RESUMO: O presente trabalho estudará o instituto da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que se refere ao impedimento de aplicação deste instituto quando, ainda presentes os demais requisitos, existir processo contra o acusado. Explicitará, com base nos princípios e garantias fundamentais presentes na Constituição da República de 1998, a inconstitucionalidade do disposto no art. 89 da Lei 9.099/95, quando do óbice à aplicação da suspensão condicional do processo, por haver processo anterior contra o acusado.
Palavras-chave: Suspensão Condicional do Processo; Constituição da República de 1988; Lei 9.099/95.
INTRODUÇÃO
Considerando as evoluções normativas sobre a apuração da responsabilidade jurídico-penal do agente, torna-se necessária a análise pormenorizada de alguns institutos próprios do Direito, semeados nas composições do ordenamento jurídico pátrio.
Assim, em primeiro momento a pesquisa demonstrará a importância da dialética científica entre outros ramos do conhecimento na composição dos danos causados à coletividade e consequente imposição da sanção penal.
Em segundo momento, explicitará o instituto da suspensão condicional do processo e os seus desdobramentos jurídicos a partir da averiguação da Lei 9.099/95, analisando as tutelas pretendidas no referido diploma legal.
Por fim, com base nos estudos advindos pela reprodução normativa das garantias e direitos fundamentais previstos na Constituição da República de 1988, responder ao questionamento sobre possível inconstitucionalidade do afastamento da aplicação do instituto da suspensão condicional do processo quando o agente, em momento anterior, responder por processo.
1 O DIREITO PENAL DO SÉC. XXI
As Ciências Criminais, após a promulgação da Constituição da República de 1988, vincularam-se definitivamente aos direitos e garantias fundamentais inerentes à efetivação do Estado Democrático de Direito. Assim, as considerações sobre a apuração da responsabilidade jurídico-penal do agente não mais se vinculam somente ao fenômeno jurídico, mas procedem em intrínseca paridade às demais ciências.
Não é estranha, assim, a produção legislativa após satisfatório debate, nas audiências públicas, junto aos representantes de classes, entidades científicas e estudantis, por exemplo. Demonstra-se a importância do diálogo entre legislador e sociedade na elaboração de normas, em harmonia com os interesses emanados do povo em suas relações mais básicas, a fim de se evitar o arbítrio estatal e a discricionariedade do representante eleito.
O Direito Penal do sec. XXI, assim, desvinculou-se da derrocada dogmática jurídica e promoveu-se em verdadeiro estudo transdisciplinar sobre a criminalidade, bem como as respectivas causas e consequências das políticas criminas às quais pretendeu elaborar.
Alessandro Baratta (1997), expoente maior da Criminologia Crítica, demonstra a necessidade de realização de amplo trabalho sobre a dimensão criminal, composto por evidente demonstração dialética entre as demais ciências, na medida em que
somente um novo discurso que se colocasse transversalmente com respeito à divisão acadêmica do trabalho científico e às disciplinas institucionalizadas seria legítimo, epistemológica e politicamente em relação à chamada dimensão criminal: um discurso que resultasse da participação de atores provenientes de comunidades científicas distintas. Só esse tipo de discurso e esse tipo de sujeito poderiam produzir um saber social orientado ao modelo democrático da interação entre ciências e sociedade, e portanto, orientado às necessidades reais do cidadão. (BARATTA, 1997, p. 67)
Nessa esteira, qualquer tema, por mais simples que se demonstre, deve se vincular a um estudo sistemático sobre as relações a que pretende tutelar. É o que se visualizará, nas linhas seguintes, sobre o instituto da suspensão condicional do processo, descrito no art. 89, quando dos óbices legais à efetiva aplicação/manutenção deste direito.
2 DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
A Lei 9.099/95, popularmente conhecida como “Lei dos Juizados Especiais”, tem por finalidade, regulamentando o procedimento sumaríssimo descrito no art. 98, I da Constituição da República de 1988, tornar mais célere a prestação da atividade jurisdicional em causas de menor complexidade, ensejando a conciliação e a transação.
