de licitação em que nenhum interessado tenha apresentado a documentação exigida na proposta; que a realização de novo procedimento seja prejudicial à Administração; que sejam mantidas, na contratação direta, todas as condições constantes do instrumento convocatório. Note-se que o dispositivo, atendendo ao princípio da motivação, exige que seja justificada a impossibilidade de repetir a licitação sem prejuízo para a Administração.
A licitação deserta não se confunde com a licitação fracassada, em que aparecem interessados, mas nenhum é selecionado, em decorrência da inabilitação ou da desclassificação. Neste caso, a dispensa de licitação não é possível.”[6]
José dos Santos Carvalho Filho[7], no mesmo sentido, entende:
“que o desinteresse configura-se quando nenhum particular assuma a postura de desejar a contratação, sequer atendendo à convocação. Ou então quando os que se tenham apresentado forem provadamente inidôneos. Tais ocorrências é que têm constituído o que a doutrina denomina, respectivamente, de licitação deserta e licitação frustrada, nomenclaturas que, como pode se observar, indica que não se consumou o objetivo do procedimento: a seleção da melhor proposta. Não é o caso em que os candidatos tenham sido desclassificados por inobservância do edital. Sendo o fato contornável, deve a Administração realizar nova licitação."
Ainda, Diógenes Gasparini[8] assevera:
"Estabelece o inciso V do art. 24 do Estatuto federal Licitatório que licitação é dispensável a um dado negócio se ao processo licitatório correspondente, antes realizado, não acudirem interessados. Essa situação é chamada pela doutrina de licitação deserta, que, de modo algum, confunde-se, como logo será visto, com a licitação fracassada. A contratação desejada, nos termos e condições do ato de abertura, por certo, não foi motivo de interesse para ninguém. Caracteriza-se esse desinteresse pela não participação de qualquer licitante no procedimento licitatório quando ninguém apresenta os envelopes contendo, separadamente, os documentos de habilitação e a proposta. Ainda será assim se houver compra ou retirada do instrumento convocatório e seus anexos. Em sendo assim, deve-se renovar a licitação.
(...)
Observe-se, por um lado, que a participação de um proponente já é o bastante para demonstrar que há, por parte dos particulares, interesse na licitação e que ela não pode ser caracterizada como deserta, ainda que no evoluir do procedimento ele venha a ser eliminado.
(...)
Essa hipótese de dispensa de licitação não serve para justificar a contratação direta quando já há interessados no certame, mas todos por uma ou outra razão são dele alijados, situação que configura a denominada licitação fracassada. Em assim ocorrendo, a repetição da licitação é, ao menos em tese, obrigatória."
Corroborando com o entendimento acima exposto, Lucas Rocha Furtado[9] leciona:
“Teríamos igualmente situação excepcional quando ‘não acudirem interessados à licitação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração, mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas’ (art. 24, V). Esta hipótese é usualmente denominada de licitação deserta ou frustrada. A fim de que a ocorrência de uma licitação deserta – isto é, de ter sido realizada a licitação e ninguém ter demonstrado interesse em dela participar por meio de apresentação de propostas – justifique a contratação direta, é necessário que o contrato que venha a ser celebrado siga os exatos termos da primeira licitação.
(...)
Como bem observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro ‘a licitação deserta não se confunde com a licitação fracassada’ (grifos no original). Na deserta, ninguém chegou a apresentar documentação para participar da licitação; na fracassada, houve manifestação de interesse, de modo que foram apresentadas propostas. Porém, todas essas propostas foram inabilitadas ou desclassificadas, de modo que não restou uma única proposta na licitação que pudesse ser aproveitada pela Administração."
Percebe-se ser condição para a incidência do art. 24, inciso V, da Lei nº 8.666/93 o fato de não haver interessados em participar do certame regularmente deflagrado. Por outro lado, restando configurada a presença de licitantes, que por motivos diversos foram inabilitados ou tiveram propostas desclassificadas, afastada deve ser a hipótese de subsunção ao dispositivo em análise, o qual se direciona exclusivamente às licitações desertas.
