Em leitura recente de alguns textos dobre o tema “Associação criminosa”, me deparei com um, em especial, veiculado em um site de abrangência nacional e escrito por um renomado jurista, que me chamou a atenção por diversos motivos.
O primeiro deles é que o nobre colega não atentou na mudança que teve sobre o número mínimo de agentes para que o crime se consuma. Antes, no Art, 288 do Código Penal, exigia-se a participação de mais de 3 (três) pessoas para a tipificação do delito descrito no código, ou seja, no mínimo 4 (quatro). Com a mudança advinda da Lei 12.850/13 o número foi reduzido para 3 (três).
Este texto tem caráter mais técnico mas, também, escrevo para aqueles que não possuem conhecimento da ciência jurídica e, por este motivo, serei em alguns momentos mais didático.
Para que se desenvolva ao longo do texto um raciocínio sobre o tema, aqui abordado, vejamos abaixo como está e como era a redação do Art. 288 do Código Penal:
Diferenças do artigo 288 do Código Penal (Decreto-Lei 2.848)
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Redação nova - Associação Criminosa
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Redação antiga - Quadrilha ou bando
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Art. 288. Associarem-se três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
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Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:
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Pena - reclusão, de um a três anos.
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Pena - reclusão, de um a três anos.
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Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
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Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.
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Com as diferenças expostas, passamos ao segundo ponto, e na minha visão o que merece mais atenção, do dispositivo. O “Iter criminis” no delito em tela.
Fazendo uma rápida passagem pelo Direito Penal I que estudamos na universidade, o “Iter criminis” é o “caminho do crime”. São 4 (quatro) as suas etapas: a) Cogitação; b) Preparação; c) Execução e d) Consumação.
Pois bem, ainda sob a leitura que fiz do artigo mencionado no começo do texto, fui surpreendido pela exposição de uma frase que me fez refletir:
“...Pois se há só a idealização do crime em conjunto, somente a preparação de uma quadrilha que nunca cometeu um crime sequer, configurados estão os elementos preparatórios do tipo — a cogitatio —, os quais não são puníveis pelo nosso Direito.”
A fase de cogitação, realmente, não é punível pelo nosso ordenamento jurídico (diferente dos atos preparatórios que são puníveis em alguns casos de acordo com o crime a ser cometido), mas aqui não existe cogitação, o crime já está consumado.
Voltemos a nossa atenção não para as fases do crime do art. 288 do Código penal, mas para o próprio crime. Não há de se falar se é punível ou não, pois, a tipicidade existe em qualquer fase (existente) do “Iter criminis” neste crime. Sim, o simples fato de associarem-se já tipifica a conduta e, dessa forma, há a sanção punitiva.
Como definir a fase de cogitação neste crime? Não existe! Ela existiu individualmente em cada um dos agentes que formam, agora, uma associação criminosa, para a prática de crimes. Quando se dá a “associação”, a fase de cogitação já não existe mais (nunca existiu), pois tal “associação” (tipificada pelo código) se dá com um fim específico, ou seja, cometer crimes.
Eles não estão deliberando para decidirem se praticam ou não os delitos (atenção para a pluralidade de crimes que o dispositivo cita), a decisão já está tomada que vão praticar os crimes. Basta saber, apenas, como executá-los
Muito se questiona sobre como punir um crime que ainda não aconteceu quando lemos “...para o fim específico de cometer crimes”, mas...o crime do Art. 288 não está tipificado???
Se, pela teoria tripartida (adotada pelo Código Penal) crime é fato típico, antijurídico e culpável, o crime de Associação criminosa é um crime como os demais à luz da tipicidade, pois está definido por lei.
Muito pertinente citar as palavras de Fernando Capez (Curso de Direito Penal; Parte geral; Volume 1; p. 211; 15ª edição) quando diz que “para que a conduta humana seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um tipo legal”.
Assim, temos que rever as análises feitas acerca do dispositivo em tela e atentarmos para as particularidades desde dispositivo, pois é de suma importância para o andamento do “bom Direito” que conceitos, outrora tidos como absolutos, sejam revistos de acordo com as peculiaridades de cada caso.
Reconhecer a fase de cogitação do “Iter criminis” no crime de Associação criminosa é reconhecer a inexistência da tipicidade do mesmo crime e, portanto, levantar a bandeira da desordem da nossa ordem jurídica.
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