Hélio Martins Costa (2000), ao debater sobre a importância desta lei na nova configuração paradigmática do acesso à jurisdição pelo povo, bem como das atividades exigidas do Estado-Judiciário, salienta que,
neste passo, a Lei dos Juizados Especiais veio constituir importante instrumento jurisdicional a propiciar justiça ágil, desburocratizada, desformalizada e, principalmente, acessível a todos os cidadãos. E o que é mais importante, trata-se de justiça de resultado rápido (COSTA, 2000, p. 20).
Sabe-se, ainda, que os procedimentos instaurados perante o “Juizado Especial” se orientam por princípios e regras próprios, intrinsicamente relacionados com a efetiva prestação da atividade jurisdicional ao povo, como os da celeridade, economia processual, informalidade, oralidade e simplicidade. Procurou-se, então, minimizar os efeitos de uma prestação morosa e em compromisso com a eficiência jurisdicional, tutelando relações menos complexas e conflitos simples entre os próprios cidadãos.
Tutelam-se, pelas disposições presentes na Lei 9.099/95, as causas cujo valor não exceda 40 salários mínimos, dispensando-se, inclusive, o patrocínio de advogado naquelas em que o valor não exceda 20 salários. Na esfera criminal, por força do art. 61 da Lei 9.099/95, são de competência do “Juizado Especial” os julgamentos dos crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, contravenções penais e crimes cujas penas máximas não sejam superiores a 2 (dois) anos.
A suspensão condicional do processo é instituto de direito processual devidamente introduzido, no ordenamento jurídico brasileiro, pela Lei 9.099/95. Em contexto próprio, o referido instituto pretendeu trazer nova composição jurídica aos crimes de menor potencial ofensivo, tendo em vista condições objetivas e subjetivas devidamente expressas no art. 89, in verbis:
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de freqüentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.
§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.
O processo será suspenso, a pedido Ministério Público e nos crimes em que a pena cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano, desde que o acusado não responda a processo diverso ou tenha sido condenado por outro crime, presentes os requisitos descritos no art. 77 do Código Penal, ou seja, não reincidente em crime doloso e, subjetivamente, quando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias do crime autorizem a concessão do benefício.
Homologada a proposta oferecida pelo Ministério Público e aceita pela parte, o juiz submeterá o acusado, conforme se visualiza no art. 89, §1º, ao período de prova, pelo período de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.
Nessa oportunidade, ao acusado serão impostas condições para o cumprimento de tal período, quais sejam: reparação do dano (quando possível de se fazê-lo); proibição de se frequentar determinados lugares e de se ausentar da Comarca onde reside sem a autorização do juiz; e, por último, comparecimento pessoal e obrigatório e pessoal, mensalmente, para informar e justificar, ao juízo, suas atividades. No art. 2º do art. 89, é facultado ao juiz, ainda, especificar outras condições aplicadas ao caso, segundo adequação ao fato e à situação pessoal do acusado.
Cumprido o período de provas sem qualquer causa de revogação do direito à suspensão condicional do processo, o juiz declarará extinta a punibilidade, conforme disposto no art. 89, §5º, da Lei 9.099/95.
Exemplificando, se uma pessoa comete o delito de furto simples, conduta tipificada no art. 155, caput, do Código Penal, cuja pena mínima cominada é de 1 (um) ano, é primário em crime doloso, não responde, à época do segundo fato, a outro processo criminal e preenche os requisitos para a eventual aplicação do instituto da suspensão condicional da pena (art. 77), terá o direito de ter suspenso o processo pelo delito de furto por período compreendido entre 2 (dois) e 4 (quatro) anos.
Vale destacar que o instituto da suspensão condicional do processo não se aplica somente aos procedimentos criminais tutelados pela Lei 9.099/95, mas em todos aqueles cuja pena mínima não seja superior a 1 (um) ano, desde que preenchidos os requisitos de sua imposição, tendo em vista situação já expressa no caput do art. 89, desta Lei.