Tal entendimento pode ser reforçado, inclusive, fazendo-se uma análise sistemática dos demais dispositivos descritos no art. 24, da Lei nº 8.666/93, aliada aos conceitos doutrinários de licitação deserta e fracassada. Enquanto, à hipótese de licitação deserta deve ser aplicado o inciso V, vislumbra-se que na situação, em que configurada a licitação fracassada, aplicável se mostra o inc. VII, in verbis:
Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
VII - quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados n mercado nacional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, casos em que, observado o parágrafo único do art. 48 desta Lei e, persistindo a situação, será admitida a adjudicação direta dos bens ou serviços, por valor não superior ao constante no registro de preços, ou dos serviços;
O entendimento dominante no Tribunal de Contas da União se coaduna com o tratamento diferenciado que deve ser conferido aos institutos da licitação deserta e da licitação fracassada, para fins de subsunção ao art. 24, inciso V, da Lei nº 8.666/93. Válido, nesse sentido, destacar a orientação contida no 4ª Edição da obra “Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU”[10], a qual caracteriza a aplicabilidade da hipótese de dispensa prevista no inciso V supramencionado, exclusivamente, para os casos de ocorrência de licitação deserta.
Pertinente se faz trazer à colação os precedentes da Corte de Contas Administrativa, que versam sobre a hipótese legal de dispensa em estudo:
ACÓRDÃO Nº 320/2000 - TCU – PLENÁRIO:
16. No que se refere ao primeiro ponto, o analista entende que para as áreas II e III a licitação foi fracassada e não deserta como considerou a ANATEL. Sobre a questão entendo relevante tecer algumas considerações. A licitação deserta é aquela que não acorrem interessados e portanto não existem sequer proponentes habilitados. Por sua vez, na licitação fracassada existem interessados que não conseguem se habilitar ou apresentar propostas válidas. O entendimento do analista é que no presente caso não caberia declarar a licitação deserta parcialmente visto que existem interessados na licitação como um todo. Tal fato se sustentaria pelo fato de a habilitação ser única, ou seja, o interessado apresenta um único envelope contendo todos os documentos da habilitação, independentemente dele querer participar da licitação em mais de uma área. A única distinção diz respeito ao item 5.4.7. ¿ Garantia para Manutenção da Proposta ¿ inserida na Qualificação Econômico-Financeira. Para este item, o interessado deve inserir no envelope da habilitação um comprovante de garantia para cada área a que estiver interessado.
17. Dissinto do entendimento esposado pelo analista de que a licitação para as áreas II e III fora fracassada. Entendo que na habilitação, ao deixarem de apresentar os documentos exigidos para essas duas áreas, os licitantes, na verdade, estavam demonstrando desinteresse na licitação.
É justamente a ausência de interesse que caracteriza a licitação deserta. Assim, considero que a ANATEL poderia, como o fez, declarar a licitação deserta para as áreas II e III, posto que efetivamente não acorreram interessados em participar da licitação.
ACÓRDÃO 1888/2005 – TCU – PRIMEIRA CÂMARA:
(...)
14. Igualmente não foram preenchidos os requisitos para as hipóteses dos incisos V (licitação deserta) e VII (licitação frustrada) do art. 24 da Lei n. 8.666/93. No primeiro caso, o fato de somente a autora da representação, empresa Servi-San Ltda, ter comparecido à licitação não autoriza por si só a dispensa preconizada. O eventual prejuízo à continuidade dos serviços públicos não restou configurado, visto que entre o recebimento das propostas (28/12/2001, fl. 37) e a data da extinção efetiva do contrato com a empresa Servi-San Ltda (28/3/2002, fl. 23) havia tempo suficiente para realização de um novo certame licitatório e, aí sim, a configuração do desinteresse dos interessados poderia ser alegado. A obtenção de melhores vantagens à Administração Pública somente estaria configurada se, realizado esse procedimento, perdurasse a incompatibilidade nas propostas eventualmente apresentadas. Aliás, lembre-se que não se pode alegar licitação deserta quando ao menos uma empresa compareceu.
15. Esse último aspecto remete-nos à segunda hipótese aventada pela recorrente, qual seja: a licitação frustada (inciso VII do art. 24 da Lei n. 8.666/93). Dispõe inequivocamente a Lei n. 8.666/93 que, quando as propostas apresentadas consignarem preços manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes, casos em que, anteriormente à contratação direta, deve ser observada a regra do Parágrafo Único do art. 48 da referida Lei: 'Quando todos os licitantes forem inabilitados ou todas as propostas forem desclassificadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova documentação ou de outras propostas escoimadas das causas referidas neste artigo, facultada, no caso de convite, a redução deste prazo para três dias úteis.(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 8.6.94)'. No entanto, não consta que tal providência tenha sido adotada, demonstrando assim que objetivo era realmente a contratação sem licitação da Fundação Josué Montello.
