1. INTRODUÇÃO
Embora o Código Tributário Nacional defina fato gerador como sendo a situação definida em lei como suficiente e imperiosa à sua ocorrência, é de se vislumbrar que, partindo do referido enunciado, a doutrina cuidou de estremá-lo do que se entende por hipótese de incidência. Levando-se em conta tal distinção, cumpre pontuar que a descrição abstrata exprimida pela segunda, bem como a revelação fática do primeiro se concretizam mesmo quando correspondem a eventos/atos jurídicos com objeto ou efeitos ilícitos.
2. DESENVOLVIMENTO
O Direito Tributário, ramo do Direito Público por excelência, cuida de relações jurídicas plenamente vinculadas aos ditames das Leis que a regem, impedindo que quaisquer de seus aspectos sejam livremente dispostos simplesmente pela vontade das partes.
Tal vinculação é fruto de uma rígida estrutura sucessiva de normas, sem a qual as pessoas jurídicas de direito público não poderão exercer sua competência tributária, perfazendo o que a doutrina denominou de ciclo de positivação.
Em suma, este ciclo tem como nascedouro a Constituição, deságua nas normas de exercício de competência até adentrar ao campo do lançamento, atividade que constitui o crédito tributário. Por fim, ele atinge o ato de notificação do sujeito passivo da exação, momento onde é oportunizado o contraditório e a quitação da dívida tributária.
É de se perceber que toda esta sequência existe para aviventar a atividade fiscal do Estado, a qual, para surgir, deve deparar-se com uma situação fática que, antes mesmo de seu advento, estava descrita numa norma legal, eis que indispensáveis a hipótese de incidência e o fato gerador para a formação da relação jurídica tributária, institutos diversos, no entanto cruciais ao implemento do referido ciclo de positivação.
Diante da confusão feita pelo Código Tributário Nacional que trata como fato gerador da obrigação principal “a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”, ou seja, dispõe concretude a uma hipótese apenas descrita na lei, a doutrina encarregou-se de elaborar as pertinentes distinções.
Nesse cerne, Ricardo Alexandre, aduz o seguinte:
“O CTN, em seu art. 114, afirma que o “fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”. Ora, se apenas está defina em lei, a situação não poderia ser denominada de “fato”. Por isso, a boa doutrina afirma que a previsão abstrata deve ser denominada “hipótese”, pois se refere a algo que pode vir a ocorrer no mundo, tendo como conseqüência a incidência tributária. Daí a famosa terminologia “hipótese de incidência”
Por sua vez, Geraldo Ataliba, pedagogicamente distinguiu a hipótese de Incidência do fato gerador com as seguintes palavras:
“hipótese de incidência é a descrição hipotética e abstrata de um fato. É parte da norma tributária. É o meio pelo qual o legislador institui um tributo. Está criado um tributo, desde que a lei descreva sua hipótese de incidência, a ela associando o mandamento “pague””, já o fato imponível “é o fato concreto localizado no tempo e no espaço, acontecido efetivamente no universo fenomênico, que – por corresponder rigorosamente à descrição prévia, hipoteticamente formulada pela hipótese de incidência legal – dá nascimento à obrigação tributária”.
Conforme pontuado, para que nasça para o sujeito passivo da relação jurídica tributária o dever de pagar tributo e para o sujeito ativo o poder/dever de exigir a exação, é condição absolutamente necessária a existência de uma prévia hipótese legal descrevendo uma situação concreta capaz de culminar numa incidência tributária.
Para o Direito Tributário, não impõe indagar acerca da licitude, ou não, dos objetos ou efeitos desta situação concreta, devendo haver a tributação de quaisquer eventos/atos jurídicos sem que se perquira acerca de sua conformidade como atividade com o ordenamento jurídico.
Isto é assim porque tributo, segundo o art. 3º do Código Tributário Nacional, não é sanção por ato ilícito, logo sua incidência não se dará a título de punição, mas simplesmente pelo motivo do caso concreto ter se amoldado a uma previsão legal.
Outrossim, o citado diploma é claro ao dispor acerca da questão em comento. Vejamos:
Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.
Em outras palavras, a ocorrência de todo e qualquer fato que se subsuma à uma hipótese de incidência previamente delineada na lei, justificará o nascimento de uma obrigação tributária. Daí, inclusive, a criação doutrinária do princípio do pecúnia non olet (dinheiro não cheira).
Versando sobre o mencionado princípio, Leandro Vilela Brambilla explica que:
“O direito tributário atenta-se a relação econômica do negócio jurídico, pouco importando a atividade praticada pelo contribuinte e se o fato gerador da obrigação tributária é lícito ou ilícito, entretanto, resta lembrar que a incidência do tributo não tem caráter de sanção, portanto, não tem por objetivo legitimar tais atividades nem tão pouco descaracterizar sua antijuridicidade”.
Seguindo essa trilha, o parágrafo primeiro, do art. 43, do CTN, cuidou de advertir que a incidência do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.
3. CONCLUSÃO
Por todo o expendido, é de se concluir que a hipótese de incidência e o fato gerador, elementos essenciais para a legítima composição de todo o ciclo de positivação necessário para que o Estado possa concretamente exigir tributos, são, ainda que institutos interligados, distintos no tempo e no espaço, uma vez que o primeiro antecede o segundo, descrevendo-o por meio da atividade de atividade legiferante, e, enquanto o segundo se dá no mundo dos fatos, aquele permanece apenas no mundo abstrato das normas.
Outrossim, ante a sistemática tributária brasileira, sobretudo sobre o que dispõe o art. 118, do Código Tributário Nacional, o princípio pecúnia non olet e as veementes disposições doutrinárias a propósito do assunto, é de se concluir que não existe óbice algum, aliás, há imposição normativa, para que a realização de uma atividade ilícita confira ensejo à incidência tributária.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 4ª ed. São Paulo: Método, 2010. P.278-279.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. P. 58.
BRAMBILLA, Leandro Vilela. Quais as origens históricas do princípio da "pecunia non olet" do direito tributário? Disponível em : < http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100212173729763>. Acesso em 02 de abril de 2011.
BRASIL. Código Tributário Nacional. In: Vade Mecum Acadêmico de Direito. 8ª ed. São Paulo: Rideel, 2009.
Notas:
[5] BRAMBILLA, Leandro Vilela. Quais as origens históricas do princípio da "pecunia non olet" do direito tributário? Disponível em : < http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100212173729763>. Acesso em 02 de abril de 2011.
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