Contudo, o presente trabalho criticará, à luz dos direitos e garantias fundamentais devidamente destacados na Constituição da República de 1988, os óbices enfrentados no momento da aplicação e manutenção do referido instituto quando o acusado, simplesmente, vier a ser processado por outro crime. Nas linhas seguintes, analisar-se-á possível inconstitucionalidade de vedação e manutenção da suspensão condicional do processo em razão de processo diverso contra o acusado.
2.1 Da aplicação da suspensão condicional do processo aos acusados que respondam por outro processo
A concepção de Estado Democrático de Direito, trazida pela Constituição da República de 1988, revela a proteção dos direitos e garantias fundamentais aos cidadãos. Demonstra, ainda, a aplicação do devido processo legal como instrumento legitimador da prestação da atividade jurisdicional, o que, na seara criminal, culmina na imposição da sanção ante a conduta praticada.
A aplicação do instituto da suspensão condicional do processo, conforme exposto acima, exige evidente correspondência às disposições objetivas previstas no art. 89 da Lei 9.099/95 e dos requisitos subjetivos presentes no art. 77 do Código Penal Brasileiro.
Assim, o processo não será suspenso quando o acusado responder a outro processo criminal, devendo ser revogado, se aplicado anteriormente, quando sobrevier novo processo. Lado outro, a revogação da suspensão condicional do processo é facultada ao juiz quando o acuso vier a ser processado por contravenção penal.
Temos, nesse sentido, grande incongruência com os princípios e demais orientações presentes no ordenamento jurídico pátrio, disposições que ferem intimamente direitos e garantias fundamentais conferidas ao cidadão e já consagradas no texto da Constituição.
Inicialmente, depreende-se da Constituição da República de 1988 a expressa garantia fundamental da presunção de inocência, prevista no art. 5º, LVII, na medida em que ninguém será considerado culpado por determinada infração penal antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Em breves palavras, sabe-se que o trânsito em julgado da sentença penal condenatória se dá após a efetivação do devido processo legal, oportunidade em que se aplicarão princípios e garantias processuais próprios, como a ampla defesa, o contraditório e a isonomia. É impossível pensarmos na conclusão da responsabilização jurídico-penal do agente sem o devido debate sobre as questões fáticas e jurídicas que compuseram a persecução penal, oportunizando, às partes, ampla manifestação sobre os pontos expressos nos autos.
As restrições à aplicação da suspensão condicional do processo quando o agente responder por outro delito, independentemente da natureza deste, ferem diretamente a garantia constitucional da presunção de inocência, pois se efetiva prejulgamento do acusado ante as condutas por eles praticadas, mas não apuradas.
Nessa esteira, antecipar a restrição de aplicação de um direito do acusado pela previsão legal e até mesmo por suposições, ante o fato de o acusado simplesmente responder por um processo criminal, é o mesmo que destoar dos estudos promovidos pelas Ciências Criminais e demais evoluções pretendidas pela Constituição da República de 1988.
É evidente, por outro lado, que não há espaço, em nosso ordenamento jurídico, para a impunidade. Primeiro, porque as nossas leis, ainda que mal aplicadas, vigem. Segundo, porque a reparação pelo delito praticado, segundo a natureza específica de cada infração, é a medida mais aplicada para a efetivação de ordem social e segurança pública, trazendo vítima e condenado para o centro de um palco propício à mudança.
Contudo, percebe-se infeliz escolha, pelo legislador de 1995, ao demonstrar o impedimento ou revogação da suspensão condicional do processo quando o beneficiado vier ou já responder por outro processo criminal. Há notas claras de imposição estatal da marginalização e condenação antecipada, do acusado, simplesmente pela existência de outro procedimento criminal instaurado contra aquela pessoa. Ora, sabemos de processos eminentemente políticos, vingativos e sem justa causa, sobretudo aqueles cuja pretensão punitiva estatal se origina com a ação penal privada.