Voto :
(...)
3. De qualquer maneira, não se verifica nos fatos relacionados ao certame licitatório que precedeu a contratação, no qual se obteve apenas uma proposta, com preços superiores aos orçados pela entidade, o enquadramento nas hipóteses previstas dos incisos V e VII do art. 24 da Lei nº 8.666/93, situações identificadas como licitação deserta e licitação fracassada, respectivamente, que teriam motivado a anulação da concorrência e a realização de contratação direta, segundo a entidade. Conforme apontado pela unidade técnica, o atendimento à convocação por parte de ao menos um licitante descaracteriza a licitação deserta e, de outra parte, a não-fixação de prazo para que fosse apresentada nova proposta após a desclassificação da única proposta oferecida está em desacordo com o procedimento a ser adotado em caso de licitação fracassada.
ACÓRDÃO TCU Nº 2.648/2007 – PLENÁRIO:
Sumário: (...)
3. O fato de uma empresa não estar presente na sessão de habilitação ou de julgamento das propostas não significa que ela tenha desistido de participar do certame.
4. Para efetuar a contratação por dispensa de licitação baseada no art. 24, inciso V, da Lei nº 8.666/93, é necessário que se demonstre que a repetição do certame traria prejuízos para a administração.
(...)
VOTO:
27. Em relação à contratação com dispensa de licitação para a execução das obras relativas ao lote 3, ela foi feita com base no art. 24, inciso V, da Lei nº 8.666/93, que permite a contratação direta no caso de não acudirem interessados à licitação anterior e o certame não puder ser repetido sem prejuízo para a administração.
28. Absolutamente, não estavam presentes os requisitos pertinentes à contratação com tal fundamento. Primeiramente, é bastante estranho o contexto em que se caracterizou a licitação deserta. 17 empresas adquiriram o edital e fizeram a caução exigida. Entretanto, elas não teriam adentrado a sala de reuniões, o que caracterizaria seu desinteresse em participar do certame. Inicialmente, é pouco crível que todas essas empresas, apesar de retirarem o edital e apresentarem a caução, de repente tenham desistido de participar, sem razão aparente. Além disso, o fato de alguma empresa não assistir à sessão de julgamento não significa que ela não esteja interessada em participar da licitação, uma vez que não é obrigatória a presença física de representante da empresa para que sua proposta seja considerada no certame.
29. Ainda que se pudesse caracterizar a licitação como deserta, não estaria justificada a contratação com base no art. 24, inciso V, da Lei nº 8.666/93, pois se teria que demonstrar que a repetição do certame traria prejuízos à administração, conforme reza o dispositivo, o que não foi feito. Aliás, entre o dia em que se declarou deserta a licitação (fls. 801/802, anexo 3, v.4) e a data em que foi feita a contratação por dispensa de licitação (fl. 799, anexo 3, v.4), decorreram quase 4 meses, tempo suficiente para realização de nova licitação. Cabe mencionar, também, que não houve motivação para a escolha do consórcio contratado para realizar as obras, conforme exige o art. 26 , parágrafo único, inciso II, da Lei nº 8.666/93.
30. A contratação com dispensa de licitação, portanto, foi ilegal. Essa irregularidade e a realização das licitações sem projeto básico aprovado também ensejam a apenação do Sr. Paulo Elcídio Chaves Nogueira, assim como aquelas listadas no item 20 deste voto.
ACÓRDÃO Nº 1635/2010 - TCU - 2ª Câmara:
(...)
b.3) quando se utilizar da dispensa de licitação prevista no inc. V do art. 24 da Lei 8.666/93, mantenha inalteradas todas as condições preestabelecidas no certame licitatório anteriormente realizado;
(...)
Somente, portanto, na hipótese de caracterização de licitação deserta, poderá a Administração deflagrar procedimento de contratação direta, com fulcro no inciso V, do art. 24, da Lei nº 8.666/93, a teor da expressão “quando não acudirem interessados à licitação anterior”.
IV – Dos demais requisitos do art. 24, inciso V.
Seguindo, evidencia-se que a dispensa de licitação deserta depende ainda da configuração de dois requisitos: a) que a repetição da licitação importe em risco de prejuízos para a Administração; e b) que sejam mantidas as condições preestabelecidas na licitação.