Repita-se, é importante, não olvidar da cautela necessária à aplicação da suspensão condicional do processo, mas, em outro lado, relativizar o afastamento de tal aplicação, segundo alteração do art. 89 da Lei 9.099/95. É necessário, então, impedir a aplicação da suspensão condicional do processo somente quando a natureza da infração, a gravidade de conduta e a personalidade do réu indicarem reincidência criminosa.
Esses critérios seriam objetivamente descritos na lei, considerando a importância dos princípios da reserva legal e anterioridade da norma na tutela de novas relações, evitando a imposição da discricionariedade e livre convicção do agente público julgador.
Urge a justaposição de novos paradigmas democráticos na persecução criminal, efetivando direitos e garantias constitucionais ao perceber o acusado como sujeito de direitos e não simples instrumento de imposição de vingança estatal, aquela que, nem sempre, envolve reparação do dano e acolhimento da vítima em suas necessidades.
3 CONCLUSÃO
As renovações pretendias pelas Ciências Criminais, tanto na praxis jurisdicional, quanto na produção legislativa, revelam intrínseca manifestação científica na aplicação sistemática dos princípios e regras de direito na apuração da responsabilidade jurídico-penal do agente. E assim o são para permitir a participação do povo, subsídio de legitimidade do Estado, na tomada das decisões e efetivação dos direitos e garantias descritas na Constituição, Lei Maior dos Estados Modernos.
Nesse sentido, a Lei 9.099/95, popularmente conhecida como “Lei dos Juizados Especiais”, ao regulamentar o procedimento sumaríssimo devidamente previsto na Constituição da República de 1988, trouxe mais celeridade, informalidade e simplicidade aos procedimentos instaurados em sua competência, oportunizando a capacidade postulatória a qualquer cidadão, independente da presença de advogado, nas causas menos complexas e cujo valor não exceda 20 salários mínimos.
Instituiu-se, no art. 89 da Lei 9.099/95, a suspensão condicional do processo. Indicado aos crimes cuja pena mínima não ultrapasse 1 (um) ano, qualquer seja o procedimento, o referido instituto suspende a tramitação processual pelo período de 2 (dois) a 4 (quatro), período de prova, no qual ao acusado são impostas determinadas condições. Cumprido o período estipulado, tem-se extinta a punibilidade.
Ocorre que, ao passo da tão esperada renovação na prestação da atividade jurisdicional, sobretudo quando da tutela dos crimes e demais situações pretendidas pela Lei 9.099/95, há vedações sobre aplicação do instituto da suspensão condicional do processo quando o acusado responder por outro delito, qualquer seja a natureza deste.
Nesse sentido, tem-se como inconstitucional a vedação expressa no art. 89 da Lei 9.099/95, tendo como óbice o fato de o acusado responder a outro processo criminal, seja na aplicação após a denúncia, seja pela revogação após o deferimento do direito.
Há, assim, ofensa direta ao garantia fundamental à presunção de inocência, consagrado no art. 5º, LVII, da Constituição da República de 1988, bem como ao direito fundamental ao devido processo legal, pois se antecipa restrições ao acusado por meio de prejulgamento do acusado. Defendemos, por outro lado, a relativização da suspensão condicional do processo, obstando sua aplicação somente em casos de reincidência e personalidade criminosa, assim concebidos em lei.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL, Lei 9.099/95. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Brasília: Senado, 1995.
BARATTA, Alessandro. Defesa dos Direitos Humanos e Política Criminal. Discursos sediciosos, Rio de Janeiro, Cortesia, n. 3, p. 57-69, 1º semestre 1997.
COSTA, Hélio Martins. Lei dos juizados especiais cíveis: anotada e sua interpretação jurisprudencial. 2ed. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2000.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13º ed. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro: 2010.
Advogado Militante. Mestrando em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Igor Alves Noberto. Óbices à aplicação da suspensão condicional do processo: inconsistências constitucionais do art. 89 da Lei 9.099/95 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/37839/obices-a-aplicacao-da-suspensao-condicional-do-processo-inconsistencias-constitucionais-do-art-89-da-lei-9-099-95. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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