O prejuízo tratado pela Lei não é aquele decorrente da própria licitação, uma vez que “a repetição da licitação dificilmente deixa de causar prejuízo à Administração, já que acarreta demora na contratação e alteração de preço de bens e serviços”[11], além do dispêndio de recursos materiais e humanos no próprio procedimento licitatório.
Neste sentido, são os ensinamentos de Joel de Menezes Niebuhr[12]:
Além disso, o dispositivo em comento só justifica a contratação direta se a realização de nova licitação pública impuser prejuízo para a Administração, Nesse ponto residem as maiores dificuldades com relação ao inciso, dado que, evidentemente, não basta alegar qualquer sorte de prejuízo. Isso porque a realização de licitação pública sempre implica algum dispêndio e, por corolário, poder-se-ia dizer, algum prejuízo. Sem embargo, requer-se prejuízo qualificado, não o pretensamente decorrente da própria licitação. Sob essa luz, é necessário que a repetição de licitação inviabilize ou provoque gravame a algum bem jurídico visado pela Administração.
Assim, não deve o Administrador Público, por meio de justificativas genéricas, a exemplo de “atendimento ao interesse público” ou sob a alegação “de prejuízos ao ente público”, evadir-se ao cumprimento da lei (princípio da legalidade), por expressa vedação constitucional (art. 37, caput, da CF/88). É a lei que define as hipóteses de contratação direta pela administração pública na forma de dispensa ou inexigibilidade de licitação e a elas o administrador está restrito.
Neste diapasão, requer-se, para fins de regular contratação com fulcro no art. 24, V, da Lei das Licitações, que a Administração demonstre o prejuízo efetivo ou qualificado da repetição da licitação, que cause dano ou inviabilize algum de seus bens jurídicos.
No atinente ao último requisito legal exigido, elucidativa é a lição do Prof. Jessé Torres Pereira Júnior[13], no sentido de que a manutenção das condições estabelecidas no ato convocatório anterior tem o condão de assegurar a impessoalidade no procedimento bem como refutar eventuais vícios na licitação frustrada que pudessem ter provocado o desinteresse dos fornecedores. Observe-se:
A contratação direta, se dispensada for a licitação, terá de fazer-se segundo as condições estabelecidas no ato convocatório frustrado; o implemento desta terceira exigência legal tornará impraticável a dispensa se o desinteresse deveu-se ao fato de o edital ou a carta-convite haver estatuído condições inaceitáveis pelo mercado (preço subestimado, especificações técnicas inatendíveis ou inexistentes na praça, entre outros); sendo este o caso, nenhuma empresa sentir-se-á atraída para contratar naquelas condições apenas porque dispensada de competir.
Por fim, acrescente-se, ainda, que não deve ser considerada como licitação deserta, para fins de aplicação do art. 24, V, da Lei nº 8.666/93, aquela na qual o resultado tenha sido infrutífero, ou seja, não tenha ocorrido a melhor contratação, por culpa ou equívoco da própria Administração. Neste sentido, é o pronunciamento do Egrégio Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 194/2008 – TCU – Plenário, cujo teor consigna que a falta de observância do princípio da publicidade, concernente à ampla divulgação do edital da licitação, contribuiu para que esta fosse considerada deserta, nos seguintes termos:
ACÓRDÃO Nº 194/2008 – TCU – PLENÁRIO:
Sumário:
RECURSO DE REVISÃO. IRREGULARIDADES APURADAS EM PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS SUPERVENIENTE. DOCUMENTOS NOVOS COM EFICÁCIA SOBRE A PROVA PRODUZIDA. REABERTURA DE CONTAS. PROVIMENTO. CONTAS JULGADAS IRREGULARES. APLICAÇÃO DE MULTA.
(...)
3. A inobservância das disposições expressas na Lei nº 8.666/1993, a exemplos da ausência de publicação do edital nos meios de comunicação exigidos para cada modalidade de licitação, bem como de justificativas para o preço contratado e para a escolha da empresa executora - nas hipóteses de dispensa -, enseja o julgamento pela irregularidade das contas.
(...)
Irregularidade: não-publicação da Tomada de Preços 1/2001 em jornal de grande circulação, a teor do disposto no artigo 21, inciso III, da Lei nº 8.666/1993, como forma de ampliar a competitividade, fato que contribuiu para que a licitação fosse considerada deserta e fosse realizada a dispensa;
10. Alegação: que 'por um lapso da Comissão de Licitação e também da nossa parte, não foi publicado em jornal de grande circulação a Tomada de Preços nº 1/2001, entretanto sua publicação no Diário Oficial da União supriu as exigências da lei' (fl. 48).
11. Análise: trata-se de alegação já examinada no relatório que acompanha o Acórdão nº 2.279/2006-Primeira Câmara, nos seguintes termos:
'12. Análise: discordamos dessa alegação, à comissão de licitação cabe elaborar os avisos e editais da licitação, mas a publicação é de responsabilidade do dirigente da entidade. De ressaltar, que essa falha ocorreu em duas oportunidades, sucessivamente, quando da primeira convocação e quando do adiamento. Todavia, conforme já ressaltado, tais ocorrências reportam-se ao exercício de 2001, não podendo refletir no julgamento dessas contas.'
12. Entendemos que a alegação não merece ser acolhida. A não-publicação da Tomada de Preços em jornal de grande circulação, além de constituir violação a expressa disposição da Lei de Licitações e ao princípio da publicidade que rege a Administração Pública, foi determinante para que o certame resultasse deserto, ocasionando a contratação por dispensa de licitação.
13. Após ter o certame resultado deserto, deveria a Administração repetir a licitação ou justificar a não-repetição, a teor do artigo 24, inciso V, da Lei 8.666/1993. Entretanto, optou-se pela contratação por dispensa de licitação, o que também atenta contra o princípio da impessoalidade, já que não houve sequer pesquisa de preços anterior à contratação, conforme se verá adiante.
Com essas considerações, conclui-se que, em consonância com o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência do Tribunal de Contas da União, a hipótese de dispensa prevista no art. 24, inciso V, da Lei nº 8.666/93 alberga, tão somente, a situação de licitação anterior caracterizada como deserta, não sendo aplicável àquela licitação conceituada como fracassada.
Além disso, devem ser demonstrados os demais requisitos exigidos no dispositivo legal, quais sejam: a demonstração de risco de prejuízo efetivo decorrente da realização de nova licitação; e a necessária manutenção das condições estabelecidas no instrumento convocatório anterior, como forma de preservar o princípio da impessoalidade.
Por fim, consigna-se que a licitação frustrada em função de falhas ou equívocos de procedimento cometidos por culpa exclusiva da própria Administração Pública não autoriza a contratação por dispensa baseada no art. 24, V, da Lei nº 8.666/1993.
VI – Referências Bibliográficas
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. Editora Malheiros, 25ª Edição, 2008.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15ª Ed. São Paulo: Dialética, 2012.
Brasil. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos : orientações e jurisprudência do TCU - Tribunal de Contas da União. 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília : TCU, Secretaria Geral da Presidência : Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 15. ed. atualizada por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva, 2010.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e inexigibilidade de licitação pública. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 8. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. Editora Malheiros, 25ª Edição, 2008, p.516
[2] Justen Filho, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 350.
[3] Brasil. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos : orientações e jurisprudência do TCU - Tribunal de Contas da União. 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília : TCU, Secretaria-Geral da Presidência : Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010. p. 600.
[4] Brasil. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos ... p. 890
[5] Entendem que o inciso V, do art. 24, da Lei nº 8.666/1993, abrange a hipótese de licitação fracassada alguns doutrinadores tais como: Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação Direta sem licitação. 6. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 394.; Meirelles, Hely Lopes Meirelles. Licitação e Contrato Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo et. al. p. 148.; etc.
[6] Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 370.
[7] Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 275.
[8] Gasparini, Diógenes. Direito Administrativo. 15. ed. atualizada por Fabrício Motta. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 580-581.
[9] Furtado, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 445/447.
[10] Brasil. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos : orientações e jurisprudência do TCU - Tribunal de Contas da União. 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília : TCU, Secretaria-Geral da Presidência : Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010. p. 600.
[11] Carvalho Filho, José dos Santos. ob. cit. p. 275.
[12] Niebuhr, Joel de Menezes. Dispensa e inexigibilidade de licitação pública. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 467.
[13] Pereira Júnior, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 8. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 303.
Procurador Federal. Procurador-Chefe da Procuradoria Federal junto à Universidade Federal do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONSECA, Marcelo Morais. Inteligência do art. 24, inciso v, da Lei nº 8.666/93: licitação deserta x licitação fracassada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2013, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37753/inteligencia-do-art-24-inciso-v-da-lei-no-8-666-93-licitacao-deserta-x-licitacao-fracassada. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Danilo Eduardo de Souza
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